Dano moral por espera em fila de banco - consumidor hipervulnerável
Comentários ao REsp nº 1.218.497/MT - STJ - 3ª Turma
A decisão que comentamos nesta oportunidade versa sobre danos morais decorrentes de ilícito comumente apreciado por nossos tribunais, a saber: o desrespeito ao tempo máximo de espera tolerável nas filas dos estabelecimentos bancários. No caso, a Egrégia Terceira Turma do STJ entendeu que configura dano moral indenizável a demora desarrazoada no atendimento, notadamente quando se trata de pessoa cuja saúde está debilitada – consumidor que, faticamente, encontra-se em situação de hipervulnerabilidade. Atendendo aos parâmetros que devem ser observados no momento da fixação da verba indenizatória, a Turma manteve o valor originalmente fixado pelas instâncias inferiores.
Eis a ementa do julgado:
DANO MORAL. ESPERA EM FILA DE BANCO.
O dano moral decorrente da demora no atendimento ao cliente não surge apenas da violação de legislação que estipula tempo máximo de espera, mas depende da verificação dos fatos que causaram sofrimento além do normal ao consumidor. Isso porque a legislação que determina o tempo máximo de espera tem cunho administrativo e trata da responsabilidade da instituição financeira perante a Administração Pública, a qual poderá aplicar sanções às instituições que descumprirem a norma. Assim, a extrapolação do tempo de espera deverá ser considerada como um dos elementos analisados no momento da verificação da ocorrência do dano moral. No caso, além da demora desarrazoada no atendimento, a cliente encontrava-se com a saúde debilitada e permaneceu o tempo todo em pé, caracterizando indiferença do banco quanto à situação. Para a Turma, o somatório dessas circunstâncias caracterizou o dano moral. Por fim, o colegiado entendeu razoável o valor da indenização em R$ 3 mil, ante o caráter pedagógico da condenação. Precedentes citados: AgRg no Ag 1.331.848-SP, DJe 13/9/2011; REsp 1.234.549-SP, DJe 10/2/2012, e REsp 598.183-DF, DJe 27/11/2006. REsp 1.218.497-MT, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 11/9/2012.
COMENTÁRIOS:
O tempo de espera de clientes em filas de bancos é um dos temas mais recorrentes no dia a dia das cortes brasileiras, o que levou o STF, no ano de 2010, através de seu Plenário Virtual, a reconhecer a repercussão geral da matéria, no RE nº 610221, em que a Caixa Econômica Federal contesta uma decisão proferida pelo TRF da 4ª Região, que considerou válida lei municipal que regula o tempo máximo que o cliente deve esperar para ser atendido.
Como bem pontuado pela Turma julgadora, a espera pelo atendimento, por si só, isto é, isoladamente, não pode ser considerada fato capaz de gerar, para a instituição financeira, responsabilidade além daquela de natureza administrativa, pois a espécie normativa que regula a matéria tem como destinatário a Administração Pública. A esse respeito, o Código de Defesa do Consumidor elenca, no seu Capítulo VII (art. 55 a 59 - Das Sanções Administrativas), as punições a serem impingidas aos fornecedores de produtos e serviços, no caso de descumprimento das normas protetivas do consumidor. Nesse sentido, o leitor deve observar que o CDC, no caput do art. 56, fala em normas de defesa do consumidor, e isso porque o microssistema de proteção desse sujeito da relação de consumo é constituído não só pelo código, mas também pela respectiva legislação extravagante, na qual estão incluídas as leis que regulam a matéria em comento. Percebam o dispositivo (os destaques são nossos):
Art. 56. As infrações das normas de defesa do consumidor ficam sujeitas, conforme o caso, às seguintes sanções administrativas, sem prejuízo das de natureza civil, penal e das definidas em normas específicas:
Conforme regra etiquetada no parágrafo único do dispositivo, cabe à Administração Pública, através da respectiva autoridade, a aplicação das sanções. Vejamos:
Parágrafo único. As sanções previstas neste artigo serão aplicadas pela autoridade administrativa, no âmbito de sua atribuição, podendo ser aplicadas cumulativamente, inclusive por medida cautelar, antecedente ou incidente de procedimento administrativo.
Sendo assim, ainda que haja ofensa aos direitos dos usuários de serviços bancários, isto é, havendo o descumprimento de um dever jurídico específico por parte de quem deve observá-lo (no caso, as instituições financeiras), em regra não se admite que os embaraços eventualmente criados pela não observância do tempo de espera legalmente estabelecido como razoável para que o cliente seja atendido seja considerado dano moral indenizável.
Então, o que pode ser considerado dano moral?
Para responder à indagação, reportamo-nos aos sempre didáticos ensinamentos de Sérgio Cavalieri Filho:
“(...) dano moral, à luz da Constituição vigente, nada mais é do que agressão à dignidade humana. Que consequências podem ser extraídas daí? A primeira diz respeito à própria configuração do dano moral. Se dano moral é agressão à dignidade humana, não basta para configurá-lo qualquer contrariedade.
