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Responsabilidade das instituições financeiras
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Responsabilidade civil objetiva das instituições financeiras por fraudes praticadas por terceiros no âmbito de operações bancárias - fortuito interno - Comentários à súmula nº 479 do STJ
O entendimento ora sumulado encontra amparo em precedentes que consideraram que o furto ou roubo no interior de agências bancárias encontra-se dentro da esfera de previsibilidade e evitabilidade de tais eventos por parte das instituições financeiras, por fazerem parte dos riscos inerentes à atividade por elas desenvolvida (fortuito interno). Assim, para que a responsabilidade civil das instituições financeiras seja afastada, é necessário que o evento seja imprevisível ou, embora previsível, seja inevitável, o que caracteriza o chamado fortuito externo. Isso porque nosso ordenamento jurídico, via de regra, não agasalha a responsabilidade fundada na teoria do risco integral.

Veja-se o teor da súmula nº 479 do STJ:

Segunda Seção – SÚMULA n. 479

As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias. Rel. Min. Luis Felipe Salomão, em 27/6/2012.

COMENTÁRIOS:

O dever de segurança, imposto objetivamente às instituições financeiras, é disciplinado pela Lei nº 7.102/83 que, segundo sua ementa, “dispõe sobre segurança para estabelecimentos financeiros, estabelece normas para constituição e funcionamento das empresas particulares que exploram serviços de vigilância e de transporte de valores, e dá outras providências”, dispondo em seus arts. 1º e 2º:

Art. 1º É vedado o funcionamento de qualquer estabelecimento financeiro onde haja guarda de valores ou movimentação de numerário, que não possua sistema de segurança com parecer favorável à sua aprovação, elaborado pelo Ministério da Justiça, na forma desta lei.

(omissis)

Art. 2º - O sistema de segurança referido no artigo anterior inclui pessoas adequadamente preparadas, assim chamadas vigilantes; alarme capaz de permitir, com segurança, comunicação entre o estabelecimento financeiro e outro da mesma instituição, empresa de vigilância ou órgão policial mais próximo; e, pelo menos, mais um dos seguintes dispositivos:

I - equipamentos elétricos, eletrônicos e de filmagens que possibilitem a identificação dos assaltante

II - artefatos que retardem a ação dos criminosos, permitindo sua perseguição, identificação ou captura; e

III - cabina blindada com permanência ininterrupta de vigilante durante o expediente para o público e enquanto houver movimentação de numerário no interior do estabelecimento.

Nota-se, então, que a garantia de segurança nesse contexto é um dever das instituições financeiras; e mais: um dever jurídico imposto pela lei (obrigação), cujo descumprimento acarreta outro dever jurídico para quem o descumpre (responsabilidade). Essa construção corresponde à noção de responsabilidade civil, consoante a sempre elucidativa lição de Sérgio Cavalieri Filho, que assim a sintetiza:

"A violação de um dever jurídico configura o ilícito, que quase sempre acarreta dano a outrem, gerando um novo dever jurídico, qual seja, o de reparar o dano. Há, assim, um dever jurídico originário, chamado por alguns de primário, cuja violação gera um dever jurídico sucessivo, também chamado de secundário, que é o de indenizar o prejuízo" (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 8ª ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 2).

Foi seguindo o que estatui a Lei nº 7.102/83 que a 4ª Turma do STJ, ao proferir decisão no AgRg no Ag 997929 BA 2007/0294900-9, destacou o que fora considerado pelo TJBA no respectivo processo, in verbis:

"Deixando o Banco de adotar as medidas de segurança mínimas, a exemplo da porta giratória, detectores de metais, guardas de segurança em número suficiente para inibir a ação de assaltantes, numa cidade reconhecidamente violenta como Salvador, soa despropositada a alegação de que o assalto na agência era inevitável. Ao revés, tivesse agido com prudência e responsabilidade, por certo o infausto acontecimento teria sido evitado ou minimizado em suas consequências (...).

