Vamos imaginar a seguinte situação:
Você e seus amigos estão curtindo a noite em uma das mais badaladas casas noturnas da sua cidade. A festa está ótima, você conseguiu fazer inúmeros contatos e relacionar-se com pessoas novas, inclusive marcou uma ponte para o dia seguinte com alguém que conhecera na festa. Consumiu pouco, pois seu orçamento está curto este mês. Mas, como “tudo o que é bom dura pouco”, já está na hora de ir embora. Despediu-se de todos os seus amigos, sentindo-se que cumpriu a meta da noite. Entretanto, aconteceu o inesperado! Você não está achando sua comanda. Imediatamente, procura em todos os últimos lugares que esteve na esperança de achar a bendita conta de consumo. Perguntou para todos os seus amigos se não ficaram com ela por engano. Nada encontrado. Você dirige-se ao caixa e informa ao funcionário de que perdeu sua comanda, elencando o pouco que consumira.
Não obstante, o mesmo informa que em caso de perda da comanda é cobrada uma taxa de R$ 250,00 (duzentos e cinquenta reais). Você logo exclama: - “Isso é um absurdo. Não consumi tudo isso. Como vou pagar por algo que não solicitei?”. Ao olhar na sua volta, nota que alguns seguranças do estabelecimento noturno estão ao seu lado. O funcionário responsável pelo caixa informa: - “Se você não pagar a taxa de perda, não irá sair deste lugar!”. Você informa que não irá pagar, pois não consumiu tudo o que estão pedindo. Contudo, para evitar congestionamento na fila e eventual empurra-empurra, você é “convidado (a)” a dirigir-se a uma sala em particular até que o problema seja resolvido, e de lá você não poderá sair até que pague sua conta. Calma! Temos a solução para você não ficar segregado (a) na casa noturna e pagar exatamente o que consumiu.
Após uma breve narrativa dos fatos, passaremos a todos os elementos jurídicos presente no caso abstrato, discorridos em forma linear.
Solução 1) Pague o que estão pedindo:
Em nenhuma hipótese será presumido que você aceita ser legal e devida à dívida. Até por que se assim fosse, estar-se-ia incorrendo em coação (arts. 151 e 171, II ambos do Código Civil), gerando anulabilidade do negócio jurídico.
Art. 151. A coação, para viciar a declaração da vontade, há de ser tal que incuta ao paciente fundado temor de dano iminente e considerável à sua pessoa, à sua família, ou aos seus bens.
Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico: I – [...] II - por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores.
O art. 42, parágrafo único, do CDC estabelece que o consumidor cobrado de quantia indevida, terá direito ao dobro do cobrado em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais. Assim, ao pagar a taxa de perda debatida, deverá o cliente buscar a devolução, nos moldes citados, em juízo.
Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça. Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.
Não há nenhuma lei que tenha criado a aludida taxa de perda, seja para bares, seja para restaurantes. Tal exigência deu-se em virtude de uma convenção unilateral dos referidos estabelecimentos intuindo evitar que clientes inadimplentes, de alguma forma, impactassem o potencial de lucratividade de seus empreendimentos.
Por ser uma atitude potestativa, na medida em que se exige vantagem manifestamente excessiva (art. 39, V do CDC), os estabelecimentos também incorrem no art. 927 conjugado com os arts. 186 e 187 todos do Código Civil. Em função disso, cometem ato ilícito por abuso de direito, que em tese, enseja ao cliente obter em juízo uma compensação pelos danos morais sofridos.
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: [...] V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
A lei protetiva do consumidor preconiza que o fornecedor é o garantidor do vínculo jurídico, devendo primar pela segurança física e psíquica dos seus clientes, imiscuindo-se de praticarem métodos comerciais coercitivos e desleais (art. 6º, IV do referido diploma legal), sob pena de sanções civis e penais.
Art. 6º São direitos básicos do consumidor: [...] IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;
Além de debater seu infortúnio na seara civil, você poderá, também, ingressar na esfera penal, pelos argumentos esposados abaixo.
Solução 2) Chame a polícia:
Primeiramente, não importa se cliente é cobrado por quantia devida ou indevida, o simples fato de o estabelecimento perpetrar: ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas incorretas ou enganosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, a ridículo (art. 71 do CDC); configura-se crime e incorre (m) o (s) dono (s) do empreendimento e seus prepostos na medida de sua culpabilidade (Art. 75, CDC) a pena de detenção de três meses a um ano e multa.
