Parecer do DR Robério Nunes dos Anjos Filho
Procurador Regional da República
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA REGIONAL DA REPÚBLICA - 3ª REGIÃO
EGRÉGIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
Autos nº 0011303-54.2002.4.03.6100
Apelação em Ação Civil Pública
Apelantes: ASSOCIAÇÃO DOS FUNCIONÁRIOS APOSENTADOS
DO BANCO DO ESTADO DE SÃO PAULO - AFABESP
BANESPREV - FUNDO BANESPA DE SEGURIDADE
SOCIAL
BANCO SANTANDER (BRASIL) S/A
UNIÃO FEDERAL
Apelados: Os mesmos
BACEN – Banco Central do Brasil
Juízo de origem: Juízo Federal da 9ª Vara Cível da Subseção Judiciária
de São Paulo/SP
Rel.: Des. Fed. Nelton dos Santos – 3ª Turma
PRONUNCIAMENTO
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REVISÃO DO
BENEFÍCIO DE COMPLEMENTAÇÃO DE
APOSENTADORIA E PENSÃO DOS
BENEFICIÁRIOS PRÉ-75, MEDIANTE A
INCORPORAÇÃO DO IGP-DI.
INEGOCIABILIDADE DOS TÍTULOS
GARANTIDORES DA OBRIGAÇÃO.
SENTENÇA QUE JULGOU PARCIALMENTE
PROCEDENTE O PEDIDO PARA
RECONHECER O DIREITO DOS
BENEFICIÁRIOS À REVISÃO DO BENEFÍCIO
EM QUESTÃO NOS PERÍODOS EM QUE
NÃO HOUVE A APLICAÇÃO DE NENHUMA
FORMA DE REAJUSTE MONETÁRIO. A
SENTENÇA JULGOU IMPROCEDENTE O
PEDIDO DE DECLARAÇÃO DA
INEGOCIABILIDADE DOS TÍTULOS
FEDERAIS. DO CONHECIMENTO DE OFÍCIO
DO REEXAME NECESSÁRIO. AS
PRELIMINARES LEVANTADAS PELOS
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RÉUS MERECEM TOTAL REJEIÇÃO. DEVE
SER MANTIDA A GARANTIA DAS
OBRIGAÇÕES PREVIDENCIÁRIAS AOS
SUBSTITUÍDOS POR MEIO DE
QUANTIDADE SUFICIENTE DE TÍTULOS
COM AS MESMAS CARACTERÍSTICAS DOS
ORIGINARIAMENTE NEGOCIADOS. OS
TÍTULOS QUE GARANTEM AS
OBRIGAÇÕES REFERIDAS PODERÃO SER
NOVAMENTE NEGOCIADOS, DESDE QUE A
GARANTIA SEJA REFORÇADA POR
OUTROS TÍTULOS DE IGUAIS
CARACTERÍSTICAS. A ATUALIZAÇÃO
MONETÁRIA É UMA DECORRÊNCIA
NATURAL E OBRIGATÓRIA DO DIREITO À
PROPRIEDADE. REGIME ORIGINÁRIO É
ABSOLUTAMENTE INCAPAZ DE FREAR A
DESVALORIZAÇÃO DA MOEDA. BANCO
PRIVADO REMUNERA AS PESSOAS DA
ATIVA COM BENEFÍCIOS
PERSONALÍSSIMOS, OU SIMPLESMENTE
SEM REFLEXO NAS APOSENTADORIAS,
OU, AINDA, DE FORMA TOTALMENTE
DESCOMPASSADA COM O FENÔMENO
INFLACIONÁRIO. O REAJUSTE PELA
VARIAÇÃO SALARIAL DOS FUNCIONÁRIOS
ATIVOS TORNOU-SE DESVANTAJOSO,
POIS NÃO MAIS GARANTE A REPOSIÇÃO
INFLACIONÁRIA. DIANTE DA AUSÊNCIA DE
PREVISÃO EXPRESSA, POR ANALOGIA, O
ÍNDICE A SER APLICADO DEVE SER O
MESMO PARA OS BENEFICIÁRIOS DO
“PLANO BANESPREV PRÉ-75”, QUAL
SEJA, A ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA
CONFORME O IGP-DI-FGV. PELO
CONHECIMENTO DA REMESSA OFICIAL E
POR SEU PARCIAL PROVIMENTO, BEM
COMO PELO PARCIAL PROVIMENTO DO
APELO DA AFABESP. PREJUDICADOS OS
APELOS DO BANESPREV, DO BANCO
SANTANDER (BRASIL) S/A E DA UNIÃO
FEDERAL.
E. Tribunal,
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Trata-se de apelações interpostas pela ASSOCIAÇÃO DOS
FUNCIONÁRIOS APOSENTADOS DO BANCO DO ESTADO DE SÃO PAULO
– AFABESP (fls. 3037/3084), pelo BANESPREV - FUNDO BANESPA DE
SEGURIDADE SOCIAL (fls. 3089/3113), pelo BANCO SANTANDER (BRASIL)
S/A (fls. 3127/3169) e pela UNIÃO FEDERAL (fls. 3174/3186), no bojo de ação
civil pública movida pela primeira, em face da r. sentença de fls. 2978/2993v.,
complementada às fls. 3034/3035 e 3381/3382, que: a) julgou extinto o
processo, sem resolução de mérito, em relação aos pedidos de constituição de
fundo de pensão complementar para gerência das contas e determinação das
características a serem observadas pelo plano complementar, bem como em
relação aos optantes da Cláusula 43ª do Acordo Coletivo de Trabalho
2004/2006, por reconhecer a perda de objeto; b) julgou parcialmente
procedente a ação para o fim de condenar os réus BANESPREV e BANCO
SANTANDER a, solidariamente, proceder à revisão do benefício de
complementação de aposentadoria e pensão dos beneficiários Pré-75,
mediante a incorporação do IGP-DI nos períodos em que não houve a
aplicação de nenhuma forma de reajuste monetário do benefício e ao
pagamento dos atrasados, que devem ser atualizados monetariamente nos
termos da Resolução n. 267/2013 do Conselho da Justiça Federal; c) julgou
improcedente o pedido de declaração da inegociabilidade dos títulos federais;
d) reconheceu o direito dos beneficiários à revisão do benefício em questão,
não para determinar a aplicação acumulada do IGP-DI-FGV desde 2000 com o
desconto dos reajustes aplicados, mas sim para determinar a aplicação do
referido índice apenas nos períodos em que não houve a aplicação de
nenhuma forma de reajuste monetário do benefício.
Inconformada, a ASSOCIAÇÃO DOS FUNCIONÁRIOS
APOSENTADOS DO BANCO DO ESTADO DE SÃO PAULO – AFABESP
apelou, aduzindo que: a) o pedido de declaração da inegociabilidade dos títulos
federais emitidos pela União Federal para garantir a complementação de
aposentadoria e pensão dos beneficiários substituídos é devido, pois (i) assim
determinaram os atos jurídicos que antecederam a emissão dos títulos
(legislação, contratos, Mensagem da Presidência da República e Resolução do
Senado que autorizou a operação), (ii) as características dos títulos que
efetivamente foram emitidos eram de inegociabilidade, (iii) o Santander (então
BANESPA) utilizou os títulos inegociáveis exatamente para financiamento dos
benefícios daqueles que migraram ao Plano Banesprev, (iv) o Plano
inicialmente oferecido apresentava correção pelo IGP-DI-FGV, mesmo índice
de correção dos títulos e (v) assim determinaram os atos jurídicos que
antecederam a permuta dos títulos inegociáveis por negociáveis; e b) o pedido
de condenação do Santander e Banesprev a reajustar as complementações de
aposentadoria e pensão segundo índice IGP-DI-FGV desde 2000, com o
desconto dos reajustes aplicados é devido, pois os títulos estão vinculados ao
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pagamento das complementações de todos os pré-75, e sua forma de correção
repercute diretamente na forma de atualização dos benefícios.
