Burocracia leva Santander a escapar de dívida de R$ 580 milhões – 26/3/14
Graças à lentidão e às inúmeras brechas da burocracia estatal, o Santander conseguiu escapar
em janeiro deste ano de pagar uma dívida que já somava R$ 580 milhões com o governo. O valor,
que iria para os cofres públicos, refere-se a conta cobrada desde 2001 pelo Banco Central por
irregularidades cometidas pelo Bozano, Simonsen, adquirido pelo Santander. O caso foi enterrado
após a dívida ser considerada prescrita pelo BC. A decisão foi oficializada ontem.
O Santander recorreu da decisão ainda em 2003. Mais de uma década depois, no entanto, o
processo tramitara por diversas instâncias sem nem sequer ser julgado.
O caso é envolto por controvérsias jurídicas e acusações entre o BC e o Ministério da Fazenda, que
empurram um para o outro a responsabilidade pela forma como o processo acabou.
Os dois órgãos nunca questionaram, contudo, que as irregularidades existiram, segundo documentos
aos quais a Folha teve acesso.
O BC verificou que Bozano deixou de recolher parte do dinheiro que todos os bancos devem
depositar compulsoriamente no BC.
De 1997 a 1999, não recolheu valores que variaram semanalmente de R$ 2,8 milhões a R$ 333
milhões. Por isso, além de recompor o chamado compulsório, deveria compensar o governo,
pagando R$ 73 milhões em 2001.
O Santander, que passara a responder pelo Bozano em 2000, não concordou com a decisão. O caso
foi remetido ao CMN (Conselho Monetário Nacional), que reúne ministros da Fazenda e do
Planejamento e o presidente do BC.
Lá, aguardou julgamento durante seis anos. Em outubro de 2009, quando a dívida do Santander
já chegava a quase R$ 400 milhões (há incidência de juros sobre o valor cobrado), a apreciação do
caso foi adiada a pedido do Ministério da Fazenda.
Não voltou à pauta até ser enviado quase um ano depois ao Conselhinho (Conselho de Recursos do
Sistema Financeiro Nacional), diante de um decreto que dava ao órgão poder para julgar o caso.
Tal prerrogativa, no entanto, também nunca foi usada.
Isso porque, em 2012, o BC avaliou que o caso estava prescrito. A análise da Procuradoria-Geral do
BC foi feita após o Bozano pedir para renegociar seu débito pelo Refis, programa de parcelamento
de dívidas do governo.
A decisão foi contestada pelos procuradores do Ministério da Fazenda, que discordam da prescrição.
Mas criou um problema para o Conselhinho. Ele passou a ter de julgar o recurso de uma dívida que
a própria instituição credora dizia não valer mais.
O Santander aproveitou a brecha e pediu a desistência do recurso, o mesmo que evitou durante
quase dez anos qualquer pagamento.
O governo só não ficou sem recolher nada, porque, mesmo com a prescrição da dívida, o Bozano
pagou R$ 20,7 milhões -que entendia devido. O BC diz não saber por que o banco desembolsou o
dinheiro, mas que não poderia deixar de recebê-lo.
Outro lado - O procurador-geral do Banco Central, Isaac Sidney Ferreira, afirma que o BC "tão
somente reconheceu a prescrição já consumada havia dois anos" no caso Bozano. Segundo ele, a
prescrição da dívida já havia ocorrido "inequivocamente" no Ministério da Fazenda "de acordo com
a jurisprudência do STJ, recentemente confirmada pelo CRSFN [Conselhinho]".
Ele afirma que o BC "impôs a reparação, manteve a decisão e submeteu o recurso ao CMN, que não
julgou o caso à época por pedido de adiamento do órgão jurídico do Ministério da Fazenda, três
meses antes da prescrição".
Diz ainda que a prescrição é "matéria de ordem pública que deve ser declarada pelo Estado, mesmo
sem requerimento do interessado".
Já a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) afirma que "desde o início do ano de 2009" já
se discutia se o CMN teria competência para julgar recursos contra decisões do BC, o que gerou
"grave insegurança jurídica". Por isso, recomendou o adiamento do voto.
Segundo o órgão, a recomendação foi acolhida pela Comissão Técnica da Moeda e do Crédito, que
determina o que será apreciado no CMN.
O Santander não quis comentar. O Grupo Bozano não respondeu aos pedidos de esclarecimentos
da reportagem.//Folha de S.Paulo   - Visite www.apdobanespa.com
APdoBanespa - 28/03/2014
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