A poltrona preta no fim do corredor está vazia. Há uma calmaria incomum pela casa e uma inquietação profunda dentro do peito. Não há copos de leite tampados sobre a mesa da copa. Nem de café. Nenhuma cinza de cigarro suja o chão. Ninguém está ali para reclamar de bobagens. Nem pra debater com o fervor que uma boa discussão merece. O frio, agora, vai parecer menos intenso para tantos cobertores dobrados no armário. O sol do quintal não será refúgio. A batida forte no portão não provocará qualquer corrida à janela. Da rua, o olhar direcionado à sacada da casa agora é triste. Ninguém mais acena de lá com as mãos. E as primeiras notícias da manhã, descritas nos jornais recém-jogados pelo entregador, já não virão do mesmo portador.
Assim vão passando os dias... Apesar de parecem lentos, suas horas seguem impiedosas e mostram que já faz um mês. Vão passar dois, três e sabe-se lá quantos meses mais. O tempo não para nem espera as dores cessarem. Em alguns momentos, ele não é gentil o bastante para aguardar a tristeza transformar-se em saudade, como dizem por aí. Tampouco paciente. O tempo é como as pessoas, sempre correndo. Com ele, na mesma batida, seguem, então, novos e velhos hábitos. Reinvenções. E se adapte quem quiser, quem puder. Ou quem for forte. A morte, senhora dos destinos, é certeira e certeza. Leva quem tem que levar. Dia desses foi meu velho pai. Amanhã, quem vai saber... A quem fica, além da ruptura dolorosa, ela oferece a chance de pensar e repensar sobre a vida. A danada te dá um soco na cara, te derruba no chão, te reduz de forma devastadora. Depois, delicadamente, pergunta se você está bem, se está amando o suficiente e como pretende seguir. Antes de sumir, lembra que irá voltar sem data marcada. E sempre deixa o alerta de que tudo passa rapidamente. E ainda ali, sob o impacto da saudade, olhamos para a frente. Refletimos. Sobre a fé que em algum momento faltou e precisa ser renovada. Sobre as palavras boas que gostaria de dizer a alguém, mas não falou. Sobre o abraço que desejou dar e ainda está ao seu alcance. Sobre passar mais tempo com quem você ama e ver que não há programação melhor. Sobre trabalhar com mais leveza, pois não vai mudar o mundo. As reflexões não param. Pensamos. Sobre deixar as coisas pequenas pra lá, porque perdem muito os que a elas se apegam. Sobre como colocar a raiva pra fora sem ferir ninguém. Sobre pedir desculpas e como o ato de perdoar alivia os tormentos da alma. Sobre os amigos que escolhemos e a lealdade que esperamos dessas pessoas consideradas especiais. Sobre isso, sobre aquilo... Refletimos sobre nós mesmos. E sobre o fato de não sermos imortais. Eu, por exemplo, nunca quis acreditar que meu pai fosse partir. Também não imaginava o quanto sua presença implicava segurança, ainda que diante de tantas fragilidades. Ele me imprimia coragem. Dificuldades trouxeram crescimento. Sento-me agora na poltrona preta que está vaga. Uma tentativa de preencher o vazio no meu coração. Pela frente, o corredor por onde devo seguir. Um breve sorriso, lembranças e o desejo simples de que as pessoas vivam bem cada minuto." Renata Nunes - O artigo original saiu no portal "O Tempo"   - Visite www.apdobanespa.com
Nº 122153 - enviada por Pedro Kowal - Santo André-SP/ em 19/12/2015 | | |