Ressalte-se, como se depreende da prova testemunhal, que os equipamentos de segurança instalados na agência e enfatizados pelo apelante em suas razões recursais visavam tão-somente à proteção do dinheiro ali depositado (cofres, comunicação direta com a Secretaria de Segurança Pública e dispositivo pneumático que permite o trânsito de dinheiro através de tubulação no interior da loja), não tendo o Banco a mesma preocupação com a segurança e proteção de seus clientes e empregados, tanto que não adotou qualquer providência para impedir o acesso de marginais portanto arma de fogo, como de fato aconteceu!"

É importante destacar que, conforme o entendimento sumulado, a garantia de segurança imposta às instituições financeiras refere-se tanto à incolumidade das transações bancárias quanto àquela relacionada a delitos que envolvam as atividades por elas desenvolvidas, pouco importando se as pessoas vitimadas pelo ilícito sejam ou não clientes da instituição. Esse é, inclusive, o entendimento do citado autor, e que ao longo dos anos veio sendo consolidado pela jurisprudência (Op. Cit., p. 411).

Na mesma esteira, a lição de Carlos Roberto Gonçalves:

“(...) a natureza dos serviços de segurança oferecidos, e da obrigação assumida exigem que faça a prova da absoluta inevitabilidade ou irresistibilidade do desfalque do patrimônio colocado sob sua custódia, devendo-se considerar, por exemplo, que o furto ou o roubo, como fatos previsíveis, não podem conduzir à aceitação do caso fortuito, mas, sim, ao reconhecimento que terá falhado o esquema de segurança e vigilância prestado pelo banco” (GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil, 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 246).

Ultrapassado esse ponto, cumpre-nos analisar a questão referente à excludente de responsabilidade no presente caso. Para tanto, ressalvada a hipótese do art. 393 do CC/2002, em que o devedor se obriga a cumprir a prestação mesmo na ocorrência de caso fortuito ou força maior, preferimos, nesse momento, aderir à doutrina que não diferencia esses fenômenos, já que, para efeitos práticos, o que interessa ao presente estudo é concluir que, ocorrendo qualquer dessas hipóteses, o resultado será um só: o afastamento do dever de indenizar.

De acordo com a súmula, para que a responsabilidade civil das instituições financeiras seja afastada, além de o evento danoso advir de caso fortuito, é necessário que esse fortuito seja externo.

No que interessa à hipótese em estudo, o fortuito externo vem a ser o fato imprevisível e inevitável, que não guarda nenhuma relação com a atividade desenvolvida pela instituição financeira. Seria, por exemplo, um evento da natureza (inundações, vendavais, incêndios etc.). Nesses casos, fica fácil visualizar que nenhuma responsabilidade poderá ser atribuída àquelas pessoas, pois tais eventos não fazem parte da organização da empresa desenvolvida.

Sobre o fortuito externo, Carlos Roberto Gonçalves registra: “O que por trás de tudo isso se encontra – assinala Wilson Melo da Silva – ‘é apenas um substractum comum: o da ausência de toda e qualquer culpa por parte do responsável na hipótese do fortuito ou da força maior, aliada à impossibilidade absoluta (não relativa) de se cumprir aquilo por que se obrigou’” (Op. Cit., p 505).

Contudo, conclusão diversa pode ser fixada quando se trata de fortuito interno, assim entendido o fato também imprevisível e inevitável, mas que, no entanto, compreende-se como inerente aos riscos do negócio desenvolvido pela instituição. Nesse contexto, é perfeitamente possível concluir que, v. G., a sujeição a assaltos faz parte do risco da atividade desenvolvida pelos bancos, na medida em que são responsáveis pela guarda de expressivo numerário em dinheiro e outros valores, atraindo, portanto, a atenção dos assaltantes. Da mesma forma, embora imprevisível e inevitável a ação de hackers, as instituições financeiras respondem pelos danos oriundos da ação desses delinquentes, pois têm o dever de garantir a segurança das transações financeiras, de modo a não permitir que terceiros sirvam-se dos dados de clientes, obtidos clandestinamente – prática que, infelizmente, é comum nos dias atuais.