O BANESPREV - FUNDO BANESPA DE SEGURIDADE SOCIAL
também apelou, argumentando, em síntese, o seguinte: a) a existência de vício
na representação processual dos associados; b) a sua ilegitimidade passiva; c)
a litispendência com a ação coletiva nº 0095900-43.2005.5.02.0005 da 5ª Vara
do Trabalho de São Paulo/SP; d) a ocorrência de julgamento extra petita, pois o autor não formulou pedido de reconhecimento da potestatividade da indexação ao reajuste da ativa; e) a incompetência da Justiça Federal ante a ausência de interesse da União Federal e do BACEN; f) que se os beneficiários quisessem ter aderido ao reajuste pelo IGP-DI-FGV deveriam ter exercido o direito à migração ao plano “Banesprev Pré-75”, sendo descabido pleitear
posteriormente a extensão do aludido índice a seus benefícios, cuja
regulamentação é absolutamente diversa e cuja forma de correção decorre de
lei (Lei Estadual n° 1.386/51); g) não há nenhuma razão para indexação do
benefício ao IGP-DI-FGV, pois a relação de crédito entre União e BANESPA
não se confunde com a obrigação assumida por este último com a manutenção
dos direitos de aposentados e pensionistas Pré-75; h) a criação aleatória de
índice alternativo de correção de benefício regulado por lei própria é indevida; i)
inexiste potestatividade no reajuste do benefício; e j) não há período sem
reajustamento, pelo que não houve qualquer prejuízo diante do pagamento de
abono extraordinário aos beneficiários.
O BANCO SANTANDER BRASIL S/A, por sua vez, apelou arguindo:
a) vício de representação; b) litispendência com a ação coletiva nº 0095900-
43.2005.5.02.0005 da 5ª Vara do Trabalho de São Paulo/SP; c) julgamento
extra petita, pois a análise da validade das cláusulas do Regulamento de
Pessoal dos funcionários do BANESPA e dos critérios de remuneração das
aposentadorias e pensões nele previstos, em razão de suposta ilegalidade das
normas de regência da relação funcional entre o Banco e seus aposentados e
pensionistas, não foi objeto da demanda; d) que não cabe ao Poder Judiciário
alterar, ao seu alvedrio, critério de correção de benefícios de previdência
complementar validamente previsto no regulamento de regência, apenas sob o
entendimento de que, em determinados momentos, esse critério foi menos
vantajoso que outro; e e) ausência de prejuízos aos aposentados durante o
período abarcado pela sentença, uma vez que perceberam reajustes, na forma
de abono extraordinário/complementação, em estrita observância às cláusulas
estabelecidas em negociações coletivas, conforme se depreende da Cláusula
43, parágrafo 3º do Acordo Coletivo de Trabalho, referente ao período de 2001
a 2004, assim como da Cláusula 44, parágrafo 8º do Acordo Coletivo de
Trabalho, referente ao período de 2004 a 2006.
A UNIÃO FEDERAL apelou adesivamente, argumentando: a) ser parte
ilegítima; b) ser inadequada a via eleita; e c) ser a autora parte ilegítima.
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Contrarrazões da UNIÃO FEDERAL às fls. 3182/3186, da
ASSOCIAÇÃO DOS FUNCIONÁRIOS APOSENTADOS DO BANCO DO
ESTADO DE SÃO PAULO – AFABESP às fls. 3225/3268, do BANCO
SANTANDER BRASIL S/A às fls. 3269/3305 e da BANESPREV - FUNDO
BANESPA DE SEGURIDADE SOCIAL às fls. 3340/3356.
É a síntese do necessário.
Preliminarmente
Do reexame necessário
O DD. juízo de primeiro grau, apesar de não ter acolhido integralmente
a pretensão autoral, deixou de sujeitar a r. sentença ao reexame necessário por ausência de provimento condenatório em desfavor da União Federal.
No entanto, cabível a remessa oficial, que deve ser conhecida de ofício.
É fundamental assinalar a não incidência do artigo 475 do antigo CPC
(atual art. 496 do Novo Código de Processo Civil), que condiciona ao duplo
grau de jurisdição a sentença proferida contra a União, o Estado, o Distrito
Federal, o Município e as respectivas autarquias e fundações de direito público.
O presente caso versa sobre ação civil pública, na qual a remessa
oficial favorece o autor, não incindindo a norma contida no Código de
Processo Civil. Isso porque no regime do processo coletivo a remessa oficial
não é disciplinada pelo Código de Processo Civil, mas sim pelo artigo 19 da Lei
nº 4.717/1965 e pelo artigo 4º, § 1º, da Lei nº 7.583/1989.
Os referidos dispositivos legais determinam o seguinte: Lei nº 4.717/1965
“Art. 19. A sentença que concluir pela carência ou pela
improcedência da ação está sujeita ao duplo grau de
jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada
pelo tribunal; da que julgar a ação procedente caberá apelação,
com efeito suspensivo”;
Lei nº 7.583/1989
“Art. 4º. A sentença terá eficácia de coisa julgada oponível erga
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omnes, exceto no caso de haver sido a ação julgada
improcedente por deficiência de prova, hipótese em que qualquer
legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento,
valendo-se de nova prova.
§ 1º A sentença que concluir pela carência ou pela
improcedência da ação fica sujeita ao duplo grau de
jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada
pelo tribunal.”
Como cediço, a ação civil pública é um procedimento especial, não
havendo na Lei nº. 7.347/85 nenhum preceito referente ao reexame
necessário. Diante disso, o douto juízo certamente entendeu que como o
Código de Processo Civil é norma subsidiária à legislação processual civil
extravagante seria o caso de se aplicar a regra do CPC. Todavia, tal aplicação
afronta a própria lógica da ação civil pública.
Ora, de há muito o nosso sistema jurídico não identifica o interesse da
Administração Pública com o interesse público, este último compreendido como
aquele que se refere a toda a coletividade. No mais das vezes, presume-se que
o Estado é o ator privilegiado da concreção do interesse público; todavia, isto
nem sempre ocorre.
A disciplina ordinária do reexame necessário tem como fundamento dar
maior garantia ao ordenamento jurídico, privilegiando o valor certeza, ao
colocar como condição da eficácia das sentenças proferidas contra a Fazenda
Pública o reexame pelo Tribunal. Entende-se que essa posição cautelosa evita
riscos à preservação do interesse público. Porém, o legislador conferiu
tratamento diferenciado às ações coletivas, ao considerar, no art. 19 da Lei n.º
4.717/65 (Lei da Ação Popular) e no art. 4º, §1º, da Lei n.º 7.853/89 (dispõe
sobre apoio às pessoas com deficiência), que deve haver reexame necessário
da sentença que julgar improcedente o pedido do autor e daquela que concluir
pela carência da ação.
