Algumas considerações sobre a ação revisional do FGTS, para leigos.
Publicado por Raphaella Reis
Pois bem. Com o fim do ano, as pessoas tem tempo de verdade pra ler e reler coisas em portais de notícias. E com isso, reacendem polêmicas como essa.
Eu sei, você se empolgou pra pedir a revisão do saldo do seu FGTS. Parece fácil e garantido, pelo vídeo. E ca estou com meu lindo balde de água fria, porque embora a matéria diga muitas verdades, ela não informa alguns detalhes, o que leva a equívocos terríveis. Então senta que lá vem história.
O FGTS é como a Força: quanto mais se tenta entender, mais tensa a coisa fica. Mas a ideia é formar patrimônio com o salário, poupando um pouco (8%) todo mês. Por isso chamamos de salário diferido: é um pedaço do seu salário que você não vê. Fica guardado num porquinho chamado Caixa Econômica Federal, rendendo.
Só que o dinheiro precisa ser atualizado pra render, ou não se consegue manter o poder aquisitivo daquela quantia guardada, pela realidade inflacionária. Pra isso, são aplicados índices que conseguem fazer essa mágica. Em linhas (muito) gerais, é isso que chamam de correção monetária. Você já deve ter ouvido falar de INPC, IPCA, IGPM... São alguns dos índices de correção monetária que temos. E tem a TR, o pomo da nossa discórdia.
A TR – Taxa Referencial – serviu pra medir (e segurar) a realidade da inflação no Brasil por muitos anos. Mas a partir de 1999, a TR sofreu reduções, chegando ao zero em 2012. Isso significa que ela não segura mais o poder de compra do dinheiro investido. Agora, corrigindo valores pela TR, você não ganha, nem mantém: você perde. Feio.
Vamos ver se vocês adivinham como a Caixa Econômica Federal corrige o FGTS. A culpa é só da CEF; seu empregador (ou ex-empregador) não tem nada com isso. Por isso que o saldo do FGTS sempre parece magro: a anemia da TR chega a passar dos 80% em alguns casos. As pessoas começaram a notar e fazer consultas grátis na ceia de Natal com os advogados da família, descobriram a falha nessa Matrix e o resto é história. Pra ter direitos aqui, basta ter trabalhado (e lógico, movimentado a conta vinculada com depósitos) entre 1991 e... Agora.
A reportagem de Pernambuco falava de uma decisão de primeira instância. Dessas, temos aos montes. O problema é que pra toda sentença, existe um recurso: e aí começa a jornada.
Caso queira tirar a TR de cima do seu FGTS e colocar o INPC ou o IPCA, prepare-se para esperar. O STJ suspendeu o julgamento de ações tendo a troca de índices do FGTS como tema. O ministro Benedito Gonçalves, no REsp 1.381.683, entendeu que não seria possível uniformizar a jurisprudência se os julgados continuassem pipocando. E como bem disse o Ministro Barroso, relator da ADI 5090 (que coincidentemente questiona a redação de artigos da Lei do FGTS que parecem remeter à TR), isso “interessa a milhões de trabalhadores celetistas brasileiros”. Todos querem ver como vai se desfazer esse nó no rabo do porquinho da Caixa Econômica Federal.
Reclculo do FGTS rola ou no rola
Fica a data de julgamento sugerida para o ministro, bem temática.
A decisão não te impede de ajuizar sua ação, e também não trava a sentença de primeira instância; mas se a CEF recorrer (e ela vai fazer isso), você vai tomar chá de cadeira. E ainda que seja tudo favorável, isso não significa que você vá ficar rico. O objetivo dessas ações é recalcular o saldo depositado (sacado ou não) com um índice mais favorável e reaver as diferenças entre os valores corrigidos com TR e os valores corrigidos de verdade. Os valores passados (já sacados) terão a diferença paga por meio de alvará (em tese); os valores atuais terão a diferença depositada na conta vinculada do FGTS.
O que você vai ganhar depende inteiramente do seu salário, e do melhor índice a ele aplicado (coisa que só você pode avaliar, com auxílio de um advogado, um contador ou os dois). Depende bastante de quanto você ganhava/ganha (entendam: se o advogado pergunta quanto você ganha, ele não está com inveja, nem se metendo na sua vida. Ele precisa saber pra calcular e avaliar). Recomendo vivamente essa apuração antes de qualquer aventura judicial.
Pra fazer essa avaliação, e pra ingressar com a sua ação, você precisa obter um extrato analítico do FGTS, de todo o seu período de movimentação (desde o primeiro emprego com carteira assinada até agora). Você consegue isso online. Se for procurar advogado com cabeça feita, leve o extrato, seus documentos pessoais (RG, CPF, afins), comprovante de residência (conta de luz, água ou gás) e sua carteira de trabalho.
E se você acha que tem bastante tempo pra reclamar... Sugiro que repense isso. Antes, o prazo que se tinha pra tratar do FGTS era de 30 anos. Mas 2015, o ano que será pra sempre um dos mais complexos na história humana, também foi o ano em que Gilmar Mendes, o ministro que não reconheceria uma garantia constitucional nem que ela desse com um taco de hóquei na cabeça dele, resolveu interpretar as garantias trabalhistas na Constituição e mexeu nesse prazo, numa das decisões mais bizarras que já li na vida (e da qual vou te poupar os detalhes, mas se quiser ver o horror, clique por sua conta e risco); e resumindo a ópera, você, que trabalha desde 1991 (ou depois), e estava pensando com muita calma no recálculo, tem até 13.11.2019 pra conseguir que se aprecie judicialmente todo o seu período trabalhado. Depois disso, só vão olhar os últimos 5 anos, e não adianta chorar.
Estas são informações vitais (a meu ver) sobre o recálculo do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço: você precisa entender porque isso aconteceu, o que te espera, quanto tempo você tem pra pensar nisso e como cada detalhe pesa. Mas cada caso é um caso. E só você sabe do seu.
É isso.
(texto publicado no Facebook em 28.12.2015   - Visite www.apdobanespa.com
APdoBanespa - 07/01/2016
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