Direitos na lata de lixo
Jornal Diário Popular , quinta-feira 30 de março de 2000
Você pensa que a ação na Justiça pedindo a suspensão da privatização do Banespa foi ‘‘coisa de sindicato’’? Nada disso. A iniciativa partiu de nada menos de 11 procuradores da República, integrantes do Ministério Público que, como esta coluna relembrou ontem, foi criado exatamente para defender os direitos do cidadão e da sociedade em geral, inclusive contra abusos (isto é, desrespeito às leis) dos governantes. Para justificar o pedido, os 11 procuradores da República apontaram e demonstraram a existência de mais de 20 irregularidades, ilegalidades e inconstitucionalidade cometidas pelos governos FHC e Covas no processo de venda do banco. Vale dizer, detalhes que trarão prejuízos ao Estado, à população, como aconteceu em tantas outras ‘‘privatizações’’, verdadeiros negócios da China para enriquecer grupos empresariais nacionais e multinacionais.
Os argumentos foram acolhidos, e o leilão suspenso, em uma primeira etapa. Mas o governo recorreu a um Tribunal superior e o juiz anulou a suspensão. Por quê? Os procuradores da República estavam errados? Não é nada disso. Como foi explicado ontem, não é mais assim, com base em leis e direitos, que os tribunais superiores estão tomando decisões no Brasil — conforme críticas dos próprios juízes, advogados e juristas. Agora, basta o governo dizer que ‘‘determinada’’ arbitrariedade sua ‘‘atende aos interesses nacionais’’, e os tribunais superiores decidem a seu favor.
Foi assim mesmo, no caso do Banespa. Os advogados do governo alegaram que, com o atraso nos leilões e venda do banco, o governo teria um ‘‘prejuízo de R$ 189 milhões em seis meses, e de R$ 394 milhões em um ano’’.
Que cálculo é esse? Segundo os advogados do governo, se o Banespa fosse vendido — possivelmente pelo preço estimado em torno de R$ 2 bilhões —, o governo poderia usar esse dinheiro para pagar uma ‘‘fatia’’ de sua dívida, deixando assim de pagar juros de 19% ao ano, ou aqueles R$ 394 milhões em um ano.
O argumento é vergonhoso. Primeiro, porque o Banespa pode dar lucros acima de R$ 1 bilhão por ano, isto é, muito mais que o dobro do ‘‘prejuízo’’ alegado com os juros de R$ 390 milhões. Em segundo lugar, a venda do Banespa às pressas pode trazer prejuízos bilionários ao povo de São Paulo, várias vezes superior aos gastos com juros: no Rio, auditorias contratadas pelo novo governo mostraram que o Estado teve um prejuízo estrondoso, de nada menos de R$ 12 bilhões (30 vezes, ou 3.000% do valor dos juros do caso Banespa) com a privatização do Banerj, vendido na administração anterior.
Esses cálculos mostram como são falsos os argumentos que falam em ‘‘interesse nacional’’. Mas, repita-se, não é esse o aspecto verdadeiramente importante da questão. Nenhuma nação sobrevive se o próprio governo passa a descumprir, sistematicamente, as leis que estabelecem os direitos e deveres dos cidadãos e governantes. No Brasil, direitos e democracia estão sendo jogados na lata do lixo, em nome de pretensos ‘‘interesses nacionais’’. Com a ajuda de tribunais superiores.   - Visite www.apdobanespa.com
APdoBanespa - 26/04/2023
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