Claro está, portanto, que o legislador considerou que quem promove a
defesa do interesse público nestes casos é o cidadão ou os co-legitimados
para a propositura da ação civil pública. Por conseguinte, em qualquer uma
dessas ações, quando julgadas contra a Fazenda Pública, não cabe reexame
necessário, notadamente porque, sendo a regra do art. 475 do CPC de
natureza excepcional, deve ser interpretada restritivamente1. Assim também
entende a jurisprudência: “Não está sujeita ao duplo grau de jurisdição
1STJ, AgRg no Ag 2187/DF, Rel. Ministro LUIZ VICENTE CERNICCHIARO, SEGUNDA
TURMA, julgado em 14.03.1990, DJ 02.04.1990 p. 2455.
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obrigatório a sentença que julga procedente a ação popular”2 (RJTJESP
106/219, negritos nossos).
A propósito, sobre o tema, cumpre destacar a doutrina:
“Ademais, na tutela coletiva o passar do tempo é crucial para a
efetiva possibilidade de proteção dos direitos em questão. O valor
justiça, no caso, só pode indicar a interpretação de que é
incabível o reexame necessário das sentenças de procedência
em face do Poder Público em sede de qualquer tipo de ação civil
pública. A uma porque a presunção é de que seus autores
protegem o verdadeiro interesse público, e não o eventual
interesse particular da Fazenda; a duas porque a demora ínsita ao
processamento do reexame necessário inviabiliza a adequada
tutela dos direitos que compõem o objeto da actio. [...]
Entendemos que não só descabe a incidência do reexame
necessário quando se tratar de sentença proferida contra o Poder
Público em sede de ação civil pública, como também que se deve
estender a todas as ações civis públicas a regra prevista na lei de
ação popular e na lei de ação civil pública para defesa de
portadores de deficiência, no sentido da incidência do reexame
necessário quando o pedido for julgado improcedente ou o autor
considerado carecedor do direito de ação. Nesses casos é que
pode eventualmente ocorrer a lesão ao interesse público, e o
valor justiça demanda uma maior cautela na conclusão do feito
em desfavor dos direitos difusos, coletivos e individuais
homogêneos. Nada justifica a existência de um tratamento
assimétrico para as diversas modalidades de ação civil pública.
Temos hoje no direito processual civil brasileiro um micro-sistema
da tutela coletiva, integrado pela lei da ação popular, as leis da
ação civil pública e o Código de Defesa do Consumidor, que
reclama a mesma disciplina naquilo que não for incompatível com
o regramento especial. Somente assim o intérprete poderá render
homenagem ao valor justiça que deve ser perseguido em todas os
momentos, por mais modestos que se afigurem, da aplicação da
norma processual3”.
2 No mesmo sentido o seguinte julgado (grifos nossos): “(...) 1. Descabimento do reexame
necessário, nos casos em que a sentença julga procedente a ação popular (art. 19 da Lei
n.º 4.717/65). 2. O art. 11, da Lei da Ação Popular, abre exceção à regra proibitiva do
julgamento extra petita. Preliminar rejeitada. (...) 6. Apelações providas, e remessa oficial não
conhecida. Sentença reformada.” (Processo n. 200381000131814, Apelação Cível n. 377925,
Relator Desembargador Federal Marcelo Navarro, TRF5, Quarta Turma, DJ 03/05/2006, p. 717,
nº 83, data da decisão: 11/04/2006, unânime).
3 RODRIGUES, Geisa de Assis. Anotações sobre reexame necessário em sede de ação civil
pública. Boletim científico da ESMPU, Brasília, a-I- n.I, p. 73-76- out/dez. 2001.
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É esse justamente o entendimento pacificado pelo c. Superior Tribunal
de Justiça:
“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REPARAÇÃO DE
DANOS AO ERÁRIO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA.
REMESSA NECESSÁRIA. ART. 19 DA LEI Nº 4.717/64.
APLICAÇÃO. 1. Por aplicação analógica da primeira parte do
art. 19 da Lei nº 4.717/65, as sentenças de improcedência de
ação civil pública sujeitam-se indistintamente ao reexame
necessário. Doutrina. 2. Recurso especial provido.” (REsp
1108542/SC, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA,
julgado em 19/05/2009, DJe 29/05/2009) (g.n.)
“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA. REEXAME NECESSÁRIO. CABIMENTO.
APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DO ART. 19 DA LEI 4.717/1965.
1. ‘Por aplicação analógica da primeira parte do art. 19 da Lei
nº4.717/65, as sentenças de improcedência de ação civil pública
sujeitam-se indistintamente ao reexame necessário’ (Resp
1.108.542/SC, Rel. Ministro Castro Meira, j. 19.5.2009, Dje
29.5.2009). 2. Agravo Regimental não provido.” (STJ - AgRg no
REsp 1219033 / RJ – Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN- T2 -
SEGUNDA TURMA - DJe 25/04/2011) (g.n.)
Este Eg. Tribunal Regional Federal da 3ª Região também entende no
sentido do cabimento do reexame necessário em caso de improcedência de
ação civil pública:
“DIREITO ADMINISTRATIVO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL.
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MEIO AMBIENTE. SENTENÇA DE
IMPROCEDÊNCIA. AUSÊNCIA DE RECURSO VOLUNTÁRIO.
REEXAME NECESSÁRIO. LEI Nº 4.717/65. APLICAÇÃO POR
ANALOGIA. REMESSA OFICIAL CONHECIDA. SENTENÇA
CONFIRMADA. 1. Embora não previsto na Lei nº 7.347/1985, o
reexame necessário de sentença proferida em sede de ação
civil pública, dispondo, aliás, referido diploma legal, sobre a
aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, naquilo
em que não contrariar suas disposições, na verdade, a Lei nº.
4.717/1965, que regula a ação popular, submete ao duplo grau
obrigatório de jurisdição a sentença que concluir pela
carência ou improcedência da ação (art. 19). 2. Em razão
disso, o Superior Tribunal de Justiça passou a orientar sua
jurisprudência no sentido de aplicar, por analogia, a Lei nº
4.717/65, relativa à ação popular, para submeter ao reexame
necessário as sentenças de carência ou de improcedência
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proferidas em ação civil pública. 3. O leading case da
jurisprudência do STJ tem a seguinte ementa: ‘PROCESSUAL
CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REPARAÇÃO DE DANOS AO
ERÁRIO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. REMESSA
NECESSÁRIA. ART. 19 DA LEI Nº 4.717/64. APLICAÇÃO. 1. Por
aplicação analógica da primeira parte do art. 19 da Lei nº
4.717/65, as sentenças de improcedência de ação civil pública
sujeitam-se indistintamente ao reexame necessário. Doutrina. 2.