Nessa linha de princípio, só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade de nosso diaadia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. Se assim não se entender, acabaremos por banalizar o dano moral, ensejando ações judiciais em busca de indenizações pelos mais triviais aborrecimentos.
Dor, vexame, sofrimento e humilhação são consequência, e não causa. Assim como a febre é o efeito de uma agressão orgânica, dor, vexame e sofrimento só poderão ser considerados dano moral quando tiverem por causa uma agressão à dignidade de alguém (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil, 8ª ed. Revista e atualizada. São Paulo: Atlas, 2009, pp.83-84).
No caso, das consequências destacadas pelo eminente civilista (dor, vexame, sofrimento ou humilhação), verificou-se que a autora da ação experimentou um sofrimento, ao ter que aguardar por tempo desarrazoado para que fosse atendida. Na decisão, o insigne relator asseverou que “o direito à indenização por dano moral, como ofensa a direito de personalidade em casos como o presente pode decorrer de situações fáticas em que se evidencie que o mau atendimento do banco criou sofrimento moral ao consumidor usuário dos serviços bancários” (destaque nosso).
Tendo o deficiente atendimento do banco causado uma lesão à incolumidade psíquica do consumidor, restou caracterizado o fato do serviço, consoante previsão do seu art. 14:
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
Como destacado no julgado, a turma considerou que a ofensa resultou de um somatório de causas, dentre as quais a saúde debilitada da autora, situação que caracterizou desleixo por parte do estabelecimento bancário.
A esse respeito, merecem especial realce, dentre os princípio que norteiam da Política Nacional das Relações de Consumo, o da vulnerabilidade do consumidor e o da dignidade humana, consoante expressa disposição do art. 4º, caput e inciso I do CDC. Ademais, o mesmo preceptivo estatui, na alínea d, do inciso II, que o Estado deverá cuidar para que os serviços postos à disposição do consumidor sejam adequados, sendo que, nesse ponto específico, não se pode perder de vista que as normas que regulam o atendimento bancário são nada menos do que um dos instrumentos estatais a garantir o cumprimento das normas de proteção do consumidor. Percebam os dispositivos:
Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios (destaque nosso):
I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo
II - ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor:
d) pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho.
Sem embargo, embora o consumidor seja o sujeito reconhecidamente vulnerável na relação de consumo, merece atenção um importante detalhe a esse respeito. É que, a depender da situação fática, o consumidor pode se inserir em um quadro de hipervulnerabilidade, sendo que entendemos ser esse o caso em comento. São pessoas que, em razão de sua especial condição (permanente ou transitória), como idosos, crianças, portadores de necessidades especiais, analfabetos e semi-analfabetos, pessoas sensíveis ao consumo de certos produtos, ou pessoas com a saúde debilitada (como no caso em estudo), ficam ainda mais expostos às práticas comerciais, à periculosidade e nocividade de certos produtos e à prestação de alguns serviços. Nesses casos, avulta o dever de cuidado por parte dos fornecedores, pelo que o banco jamais poderia ignorar a especial condição da autora. A propósito, segundo relatado, foi asseverado pelo juízo monocrático:
“No caso, além do tempo de espera, a autora argumenta que esta se deu em condições desumanas, em pé, sem sequer haver um sanitário disponível para os clientes. Tal alegação constitui fato notório, pois é inegável que a cogitada agência não dispõe de sanitários e que não há lugares para todos os clientes aguardarem a longa espera sentados.”
Sobrevindo apelação, o juízo de segundo grau consignou no acórdão:
“É preciso ressaltar que o documento juntado a fl. 31, prova justamente o contrário. Nele constata-se que a apelada ficou na fila de espera do banco, no dia 04.07.2008, muito além do tempo estipulado (15 minutos).
(...)
Percutindo o fundo da perlenga, verifica-se que não se trata de mero aborrecimento, pois a apelada ficou muito tempo além do previsto na legislação (fl. 31) e se encontrava com a saúde debilitada (fls. 32/;35), caracterizando total desleixo no atendimento por parte do apelante.”
Com vistas nessas considerações, embora esse aspecto não tenha sido expressamente ventilado nas decisões proferidas no processo, não há dúvidas de que a autora amolda-se ao conceito de consumidor hipervulnerável, em razão do especial estado de saúde em que se encontrava quando da ocorrência do fato.
Por fim, em relação à verba condenatória, houve a manutenção do respectivo quantum, porquanto o órgão julgador verificou terem sido corretamente observados os parâmetros para sua fixação, consoante a regra do art. 944 do Código Civil. A esse respeito, não se pode afastar da ideia de que, nas ações em que se busca a reparação de danos morais, a condenação possui duplo aspecto: (i) reparatório para a vítima e (ii) pedagógico para o ofensor. Significa que a indenização há de ser fixada em patamar suficiente a compensar o ofendido pelo prejuízo, bem como servir de desestímulo ao causador do dano, evitando que volte a agir canhestramente.
Vitor Guglinski   - Visite www.apdobanespa.com
APdoBanespa - 19/11/2014
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