Agilidade na Justiça


Novas leis começam a aplicar princípios da reforma do Judiciário; STF precisa se ater apenas ao que é relevante


APÓS MAIS de uma década de maturação na sociedade, em dezembro de 2004 o Congresso promulgou a reforma do Judiciário. A 45ª emenda à Carta foi uma resposta genérica aos anseios por mais agilidade e racionalidade na Justiça. A fim de que as suas diretrizes desçam ao plano concreto, a consecução de uma vasta agenda de ações infraconstitucionais se faz necessária.

Caminha nesse sentido a aprovação definitiva de três projetos de lei na semana passada. Seguem para sanção presidencial a lei que regula a súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal, a que dispõe sobre a informatização dos procedimentos judiciais e a que facilita a execução de bens para cobrança de dívidas.

Este último diploma é o sexto a ser aprovado numa série de modificações de normas civis, no escopo da chamada "reforma microeconômica" -ações para baixar os exorbitantes custos judiciais dos negócios. Nesse veio, o Senado se propõe a votar nos próximos dias projeto permitindo que divórcios, partilhas e inventários sobre os quais todas as partes estejam de acordo possam ser consumados com um simples registro em cartório, dispensando o moroso trâmite judicial.

Já no campo do macrofuncionamento da atividade judiciária no Brasil, o texto de maior impacto potencial aprovado na semana passada é o que regulamenta a súmula vinculante. Com anuência mínima de oito ministros dos 11 que a integram, a corte constitucional poderá editar uma norma (a súmula) que obriga a administração pública e as instâncias inferiores da Justiça a seguir a interpretação do STF em matérias determinadas.

O Supremo poderá valer-se da súmula vinculante nos casos em que já tenha julgado várias ações de gênero idêntico sempre com sentenças no mesmo sentido -e sempre que o assunto acarretar "grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos". O tribunal recebe 100 mil recursos por ano, e a vinculação de súmulas é um meio racional de reduzir esse fluxo, freando nas instâncias inferiores e no poder público (envolvido em 80% dos processos que chegam ao STF) as ações para as quais haja jurisprudência.

Como disse o ministro Gilmar Mendes, o Supremo terá de passar por um processo de aprendizagem para lidar bem com o dispositivo inovador. Porém a transição da corte máxima rumo ao modelo de tribunal criador de interpretações abstratas com valor geral não depende apenas de aprendizado institucional. Requer aprovação, no Senado, de regras razoáveis autorizando o tribunal a descartar a apreciação de litígios cuja resolução interesse apenas às partes em conflito.

Não faz sentido manter a corte constitucional ocupada com casos de brigas de vizinhos e atropelamentos de cachorros -para citar apenas os mais exóticos-, quando uma única definição do Supremo pode liquidar milhares de processos de uma vez.

A OAB argumenta que dar poder de recusa de ações ao STF equivale a afastar a população do Judiciário. O que repele o acesso à Justiça, no entanto, é a perspetiva de que uma demanda simples leve uma década para ser solucionada. Se a súmula vinculante e a limitação de recursos ao Supremo forem bem aplicadas, o sistema ganhará em racionalidade, agilidade e credibilidade -e mais brasileiros serão estimulados a recorrer à Justiça.

Fonte: Editorial da folha de S. Paulo de 04/12/2006


988 - 04/12/2006
Marcos Vilela

Outras notícias