Recurso especial provido.’ (RESP 1108542, Processo
200802742289, rel. Min. Castro Meira, 2ª Turma, v.u., DJE,
29.05.2009, p. 268). 4. Com efeito, considerando que existe
um microssistema interligado de normas relativas às ações
coletivas, destinadas à proteção do patrimônio público e de
interesses coletivos, curvo-me a esta evidência para aplicar,
por analogia, o art. 19, da Lei nº. 4.717/1965, com redação
dada pela Lei nº. 6.017/1973, para conhecer da remessa oficial
nos casos de sentenças de carência ou de improcedência
proferidas em ação civil pública. 5. No caso dos autos, cabe
registrar a litispendência existente entre o pedido aqui deduzido e
o objeto da ação civil pública indicada na petição inicial, que corre
perante a 2ª Vara Federal de Marília, que trata do pleito de
condicionamento de novos registros de comercialização de
cerveja e chop em embalagens plásticas ao licenciamento
ambiental junto ao IBAMA, bem como que referida autarquia
condicione o licenciamento ambiental à adoção de medidas
eficazes estabelecidas em estudo de impacto ambiental, devendo,
pois, ser mantida a sentença que, quanto a tais pontos, extinguiu
o processo, sem resolução de mérito. 6. Todavia a decisão
proferida na mencionada ação civil pública não produziu efeitos
em relação à Cervejaria ré, conquanto seus registros já haviam
sido concedidos anteriormente, tendo o objeto daquela ação se
limitado apenas a proibir novos registros perante o Ministério da
Agricultura, razão pela qual o Ministério Público Federal ajuizou a
presente ação civil pública, visando obter provimento jurisdicional
para determinar à Cervejaria ré nestes autos a imediata
paralisação da fabricação, envasamento e comercialização de
cervejas em embalagens plásticas. (…). 14. Remessa oficial
conhecida e não provida.” (TRF 3ª Região – REO 0012683-
24.2007.4.03.6105 – Terceira Turma – Relator Juiz Convocado
Valdeci dos Santos – Data 13/12/2011)
Destarte, necessário se faz o conhecimento da remessa oficial.
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Mérito
Das preliminares reiteradas em sede de apelação
Foram levantadas as seguintes preliminares nos recursos:
1) do BANESPREV: a) vício na representação processual dos
associados; b) ilegitimidade passiva da BANESPREV; c)
litispendência com a ação coletiva nº 0095900-43.2005.5.02.0005
da 5ª Vara do Trabalho de São Paulo/SP; d) julgamento extra
petita, pois o autor não formulou pedido de reconhecimento da
potestatividade da indexação ao reajuste da ativa; e)
incompetência da Justiça Federal ante a ausência de interesse da
União Federal e do BACEN.
2) do BANCO SANTANDER BRASIL S/A: a) vício de
representação; b) a litispendência com a ação coletiva nº
0095900-43.2005.5.02.0005 da 5ª Vara do Trabalho de São
Paulo/SP; c) julgamento extra petita em relação à análise da
validade das cláusulas do Regulamento de Pessoal dos
funcionários do BANESPA e dos critérios de remuneração das
aposentadorias e pensões nele previstos, em razão de suposta
ilegalidade das normas de regência da relação funcional entre o
Banco e seus aposentados e pensionistas, o que não teria sido
objeto da demanda.
3) da UNIÃO FEDERAL: a) ilegitimidade passiva; b) inadequação
da via eleita; e c) ilegitimidade ativa.
A maior parte das questões acima já foi enfrentada e afastada na
sentença recorrida, a cujos fundamentos, no ponto, o Parquet Federal adere:
“I. QUESTÕES PRELIMINARES.
i) Incompetência absoluta da Justiça Federal, legitimidade
ativa da Associação autora e legitimidade passiva da União
Federal, Bacen, Banco Santander e do Banesprev.
A Justiça Federal é competente para o julgamento da lide, uma
vez que a causa de pedir e o pedido formulados envolvem o
interesse jurídico da União. De fato, o pedido formulado pela
autora envolve expressamente a declaração de inegociabilidade
do título federal ATPS 970315, emitido pela União Federal para a
securitização da dívida atuarial relacionada aos aposentados e
pensionistas Pré-75 do Banco Banespa, no ínterim do processo
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de privatização do mesmo. No plano hipotético, portanto,
considerando - se a causa de pedir deduzida na inicial, o alegado
desrespeito à finalidade do título estaria correlacionado à atuação
da própria União Federal, o que justifica a pertinência subjetiva da
demanda e a integração da pessoa política federal ao polo
passivo da demanda, atraindo-se, assim, a competência da
Justiça Federal para o julgamento do caso, nos termos do artigo
109, inciso I, da Constituição Federal.
A legitimidade ativa da Associação autora já ficou resolvida por
força do acórdão do Superior Tribunal de Justiça (fls. 1314/1316),
transitado em julgado, que reconheceu a possibilidade da autora
representar os interesses individuais homogêneos veiculados na
presente demanda. Acresço a tais argumentos, sustentando a
legitimidade ativa da autora, a circunstância de todos os requisitos
da Lei n. 7.347/85 estarem atendidos no que tange à legitimação
associativa extraordinária, em especial a pertinência temática
(natureza dos interesses e a finalidade institucional da
Associação ) e o aspecto temporal (um ano de existência por
ocasião do ajuizamento da ACP).
A legitimidade passiva da União resta reconhecida por força do
alegado no parágrafo inicial deste item. Em relação ao BACEN,
conforme as alegações da autora, este seria responsável pela
direção e fiscalização dos títulos federais emitidos pela União
Federal a favor da autora, assim como conduziu o processo de
privatização do Banespa pelo Banco Santander, no ínterim do
qual ocorreu a transferência dos títulos federais que, nos termos
da inicial, configurar-se-iam como inegociáveis. Nos limites das
alegações da autora, portanto, é possível verificar a afetação da
esfera de interesses jurídicos do BACEN por força de eventual
sentença de procedência.
A legitimidade passiva do Banco Santander e do Banesprev é
evidente. Em relação ao Banco Santander, na condição de
sucessor do Banco Banespa, expressamente assumiu a
obrigação de manter o pagamento da complementação de
aposentadoria e pensão aos funcionários pré-75, sendo, inclusive,
tal condição objeto de sua expressa anuência no processo de
privatização do Banespa. O Banesprev é atualmente o fundo
responsável pela administração e pagamento das contas pré-75,
sendo evidente que eventual procedência da demanda afetará
seu interesse jurídico. Em ambos os casos, portanto, a
pertinência subjetiva da demanda é evidente.
Ressalto, ainda, que conforme a teoria da asserção as condições
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da ação devem ser analisadas abstratamente a partir das
alegações deduzidas na inicial. Em tais limites, a inicial descreve
suficientemente como a causa de pedir e o pedido repercutem na
esfera de interesses da União Federal, do Bacen, do Banesprev e
do Banco Santander. Apenas no intuito de exemplificar o
acolhimento e aplicabilidade da teoria da asserção em nosso
processo civil, cito os seguintes precedentes:
(…) Ante as razões invocadas, rejeito as preliminares em tela.
ii) Inexistência de litispendência com ações individuais e com
os autos da ACP n. 00959200500502009, ajuizada perante a 5ª
Vara do Trabalho de São Paulo.
A litispendência, na condição de pressuposto processual negativo,
configura-se a partir da verificação da plena identidade entre os
elementos identificadores da ação. Pois bem, não é possível
verificar a ocorrência de litispendência entre a presente demanda
e a ação trabalhista n. 00959200500502009 e, também, em
relação a eventuais ações individuais de aposentados ou
pensionistas.
