Um dia, cansado de falar com gravações telefônicas das empresas e com órgãos públicos que não entendem nem resolvem o seu problema, você decide processar alguém. Aí você descobre que saiu da panela para cair no fogo. E fogo brando...
A história é recorrente: você é lesado pelo banco, pela administradora do cartão de crédito, pela concessionária de luz, água ou telefone, ou por todos eles ao mesmo tempo, o que é mais comum, e, se você mora no estado do Rio de Janeiro, em algum momento será lesado também pelo Estado. Com certeza.
Um dia, cansado de falar com gravações telefônicas das empresas e com órgãos públicos que não entendem nem resolvem o seu problema, você decide processar alguém. Aí você descobre que saiu da panela para cair no fogo. E fogo brando...
Quando você começa um processo na justiça do Rio de Janeiro, na verdade você não está só começando um processo. Você está mergulhando num poço sem fundo e sem volta no que há de mais burocrático em termos de serviços públicos.
Existe na Corregedoria do Tribunal de Justiça um manual chamado Consolidação Normativa, que explica alguns procedimentos da rotina dos servidores. Pra início de conversa, o seu processo será distribuído (sorteado para um cartório) e autuado (juntados os documentos, colocando-se capa, número e páginas). Este serviço, que parece simples, é o pontapé inicial na perda de tempo, porque o manual gasta sete páginas para ensinar o servidor a distribuir e autuar um feito. Aí, o oficial de justiça tem que citar o réu (comunicar ao sujeito que há uma ação em trâmite contra ele). Parece simples. O oficial vai até lá, cita o indivíduo, volta e entrega o mandado cumprido. Certo? Errado. O manual gasta inacreditáveis 20 páginas só para ensinar o oficial de justiça a cumprir um mandado.
E as custas judiciais? O manual da Corregedoria gasta inúmeras páginas para orientar sobre o recolhimento de custas. Por um motivo que ninguém conhece, as custas são baseadas em um apanhado de leis, decretos, decretos-leis, portarias, atos, enunciados, pareceres, acórdãos, decisões administrativas e de achismos, frutos da interpretação de juízes que fizeram concurso para julgar, mas acabaram parando na área administrativa, desconhecem por completo as regras de custas, mas decidem marcar a sua gestão com interpretações personalíssimas das já confusas regras. Não acredita? Vou dar um exemplo de um caso real.
Um cidadão faleceu e deixou um único imóvel de herança para os dez filhos; logo, cada um herdou 10% do imóvel. A família entrou com o inventário, pagando as custas equivalentes à totalidade do imóvel. No meio do processo (que, claro, eternizava-se), faleceu um dos filhos, deixando como único bem a décima parte do imóvel que herdou do pai. Pergunta: o que deveria ser pago de custas no inventário deste filho, já que foi pago o valor integral de custas quando da morte do pai e o filho só herdou a décima parte deste imóvel? A resposta seria óbvia: ele deveria pagar custas sobre o que ele herdou, já que seria dono somente da décima parte do imóvel e os demais 90% pertencem aos seus irmãos, ainda vivos. Ledo engano. Uma mente judicial brilhante decidiu que o filho deveria pagar custas sobre a totalidade do imóvel, ainda que herdando só 10% dele. E isso significa que a cada filho que morrer as custas serão pagas novamente sobre todo o imóvel e o Estado arrecadará 11 vezes as custas sobre o mesmo imóvel, ainda que cada filho que venha a falecer seja dono somente de 10% do bem. É ou não é brilhante? Do ponto de vista moral é altamente questionável, mas para fins de arrecadação...
O resultado desse emaranhado é que ninguém se entende e gera uma situação curiosa: o advogado não sabe recolher custas, o servidor não sabe certificar o recolhimento errado do advogado e todo mundo finge que está tudo bem. E quando algum ator deste teatro rocambolesco quiser discutir as custas dá-se a desgraça, porque os demais atores discordam e o processo passa meses girando em torno da discussão sobre o correto recolhimento das custas, esquecendo-se do principal, que é o pedido do cidadão na ação. E aí o processo se arrasta infinitamente.
E não termina aí. A falta de servidores é generalizada. O servidor é quem distribui, autua, atende, processa, despacha, decide e faz as sentenças no lugar do juiz. Então, sem servidor, o processo não anda. E o que faz a Corregedoria, responsável pelos servidores, para mudar este quadro caótico? Ela remove servidores para lá e para ca, contra a vontade, entre cidades distantes, causando prejuízos de toda sorte, aumentando a confusão e punindo o servidor ao tratá-lo como um objeto, levado de um lado para outro. Nessa brilhante estratégia, os servidores andam, mas os processos continuam parados...
Nesta política de remoções forçadas, um comissário de infância quase morreu na última semana. Foi removido pela Corregedoria para uma cidade distante 100 km de sua residência e foi escalado para cobrir um evento de madrugada. Sem hora extra. Sem estrutura. Sem transporte. Sem alimentação. Sem ressarcimento de despesa. Sem respeito. Sem sentido... E foi com o seu próprio carro. No evento, teve bastante trabalho com menores ingerindo bebidas alcoólicas e diversos registros na delegacia local. Na volta, já de madrugada, dormiu ao volante e bateu de frente num poste. Não morreu. Graças a Deus. Porque só se pode contar com a providência divina para evitar uma tragédia maior em meio à burocracia e à desorganização que imperam na Corregedoria da Justiça.
Fonte: avozdaserra Consultor Elder   - Visite www.apdobanespa.com
APdoBanespa - 13/11/2015
| Ver Comentários | Comentar |
|