Publicado por Avante Brasil
A parábola “A tábua e os pregos” nos ensina o seguinte: havia um rapaz muito explosivo e imprudente. Num determinado dia ele recebeu um saco cheio de pregos e uma placa de madeira. O pai disse a ele que colocasse um prego na tábua todas as vezes que perdesse a paciência com alguém ou praticasse uma imprudência. No primeiro dia a tábua já recebeu 10 pregos. Nos dias seguintes os números foram diminuindo gradativamente (o garoto foi se controlando). Ele descobriu que dava menos trabalho controlar sua raiva e sua prudência do que colocar mais pregos na placa. Finalmente chegou o dia em que o garoto não perdeu a paciência nem foi imprudente. Ele falou com seu pai sobre seu sucesso e sobre como estava se sentindo melhor como ser humano. O pai mandou retirar da tábua todos os pregos e disse: – “Você está de parabéns, meu filho, mas dê uma olhada nos buracos que os pregos deixaram na tábua; essa marca nunca mais desaparecerá”.
De acordo com os dados e projeções do Instituto Avante Brasil (IAB), na Copa do Mundo de 2014 (entre junho e julho) cerca de 6 mil pessoas perderão a vida no caótico trânsito brasileiro. A quase totalidade dessas mortes decorrerá de imprudência dos motoristas (que deixarão suas marcas registradas para sempre). A estimativa é fruto dos cálculos utilizados no delitômetro, criado pelo Instituto com base nas taxas divulgadas pelo Ministério da Saúde. Conforme o Datasus, no ano de 2012 (o último com dados oficiais disponíveis) foram registradas 44.812 mortes, uma taxa bem próxima da prevista no ano anterior pelo IAB, que foi de 44.891, excluindo-se mortes por meio aquático e ferroviário. Entre os anos de 2011 e 2012 houve um crescimento de 3,6% no número de mortes.
Levando-se em conta a média de crescimento desses óbitos entre 2002 e 2012, chega-se ao resultado de 3,63% (a Europa, no mesmo período, os reduziu em 5% por ano). Para 2014 a previsão é de que ocorram 48.122 mortes, 4.010 por mês, 133 mortes por dia, 5,54 mortes por hora (uma a cada 10 minutos). Considerando a grande mobilidade provocada pela Copa, os números aumentam. Em Copas anteriores, Alemanha (2006) e África do Sul (2010), houve um aumento no tráfego de veículos de, aproximadamente, 30%. Levando em consideração o número de acidentes e mortes na mesma proporção do aumento do tráfego, a estimativa seria de 5.213 mortes no período dos 30 dias de Copa, ou seja, 174 mortes por dia (133 mais 30% ou 4.010 mais 30%). Se a mobilidade da Copa do Mundo se equiparar ao Carnaval, podemos chegar a um aumento de 40%. A previsão seria então de 5.614 mortes, ou 187 por dia.
Segundo dados do Instituto Road Safety, da África do Sul, as obras de melhorias viárias executadas especificamente para a Copa do Mundo de 2010 causaram um aumento de 20% nos acidentes de trânsito, durante o período que estavam sendo realizadas. Incluindo-se esse número, gerado também pelos grandes atrasos nas obras de infraestrutura assim como pelo imenso “canteiro de obras”, podemos chegar na aterrorizante cifra de mais ou menos 6 mil mortes no período e/ou em decorrência da Copa. Claro que essa projeção não passa de uma projeção. Porém, factível, porque nós, brasileiros, fazemos muito pouco em termos de prevenção (e de cuidado). Só falamos em repressão (sobretudo os governantes e os órgãos midiáticos), mas ocorre que a repressão vem depois das mortes (quando vem). Estamos habituados a uma política pública de gerenciamento de mortes, não de preservação de vidas. Mais de 5 mil motoristas colocarão seus pregos na tábua, nos próximos dias, deixando marcas indeléveis e eternas nas almas dos que vão chorar as mortes dos seus entes queridos.
*Colaborou Flávia Mestriner Botelho, socióloga e pesquisadora do Instituto Avante Brasil   - Visite www.apdobanespa.com
Nº 117622 - enviada por Álvaro Pozzetti de Oliveira - Bauru/ em 05/06/2014 | | |