Em relação à ação trabalhista, verifico que não há plena
identidade objetiva e subjetiva entre as demandas. Não se
configura, assim, hipótese de litispendência; a eventual existência
de coincidência no campo da causa de pedir ou pedido
ingressaria na esfera das hipóteses de modificação de
competência relativa, estabelecidas a partir do artigo 102 do
Código de Processo Civil. Entretanto, eventual reconhecimento de
causa modificadora de competência (conexão ou continência)
encontra limites claros no fato de que a distribuição de
competências entre as Justiças Federal e Trabalhista é de
natureza absoluta, não sendo modificável nos termos do artigo
102 do Código de Processo Civil. Caberá, sem dúvida, às partes
adotarem, pelos instrumentos processuais cabíveis, as medidas
para evitar a existência de decisões contraditórias sobre o mesmo
bem jurídico e, ainda, a preservação da coisa julgada material,
caso existente. A este Juízo é cabível, somente, analisar se os
pedidos formulados se inserem na sua competência jurisdicional,
o que se conclui afirmativamente, com esteio no artigo 109, inciso
I, da Constituição Federal.
No que diz respeito à litispendência entre ação coletiva e
individual, remansosa a jurisprudência pátria no sentido de sua
inocorrência; em tal sentido: (…)”
12
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Em relação ao vício de julgamento extra petita, pois o autor não teria
formulado pedido de reconhecimento da potestatividade da indexação ao
reajuste da ativa; ou ainda porque teria formulado pedido de análise da
validade das cláusulas do Regulamento de Pessoal dos funcionários do
BANESPA e dos critérios de remuneração das aposentadorias e pensões nele
previstos, em razão de suposta ilegalidade das normas de regência da relação
funcional entre o Banco e seus aposentados e pensionistas, a objeção não
merece subsistir.
Basta a análise singela do dispositivo da r. sentença apelada para se
verificar que não houve reconhecimento de potestatividade nem decretação de
invalidade de critérios de correção utilizados.
Ora, valer-se de tais análises na fundamentação do dispositivo, como
bem se sabe, não permite concluir pela ocorrência do vício de julgamento. Em
verdade, não houve julgamento sobre tais temas, bastando ler o conteúdo do
dispositivo.
O dispositivo foi claro em julgar parcialmente procedente a ação para o
fim de condenar os réus BANESPREV e BANCO SANTANDER a,
solidariamente, proceder à revisão do benefício de complementação de
aposentadoria e pensão dos beneficiários Pré-75, mediante a incorporação do
IGP-DI nos períodos em que não houve a aplicação de forma alguma de
reajuste monetário do benefício e ao pagamento dos atrasados, que devem ser
atualizados monetariamente nos termos da Resolução n. 267/2013 do
Conselho da Justiça Federal.
Assim, não há falar-se em qualquer sorte de julgamento extra petita.
Por fim, em relação à inadequação da via eleita, levantada pela União
Federal, anote-se que no caso dos autos não há que se falar que a presente
ação civil pública implica usurpação da competência do STF para processar e
julgar a ADI, ainda que haja efeitos erga omnes em todo o território nacional.
Em primeiro lugar, saliente-se que, em tese, é possível haver controle
de constitucionalidade em sede de ação civil pública, observados certos
requisitos, na esteira da pacífica jurisprudência do STF:
“(…) O Supremo Tribunal Federal tem reconhecido a legitimidade
da utilização da ação civil pública como instrumento idôneo de
fiscalização incidental de constitucionalidade, pela via difusa, de
quaisquer leis ou atos do Poder Público, mesmo quando
contestados em face da Constituição da República, desde que,
nesse processo coletivo, a controvérsia constitucional, longe de
identificar-se como objeto único da demanda, qualifique-se como
simples questão prejudicial, indispensável à resolução do litígio
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principal. Precedentes. Doutrina.” (Rcl 1898 ED, Rel. Min. CELSO
DE MELLO, Segunda Turma, j. em 10/06/2014)
“(…) CABIMENTO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA. A não-recepção do
Decreto-Lei nº 972/1969 pela Constituição de 1988 constitui a
causa de pedir da ação civil pública e não o seu pedido principal,
o que está plenamente de acordo com a jurisprudência desta
Corte. A controvérsia constitucional, portanto, constitui apenas
questão prejudicial indispensável à solução do litígio, e não seu
pedido único e principal. Admissibilidade da utilização da ação
civil pública como instrumento de fiscalização incidental de
constitucionalidade. Precedentes do STF. (…)” (STF, RE 511961,
Rel. Min. Gilmar Mendes, Pleno, j. em 17/06/2009)
Vide ainda no STF: RCL 2460/MC/RJ; RCL 1503/DF; RE
227159/GO; RCL 1733/MC/SP; Rcl 1897 AgR.
Porém, a rigor nem é preciso entrar nessa discussão nos presentes
autos.
Isso porque a ação civil pública ora em exame não trata da declaração
da inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo com atributos de
generalidade, abstração, impessoalidade e coercibilidade.
Há discussão, é verdade, que pode envolver a validade da Portaria
STN nº 386/2000 quanto ao pedido de inegociabilidade dos títulos. Porém, tal
pedido apenas foi formulado com o objetivo de se atrelar a forma de correção
daqueles títulos ao benefício.
Em verdade, o pedido principal formulado possui nítido caráter
condenatório de implantação de benefício e de determinação de índice de
correção monetária, não envolvendo em nenhum momento pedido principal de
declaração abstrata de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo.
O chamado pedido de reconhecimento da inegociabilidade dos títulos,
ou melhor, expressamente, de vinculação de tais títulos à garantia do
pagamento dos benefícios, possui finalidade acessória. De fato, como os
títulos referidos já foram há muito negociados, para que não se considere
perdido o objeto, deve ser interpretado o pedido no sentido de que se
determine a existência de títulos, com as mesmas características dos originais,
para garantir a solvência das obrigações, o que não passa necessariamente
por qualquer controle de constitucionalidade abstrato de norma.
Assim, como essa discussão não pode ser objeto de ADI, pois não se
trata de declaração de inconstitucionalidade abstrata de lei ou ato normativo,
não há como defender a tese de que a presente ação civil pública usurpa a
competência do STF.
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Da inegociabilidade dos títulos garantidores
das aposentadorias, pensões e complementos
O apelo da AFABESP requer a reforma parcial da sentença, aduzindo
que deve ser julgado procedente também o pedido de declaração da
inegociabilidade dos títulos federais emitidos pela União Federal para garantir a
complementação de aposentadoria e pensão dos beneficiários substituídos,
pois (i) assim determinaram os atos jurídicos que antecederam a emissão dos
títulos (legislação, contratos, Mensagem da Presidência da República e
Resolução do Senado que autorizou a operação), (ii) as características dos
títulos que efetivamente foram emitidos eram de inegociabilidade, (iii) o
Santander (então BANESPA) utilizou os títulos inegociáveis exatamente para
financiamento dos benefícios daqueles que migraram ao Plano Banesprev, (iv)
o Plano inicialmente oferecido apresentava correção pelo IGP-DI-FGV, mesmo
índice de correção dos títulos e (v) assim determinaram os atos jurídicos que
antecederam a permuta dos títulos inegociáveis por negociáveis.
Entende o autor, grosso modo, que o Senado Federal, no exercício de
sua competência constitucional privativa, autorizou apenas a emissão de títulos
inegociáveis, com a exclusiva finalidade de pagamento dos benefícios
previdenciários, de modo que a referida permuta foi manifestamente
inconstitucional.