Art. 71. Utilizar, na cobrança de dívidas, de ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas incorretas ou enganosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, a ridículo ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer:
Pena Detenção de três meses a um ano e multa.
No que concerne ao Código Penal, em um cenário onde os seguranças impeçam sua passagem ou saída do local até que pague a taxa de perda, seja pela sua força, seja pelo seu efetivo numérico, causando temor iminente pela grave ameaça de não obedecê-los, ou sofrendo truculência (empurrões, imobilização), intimidação psicológica; ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a fazer o que a lei não manda, incorrem os seguranças em constrangimento ilegal (Art. 146 do CP), com pena de detenção, de três meses a um ano, ou multa.
Art. 146 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.
Insta consignar que, comumente os clientes são levados a uma sala particular, conforme narrado no introito deste artigo, e de lá não podem sair até pagar sua questionada dívida, neste caso, também incorrem em tese, o (s) dono (s) e os seguranças no delito de cárcere privado (Art. 148 do CP), e não quando são impedidos de sair da casa noturna quando está se debatendo a legalidade da conta (vide parágrafo supracitado).
Art. 148 - Privar alguém de sua liberdade, mediante seqüestro ou cárcere privado:
Pena - reclusão, de um a três anos.
Em juízo, são destacados alguns requisitos para separar os delitos de cárcere privado e do constrangimento ilegal para um não absorver o outro. Para tanto, são analisados diversos pontos do caso concreto para estabelecer as peculiaridades e a consumação de cada um.
Mas no caso abstrato narrado, levando em conta todos os delitos exemplificados, cada agente será punido na medida do grau da sua participação (Art. 29, CP) em concurso material, se conjugados todos os delitos citados (Art. 69, CP); ou formal de crimes (Art. 70, CP).
Ao chamar a polícia, você já deve ter uma ideia do que alegar no boletim de ocorrências, lembrando que os crimes citados são de ordem pública incondicionada, isso quer dizer que o Ministério Público é quem irá impulsionar o processo penal, oferecendo eventual denúncia após a conclusão do inquérito policial, obedecidas as formalidade legais. Você imediatamente será retirado (a) do local com sua incolumidade física assegurada, podendo, a critério da autoridade policial, solicitar que você preste depoimento na delegacia.
Obviamente, outros delitos poderão nascer, ou ser suprimidos, durante a discussão, ficando ao alvitre do Ministério Público separar cada crime e seus respectivos agentes. A base de acusação será aquela acometida na ordem dos fatos e não em uma projeção hipotética de direitos subjetivos.
Embora não seja nossa intenção cansar nossos leitores com digressões de cada instituto, intentamos apenas instigar a pesquisa jurídica sobre cada assunto sublinhado.
Olhar do estabelecimento
Frequentemente, as casas noturnas recebem um número considerável de clientes de diversos segmentos. Por conta disso, estão sujeitos a eventuais calotes por pessoas mal-intencionadas, que dissimulam seus reais interesses ao extraviar, propositadamente, suas comandas.
Embora, saibam, ou deveriam saber (pois ninguém pode alegar o desconhecimento da lei para se livrar dela) que a prática de cobrar taxa de perda, algumas vezes mediante condutas supramencionadas, possam gerar responsabilidade civil e persecução penal; os estabelecimentos aceitam tais resultados, pois acreditam que cobrar a hostilizada taxa irá minimizar, de alguma forma, as perdas de lucratividade da sua atividade ocasionadas pela fraude ocasionada por alguns clientes.
A doutrina e a jurisprudência entendem que compete ao estabelecimento o controle de consumo por parte dos seus clientes, e não ao contrário, sob o prisma do princípio do risco do empreendimento.
O direito, conforme exposto, é pela ilegalidade da taxa de perda; e eventuais comportamentos que visem torná-la exigível, figuram-se vexatórios. A justiça consagrada pelo equilíbrio das partes quanto aos seus interesses, está aquilatada para proteger o consumidor como parte hipossuficiente. Em relação à casa noturna, na medida em que esta tem o dever de garantir a incolumidade física e psíquica dos seus clientes, em nenhuma circunstância poderá subjugá-los.
Adriano Quadros | Advogado OAB/RS 94.082
Sócio escritório Quadros & Costa Advogados   - Visite www.apdobanespa.com
APdoBanespa - 18/09/2014
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