Liberdade de expressão e dano moral - Publicado por Moyses Simão Sznifer
Tema que tem ensejado grande controvérsia no meio jurídico está relacionado à configuração do dano moral e do consequente direito a sua reparação, nos termos do art. 5º, incisos v e x da Constituição Federal.
No âmbito deste singelo artigo pretendemos demonstrar que, diante do ordenamento jurídico nacional: “dizer a verdade não pode gerar dano moral”.
Isto porque a Constituição Federal garantiu o direito a liberdade de expressão do indivíduo, o qual poderá manifestar livremente seu pensamento perante qualquer pessoa, mesmo que investida de autoridade e sob qualquer forma de difusão, verbal, escrita, por meio eletrônico, por intermédio de redes sociais, etc.
Com efeito, determina igualmente o mencionado art. 5º do texto constitucional que:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, liberdade, igualdade, segurança e a propriedade, nos termos seguintes:
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença
Por sua vez, seu art. 220 reconhece que:
Art. 220 A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
...
§ 2º - É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.
Em observância às garantias constitucionais acima referidas, não pode o indivíduo sofrer qualquer cerceamento ou sanção ao seu direito de expressar livremente seu pensamento, sobretudo quando estiver dizendo a verdade.
Destarte, não se pode em absoluto concordar com o entendimento adotado pela 14ª CÂMARA CÍVEL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RJ, que condenou uma Agente de Trânsito ao pagamento de reparação a título de dano moral a um Juiz de Direito, por haver dito apenas uma verdade inconteste, qual seja: “Juiz não é Deus”, APELAÇÃO CÍVEL -PROCESSO Nº 0176073-33.2011.8.19.0001).
Ao revés do que ficou decidido, somente poderia se configurar o dano moral se a Agente tivesse ofendido o Juiz, causando-lhe humilhação ou sofrimento considerável, violando seu direito de personalidade, atitudes inocorrentes no caso vertente.
Com a devida vênia, constituindo o Brasil um Estado Democrático de Direito, inexiste em seu ordenamento jurídico embasamento para que alguém possa sofrer alguma sanção, a título de reparação de dano moral, por haver dito apenas uma verdade, mesmo de modo irônico.
Sobre ser as considerações expostas, se persistir o entendimento esposado pela Câmara julgadora, teremos que reformular os ensinamentos ministrados às nossas crianças de que: “devemos sempre dizer a verdade” e “ quem diz a verdade não merece castigo”.
Moyses Simão Sznifer
Moyses Simão Sznifer
Advogado/Mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP; Especialista em Contratos e Obrigações pela ESA/SP; Ex Membro do Ministério Público da União;Membro da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB/SP.
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25 Comentários
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Jorge Luiz Amantea Sabella
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Claro!
A justiça brasileira está tão impregnada de pessoas doentes que somos obrigado a teclar sobre o óbvio, direitos já garantidos, sob os quais alguns, cada vez mais, tendem a relativizar.
3 dias atrás Responder Reportar
Hector Reis
1 voto
Justamente Jorge e ainda vou mais longe a fim de demonstrar a parcialidade dos julgadores, já que eu imagino não ter sido o erro causado por despreparo.
Doutrinariamente (recomendo o Direito Penal II de Damásio de Jesus na parte de crimes contra a honra), a honra é vista sob dois ângulos, a subjetiva (que é o que pensamos de nós mesmos) e a objetiva (que é o que realmente somos), sendo que, ambas podem, quando feridas, legitimar eventual reparação civil.
Na prática, a honra objetiva é aquela que nunca será afetada pela verdade. Esta modalidade aplica-se, ainda, nos crimes contra a honra de funcionário público, o que é notável em decorrência da possibilidade de exclusão de crime pela exceção da verdade. Isso quer dizer também que, se a agente de trânsito falhar ao conseguir provar que o magistrado não é deus legitimamente, ela também poderá ser penalmente responsabilizada por seus atos.
No caso da honra subjetiva, a verdade ainda poderá ser punida civilmente em alguns casos em que essa verdade não seja universal ou se refira a fatos aos quais não se deveria dar publicidade (a doutrina é mais complexa, portanto perdoem a superficialidade).
Por exemplo: uma verdade não seria universal no caso em que determinado indivíduo chama outro de assassino em razão de ter conhecimento de que este teria matado a esposa. Neste exemplo a verdade não seria universal porque o termo assassino porque o indivíduo pode não se declarar assassino por matar uma única pessoa (mesmo porque pode ter ocorrido por legitima defesa ou culposamente).
Este fato atingiria a honra subjetiva, assim como também ocorreria se o fato se consumasse há muitos anos e não fizesse mais parte da vida do indivíduo acusado.
A conclusão de tudo isto é que o judiciário pode ter entendido que o magistrado teve a sua honra subjetiva ofendida em decorrência de que ele realmente acredita que é Deus e, como essa palavra não tem um significado universal, qualquer opinião em contrário é controversa e difamatória.
Ou é isso, ou o judiciário agiu de forma parcial.   - Visite www.apdobanespa.com
APdoBanespa - 19/11/2014
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