A r. sentença assim afastou o pedido de reconhecimento de
inegociabilidade dos títulos:
“Os títulos federais ora em discussão foram emitidos no âmbito do
contrato de assunção de dívida do Estado de São Paulo pela
União Federal, celebrado em 22/05/1997, pelo qual foi promovido
o refinanciamento das dívidas do Estado, assumindo a União o
controle acionário do BANESPA, o que permitiu a consecução de
seu processo de privatização. Nesse contrato, ainda, a União se
tornou devedora do BANESPA, pagando a obrigação com Letras
Financeiras do Tesouro Nacional - LFT, destinadas a quitar os
Certificados de Depósitos Interbancários - CDI e débitos junto ao
Banco Central, além da recomposição dos limites de compulsória,
e com a securitização de obrigações, junto ao Sistema Securitizar
da Central de Custódia e Liquidação Financeira de Títulos CETIP,
representada pelo ativo denominado ATSP970315, que constitui o
objeto central da lide. A emissão do ativo em questão se
fundamentou no fato, reconhecido pelo próprio então Secretário
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do Tesouro, Sr. Fábio Oliveira Barbosa, em depoimento à
Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público da
Câmara dos Deputados n. 2237/07, em 06/12/2007, de que não
se justificaria, sob a ótica da administração da dívida pública
federal, ‘entregar papéis de prazo mais curto para uma obrigação
de prazo longo, como era o passivo atuarial relativo ao
complemento de aposentadorias e pensões’.
O fundamento para a inegociabilidade dos títulos federais estaria
na Mensagem n. 106/97 e Resolução n. 118/97, ambas do
Senado Federal. Verifico que, de fato, no teor da Mensagem em
questão, consta a emissão na modalidade ‘nominativa e
inegociável’ (fls. 149). Em relação à Resolução n. 118 do Senado
Federal, seu artigo 6º declarou dela fazerem parte integrante ‘Os
compromissos constantes do Programa de Apoio à
Reestruturação e ao ajuste fiscal, bem como as demais
condições, metas, exigências e obrigações constantes dos
contratos referidos no artigo 1º.’
A partir da edição da Medida Provisória n. 1974-81, de
19/06/2000, convertida na Lei n. 10.179/2001, a União foi
autorizada a emitir títulos públicos com objetivo de realizar a
permuta por títulos de responsabilidade do Tesouro Nacional ou
por créditos decorrentes de securitização de obrigações da União,
ambos na forma escritural, observada a equivalência econômica.
Com esteio em tal autorização legal e, ainda, no Decreto n.
3540/2000 - que atribui ao Ministro da Fazenda a emissão de
títulos que, por sua vez, delegou pela Portaria n. 214/2000 ao
Secretário do Tesouro Nacional a atribuição -, foi editada pelo
Secretário do Tesouro Nacional a Portaria n. 386, de 14/07/2000,
que realizara a permuta dos títulos originariamente emitidos,
permitindo sua livre negociação.
Pois bem, o único fundamento para afirmar que os títulos
securitizadores permaneceriam inegociáveis após a edição de
referida legislação seria assumir a premissa da própria invalidade
da Portaria STN n. 386/2000, que realizou a permuta de tais
títulos. Não vislumbro, contudo, qualquer juridicidade em tal
argumento. A meu ver, o Tribunal de Contas da União, nos autos
TC 004.936/2008-6, examinou com acuidade e acerto a questão
da plena validade da Portaria em questão. Destaco, a seguir,
excertos de referida decisão:
(…)
De fato, não há fundamentos jurídicos consistentes no sentido de
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afirmar que não seria possível ao emitente do título (União
Federal), em acordo com o credor (titular do título, no caso o
extinto Banespa), realizar a permuta dos títulos anteriormente
emitidos por novos títulos, com características diversas. Ademais,
como a própria autora reconheceu em suas alegações, os títulos
em questão já foram efetivamente negociados, o que poderia
inclusive aventar a possibilidade de perda fática do objeto. Assim,
por todas as razões afirmadas nos excertos do Tribunal de Contas
da União - acima destacados -, bem como pelas que ora acresci,
deve ser rejeitada a alegação inicial da inegociabilidade dos
títulos federais que serviram à securitização das obrigações
atuariais do réu Banespa, agora Santander, perante os
aposentados e pensionistas Pré-75.”
Não vislumbro razões jurídicas para alterar as conclusões emitidas na
r. Sentença.
O autor insiste na inconstitucionalidade das normas que autorizaram a
permuta dos títulos em questão.
Todavia, a Medida Provisória nº 1.560- 5, de 15 de maio de 1997, que
estabelece critérios para a consolidação, a assunção e o refinanciamento, pela
União, da dívida pública mobiliária de responsabilidade dos Estados e do
Distrito Federal, não veda a posterior permuta dos títulos emitidos pela União
no âmbito desse programa de refinanciamento.
O art. 1º da Medida Provisória nº 1.974-81/2000, posteriormente
convertida na Lei nº 10.179/2001, autoriza essa permuta de títulos, tendo como
única exigência legal para essa substituição a obediência da equivalência
econômica que foi observada no caso.
Cumpre destacar que a permuta de ativos não gerou qualquer prejuízo,
pois os valores econômicos e de face de ambos os papéis são equivalentes e
a taxa juros e a correção da inflação são as mesmas (12% a.a. mais IGP-DI).
Assim, se de fato houve perda, esta se deu em função de o BANESPA
não ter apropriado a capitalização de 12% a.a. mais o IGP-DI no fundo de
complementação das aposentadorias e pensões de seus funcionários, ou em
função da negociação desses papéis no mercado, com obtenção de uma
rentabilidade inferior à do CFT.
Portanto, a edição da Portaria STN nº 386/2000 atendeu aos requisitos
legais, sendo válida a permuta dos ATSP970315 pelos Certificados Financeiros
do Tesouro - CFT, série A1. 71.
No mais, patente a perda do objeto em relação a este pedido,
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tendo em vista que os títulos já foram negociados. Caso as normas que
viabilizaram a negociação dos títulos fossem anuladas, necessário seria
o cancelamento da emissão dos CFT que substituiu o ATSP 970315, com
edição de nova portaria autorizando a emissão de novos títulos. Esses
papéis, conforme determina a Medida Provisória nº 1.974-81,
posteriormente convertida na Lei nº 10.179/2001, teriam como única
exigência a observação da equivalência econômica, sendo irrelevante a
característica da negociabilidade ou da inegociabilidade. Logo, a
pretensão, nos moldes em que foi feita, se mostra, inclusive, inútil.
Em verdade, o chamado pedido de reconhecimento da
inegociabilidade dos títulos, ou melhor, expressamente, de vinculação de
tais títulos à garantia do pagamento dos benefícios, possui finalidade
acessória. De fato, como os títulos referidos já foram há muito
negociados, para que não se considere perdido o objeto, o pedido deve
ser interpretado no sentido de se determinar a existência de títulos, com
as mesmas características dos originais, para garantir a solvência das
obrigações previdenciárias.
Portanto, a nosso sentir, como o autor formula pedido no sentido
de se impor “(iv) obrigação de fazer, qual seja, a de não dar outro destino
aos títulos ora referidos, sendo o de garantir a liquidez do Fundo que
deverá ser implementado pela instituição financeira, exatamente nos
moldes para os quais foram criados”, é o caso de dar parcial procedência
ao pedido, para que os réus viabilizem a manutenção da garantia das
obrigações previdenciárias aos substituídos por meio de quantidade
suficiente de títulos com as mesmas características dos originariamente
negociados.
Assim, os títulos que garantem as obrigações referidas poderão
ser novamente negociados, desde que a garantia seja reforçada por
outros títulos de iguais características.