A ilustrar o posicionamento do STJ em hipóteses envolvendo assaltos, a Min. Nancy Andrighi já se manifestou no sentido de que "o fato de terceiro só atua como excludente da responsabilidade quando tal fato for inevitável e imprevisível" (REsp 685.662/RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJ 05/12/2005). A reforçar a tese, assim se posicionou o Min. Sidnei Beneti: "não é possível admitir o furto ou o roubo como causas excludentes do dever de indenizar. Há de se levar em conta a natureza específica da empresa explorada pela instituição financeira, de modo a considerar esse tipo de evento, como um fortuito interno, inerente à própria atividade (...)" (REsp 1133111/PR, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, DJe 05/11/2009).

Especificamente sobre a responsabilidade por assaltos, cabe uma observação: Sérgio Cavalieri Filho considera que, nesse tipo de evento, a responsabilidade dos bancos funda-se no risco integral. Isso significa que, nem mesmo o nexo causal é relevante para configurar a responsabilidade, bastando apenas a ocorrência do dano. Segundo o insigne autor, que cita julgado albergando tal entendimento (Ap. Cível 17.241/99 - 17ª Câmara Cível do TJRJ), “o assalto, em si, evidencia a falta do serviço, devendo o banco responder perante a vítima. No máximo, poderá denunciar a lide à empresa de segurança que contratou” (Op. Cit. P. 411). Contudo, não é esse o entendimento que se extrai da súmula em comento, pois, fosse o caso de aplicação da teoria do risco integral, o verbete não faria sentido, uma vez que essa modalidade de risco fundamenta a responsabilidade civil até mesmo em caso de fortuito externo. Repita-se, não é o caso da súmula nº 479, que prevê a responsabilidade relacionada ao fortuito interno.

De seu turno, citando precedentes em situação envolvendo o uso de documento de terceiros por estelionatários, destacamos o asseverado pelo Min. Raul Araújo:

“(...) o nexo de causalidade entre a conduta do banco e o dano moral decorre do reconhecimento da abertura de conta corrente, em agência do agravante, em nome do autor/agravado, mediante fraude praticada por terceiro falsário, o que, à luz dos reiterados precedentes do STJ, por constituir risco inerente à atividade econômica das instituições financeiras, não elide a responsabilidade destas pelos danos daí advindos” (AgRg no Ag 1235525/SP, Rel. Ministro Raul Araújo2009/0182830-4 DJe 18/04/2011).

Ponto que merece atenção refere-se à natureza da responsabilidade civil das instituições financeiras: se é contratual ou extracontratual.

Mais uma vez, recorremos à esclarecedora lição de Sérgio Cavalieri Filho, no sentido de que tudo dependerá do caso concreto, devendo a responsabilidade ser analisada em seu duplo aspecto: “em relação aos clientes, a responsabilidade dos bancos será contratual; em relação a terceiros, a responsabilidade é extracontratual” (Op. Cit. P. 399).

Concluindo, a responsabilidade civil das instituições financeiras é objetiva, em razão de expressa imposição legal que estatui um dever de segurança – verdadeira cláusula de incolumidade. Essa garantia de segurança relaciona-se ao público em geral, e não só aos clientes da instituição. Os sujeitos elencados na Lei nº 7.102/83 não podem alegar caso fortuito ou força maior tanto em relação às fraudes quanto aos assaltos, furtos e outros delitos praticados por terceiros, que se relacionem com atividade por eles desenvolvida, por fazerem parte dos respectivos riscos. Como visto, apenas o fortuito externo desonera as instituições financeiras do dever de indenizar, já que afigurar-se-ia injusto que elas respondessem até mesmo por fenômenos absolutamente estranhos às suas atividades.   - Visite www.apdobanespa.com

APdoBanespa - 04/12/2014

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