Da vinculação dos títulos ao pagamento das complementações e da
repercussão do índice IGP/DI - FGV na forma de atualização dos
benefícios devidos
A AFABESP aduz ainda em seu apelo que o pedido de condenação do
Santander e do Banesprev a reajustar as complementações de aposentadoria
e pensão segundo o índice IGP-DI-FGV desde 2000, com o desconto dos
reajustes aplicados, é devido, pois os títulos estão vinculados ao pagamento
18
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das complementações de todos os pré-75, e sua forma de correção repercute
diretamente na forma de atualização dos benefícios.
Por sua vez, o BANESPREV arguiu na sua apelação que: a) caso os
beneficiários desejassem ter aderido ao reajuste pelo IGP-DI-FGV, deveriam ter exercido o direito à migração ao plano “Banesprev Pré-75”, sendo descabido posteriormente pleitear a extensão do aludido índice a seus benefícios, cuja regulamentação é absolutamente diversa e cuja forma de correção decorre de lei (Lei Estadual n° 1.386/51); b) não há nenhuma razão para indexação do benefício ao IGP-DI-FGV, pois a relação de crédito entre União e BANESPA não se confunde com a obrigação assumida por este último com a manutenção dos direitos de aposentados e pensionistas Pré-75; c) a criação aleatória de índice alternativo de correção de benefício regulado por lei própria é indevida;
d) inexiste potestatividade no reajuste do benefício; e e) inexiste período sem
reajustamento, pelo que não houve qualquer prejuízo, diante do pagamento de
abono extraordinário aos beneficiários.
Já o BANCO SANTANDER BRASIL S/A em seu recurso assevera
que: a) não cabe ao Poder Judiciário alterar, ao seu alvedrio, critério de
correção de benefícios de previdência complementar validamente previsto no
regulamento de regência, apenas sob o entendimento de que, em
determinados momentos, esse critério foi menos vantajoso que outro; e b) não
houve prejuízo aos aposentados durante o período abarcado pela sentença,
uma vez que receberam reajustes, na forma de abono extraordinário/complementação, em estrita observância às cláusulas
estabelecidas em negociações coletivas, conforme se depreende da Cláusula
43, parágrafo 3º do Acordo Coletivo de Trabalho, referente ao período de 2001
a 2004, assim como da Cláusula 44, parágrafo 8º do Acordo Coletivo de
Trabalho, referente ao período de 2004 a 2006.
A r. Sentença assim decidiu acerca do pedido de equivalência de
reajuste dos benefícios previdenciários aos títulos securitários:
“Doravante, passo a analisar se a forma de atualização prevista
para os títulos federais em questão efetivamente determinam a
forma de atualização das complementações devidas aos
aposentados e pensionistas Pré-75 e, desde já, afirmo a
inexistência de juridicidade na pretendida vinculação. Reitero: a
relação de crédito entre União e Banespa não se confunde, em
nenhum aspecto, com a obrigação assumida por este último com
a manutenção dos direitos de aposentados e pensionistas Pré-75.
É importante, neste ponto, entender o real significado de
‘securitização’. (…)
Os títulos escriturados junto à CETIP, portanto, foram emitidos
como um mecanismo de remuneração do Banespa oriundo do
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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
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contrato de assunção de dívida celebrado entre União Federal e
Estado de São Paulo, sendo repassado ao vencedor do leilão no
ínterim do processo de privatização da instituição financeira
estadual. A securitização, de forma alguma, implica uma
obrigação jurídica desvinculada da relação de crédito que lhe
justificou; assim sendo, a forma de atualização dos títulos
securitizados - atualização mensal sobre o saldo devedor, a cada
dia 15, com base na variação do IGPDI, com taxa de juros
remuneratórios de 12% ao ano - somente obrigam a União
Federal, emitente dos títulos, no momento do resgate dos títulos
junto ao credor.
A securitização não pode ser considerada, portanto, como se
fosse uma garantia das obrigações de previdência complementar
do Banespa com seus aposentados e pensionistas. Não é essa
sua natureza, razão pela qual é impossível afirmar a vinculação
entre os títulos securitizados e uma obrigação de crédito
absolutamente distinta da que justificou sua emissão.
Argumentos no sentido de que consistiria enriquecimento ilícito o
fato do Banco Santander, vencedor do leilão, auferir rendimentos
associados aos títulos escriturados e não repassar as
atualizações às complementações de aposentadorias e pensões
somente teria alguma pertinência caso houvesse realmente uma
vinculação entre os títulos e tais obrigações pecuniárias.
Conforme já afirmado, não há. A opção da União Federal de emitir
ativos diferentes para a assunção da dívida do Estado de São
Paulo perante o Banespa é um raciocínio de ordem estritamente
financeira; conforme o próprio Secretário do Tesouro Nacional à
época, Sr. Fábio Oliveira Barbosa, informou à Câmara dos
Deputados por ocasião de seu depoimento perante a Comissão
de Trabalho, de Administração e Serviço Público, em 06/12/2007,
a União Federal optou por emitir títulos de curto prazo para
obrigações de curto prazo e títulos de longo prazo, escriturados
perante companhia securitizadora, para obrigações de longo
prazo, como era o caso da dívida previdenciária do Banespa com
seus aposentados e pensionistas. Tratou-se de uma estratégia
financeira e não uma vinculação de forma de atualização entre os
títulos federais e as aludidas obrigações previdenciárias. Por tais
razões, rejeito a vinculação pretendida pela Associação autora,
denegando a possibilidade de que, por tal fundamento, seja
determinada a forma de atualização das pensões e
aposentadorias Pré-75.”
A r. sentença também não merece reforma neste ponto.
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Os títulos foram emitidos como um mecanismo de remuneração do
BANESPA pela assunção de dívida entre União Federal e Estado de São
Paulo, com repasse ao Santander, vencedor do processo de privatização do
BANESPA. A forma de atualização dos títulos securitizados somente obriga a
União Federal, emitente dos títulos, no momento do resgate.
É impossível afirmar a vinculação entre os títulos securitizados e uma
obrigação de crédito absolutamente distinta da que justificou sua emissão.
Desta forma, as obrigações previdenciárias (principal) não seguem a
mesma sorte de suas garantias (acessório), razão pela qual, neste aspecto,
não se pode utilizar este argumento como fundamento decisório para a
imposição de correção por um índice determinado.
Da utilização de método de correção monetária
que não guarda correspondência real com o fenômeno inflacionário
A lide discute a atualização das aposentadorias e pensões dos
funcionários do extinto BANESPA, enquadrados sob a nomenclatura “Pré-75”.
Isto porque os beneficiários sofreram efetivas perdas financeiras no valor de
seus benefícios por diversos fatores ligados à atuação conjunta dos réus e à
associação autora.
O BANESPA possuía a natureza jurídica de sociedade de economia
mista, ante o controle majoritário de suas ações pelo Estado de São Paulo. Na
condição de integrante da Administração indireta do Estado, ostentava uma
série de deveres concernentes a normas de ordem pública.
A Lei Estadual Paulista n° 1.386/1951 determinou em seus arts. 1º e 2º:
“Artigo 1.º - O pessoal dos serviços ou repartições criados,
mantidos ou administrados pelo Estado, associado obrigatório de
Institutos ou Caixas de Aposentadorias e Pensões, quando
aposentado terá direito ao provento assegurado aos demais
funcionários ou servidores do Estado, de acôrdo com a legislação
que vigorar.
Parágrafo único - A diferença entre o provento pago pelo
Instituto ou Caixa respectiva e aquêle a que tiver direito o servidor
na forma desta lei, correrá por conta do serviço ou repartição.
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Artigo 2.º- Ao servidor aposentado de acôrdo com o disposto no
artigo anterior, é assegurado o aumento dos seus proventos no
caso de majoração geral dos salários dos ativos da categoria e
funções iguais as respectivamente que pertencia, bem como no
caso de aumento geral de salários concedido sob a forma de
promoções que abranjam uma ou mais categorias de servidores
do serviço ou repartição.
Parágrafo único - Neste caso os proventos serão
proporcionalmente, ajustados aos novos salários, na
conformidade das leis que regulam a aposentadoria dos
funcionários públicos.”
O BANESPA, então controlado pelo Governo do Estado de São Paulo,
implementou referido benefício, apenas transportando para o Regulamento do
Pessoal então vigente, o critério de reajuste atrelado à variação do salário dos
ativos.
Os aposentados e pensionistas do BANESPA possuíam como garantia
de valor de seus benefícios a equivalência ao pessoal da ativa.
As Leis Estaduais n° 1.386/1951 e n° 4.819/1958 foram revogadas pela
Lei Estadual n° 200/1974, que fez cessar o benefício em questão na data de
23/05/1975. Contudo, houve manutenção da Complementação em respeito ao
direito adquirido dos funcionários admitidos até 22/05/1975.
Na privatização do BANESPA, o adquirente da instituição, Banco
Santander, assumiu a responsabilidade pelo pagamento do benefício de
Complementação de Aposentadoria e Pensão Pré-75, competindo-lhe custear
referido benefício e respectivos reajustes.
Com a superveniente criação do BANESPREV, em atenção à Lei n°
6.435/77, por várias ocasiões se ofertou ao grupo intitulado “Pré-75”
(funcionários e aposentados admitidos até 22/05/1975) a migração àquela
entidade previdenciária.
No ano 2000, facultou-se aos “Pré-75” a alteração da forma de reajuste
do abono mensal mediante migração para o denominado “Banesprev Pré-75”,
que previa o reajuste do benefício pelo IGP-DI-FGV ora pretendido.
À época, apenas alguns poucos beneficiários (851 dos cerca de 14.000
aposentados e pensionistas e 1.500 funcionários na ativa) optaram pela
migração, sendo que a maioria rejeitou a aludida migração, por orientação da
autora, e permaneceram com a forma de reajuste atrelada aos funcionários da
ativa.
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Em 2001, por meio de Dissídio Coletivo – DC-810.905/2001-3 decidido
perante o Tribunal Superior do Trabalho - previu-se com relação ao grupo “Pré-
75” (ativos e inativos) a preservação dos direitos conforme assegurado pelo
regulamento de pessoal da época, além da possibilidade de os ativos optarem
pela migração para Plano Específico.
Em 2004, no Acordo Coletivo de Trabalho 2004/2006, o Banco
Santander abriu a possibilidade de os beneficiários que não haviam migrado
para o Banesprev Pré-75 receberem antecipadamente o valor, outorgando
quitação da obrigação ou, alternativamente, alterarem a forma de reajuste do
benefício para o INPC.
Pois bem.
Com a alteração de regime jurídico público para o privado, a não
deterioração dos benefícios pela equivalência aos funcionários ativos se esvai,
pois no setor privado os benefícios conferidos aos funcionários ativos
dependem da vontade do empregador.
Em outros dizeres, ressalvado o poder de negociação fruto de
movimentos paredistas e negociações coletivas, o bancário em atividade do
setor privado é remunerado segundo a vontade do empregador, ao passo que
no setor público, os servidores ativos e inativos têm garantias constitucionais e
legais quanto às suas remunerações e benefícios.
A título de exemplo, benefícios como participação nos lucros e
gratificações pessoais são remuneração aos funcionários da ativa, sem
necessária repercussão para os aposentados e pensionistas (cuja lógica de
remuneração por aposentadorias e pensões é eminentemente atuarial).
Diante desta alteração de regime, o reajuste pela variação salarial dos
funcionários ativos tornou-se desvantajoso, pois a remuneração dos
funcionários ativos na iniciativa privada depende da vontade do empregador e
a reposição inflacionária, garantia do setor público, perde-se.
Vem à baila destacar trecho da sentença, na qual, com muita
percuciência, o juízo vislumbra a ofensa aos direitos dos segurados por conta
da alteração de regime jurídico, fruto da privatização do BANESPA:
“O quadro se altera drasticamente com o processo de privatização
do Banespa e a plena assunção de seu controle pelo Banco
Santander. O regime jurídico passa a ser exclusivamente privado,
sem as derrogações de direito público aplicáveis às sociedades
de economia mista. A consequência prática disto é que o
fundamento do direito à complementação de aposentadoria e
pensão passa a ser exclusivamente contratual, sendo, inclusive,
23
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objeto de anuência expressa do adquirente e, também, previsão
de acordo coletivo de trabalho assinado no ano de 2000/2001
(cláusula 65º).
Com a alteração do fundamento do direito, obviamente as
garantias dos aposentados e pensionistas acerca da não
deterioração das prestações em relação aos funcionários ativos
caem por terra. No âmbito do regime exclusivamente contratual,
aplicável aos funcionários do Banco Santander, prevalece a regra
do pacta sunt servanda e da liberdade empresarial, sendo os
únicos limites os traçados pela legislação trabalhista.
Sob este novo cenário, a preservação do direito de aposentados e
pensionistas ingressa em um cenário de penumbra. Ao contrário
do setor público, no setor privado os mecanismos de controle
acerca da política de remuneração e do cumprimento do dever de
equiparação tornam-se praticamente nulos. Ademais, ante a
premissa de liberdade plena de contratação, no setor privado os
benefícios conferidos aos funcionários ativos não observam a
mesma lógica do setor público, em que necessariamente ingressa
nos cálculos a repercussão quanto aos inativos. Benefícios,
portanto, como participação nos lucros, gratificações pessoais,
entre outros, muitas vezes são utilizados como forma de
remuneração direta ou indireta dos funcionários; considerando
que tal ordem de benefícios não repercutiria para o benefício de
aposentados e pensionistas Pré-75, resta evidente que a
preservação do valor real de seus benefícios estava em xeque.
Tais beneficiários já não são capazes de se informar acerca de
quais são os parâmetros a serem observados para o reajuste de
seus benefícios, são destituídos de mecanismos de controle
acerca da efetivação de seus direitos pela instituição financeira
mantenedora e, obviamente, são incapazes de prever qual o
sistema de atualização que será utilizado pela mantenedora na
preservação do valor do benefício. Aludidas incapacidades
configuram uma clara ofensa à noção de segurança jurídica,
garantia constitucional fundamental.
Concluo esta primeira argumentação, portanto, no sentido que a
inexistência de mecanismos efetivos de controle da preservação
do direito de aposentados e pensionistas Pré-75, decorrente da
alteração de seu fundamento jurídico, passando de legal à
contratual, evidencia a lesão à segurança jurídica deste universo
de beneficiários.”
A jurisprudência consolidou o entendimento de que a atualização
monetária é uma decorrência natural e obrigatória do direito à propriedade (CF,
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APdoBanespa - 26/09/2016
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