1ª VARA DO TRABALHO DE MARÍLIA
SENTENÇA
Processo: 473-2006-033-15-00-0
Reclamante: ANTÔNIO PEREIRA
Reclamada: BANCO DO ESTADO DE SÃO PAULO S.A.
RELATÓRIO
ANTÔNIO PEREIRA ajuizou reclamação trabalhista em face
de BANCO DO ESTADO DE SÃO PAULO S.A., alegando ter com este mantido relação de
emprego, estando atualmente aposentado. Afirmou receber complementação de
aposentadoria instituída pelo reclamado, enquadrando-se dentre os empregados
admitidos até 22/05/1975.
Alegou que o reclamado não vem reajustando os valores da
complementação de aposentadoria da forma como deveria, o que determinou sensível
perda do poder aquisitivo da verba que recebe, pelo que pleiteou o pagamento das
diferenças descritas na inicial. Atribuiu à causa o valor de R$ 14.100,00.
Frustrada a primeira tentativa conciliatória.
Em contestação, o reclamado suscitou litispendência, carência
de ação e prescrição. Quanto ao mérito, e alegou que não é devido qualquer
reajuste das complementações de aposentadoria, eis que todos eventualmente
devidos já foram concedidos espontaneamente, segundo a paridade instituída pelo
regulamento de empresa entre os empregados ativos e inativos. Contestou o pedido
e pugnou pela improcedência, alegando que o reclamante é litigante de má-fé.
Foram produzidas provas documentais e orais.
Encerrou-se a instrução processual.
Tentativa conciliatória final infrutífera.
Razões finais remissivas. É o relatório.
Posto isto, DECIDO.
FUNDAMENTAÇÃO
Segredo de Justiça
Nada há nos autos que justifique a pretensão do reclamante de
ver o processo tramitando sob segredo de justiça, tanto que a inicial não
apresentou qualquer justificativa para tanto.
Rejeito o requerimento.
Litispendência e Suspensão do Processo
A configuração da litispendência depende da existência da
tríplice identidade: partes, causa de pedir e pedido.
A defesa não indicou nenhuma ação em que haja a tríplice
identidade em relação à presente, cabendo registrar que a ação civil pública que
trata das mesmas questões suscitadas na inicial não induz litispendência em
relação ao presente feito, nos termos do artigo 104 da Lei 8.078/90.
Nessas circunstâncias, não há que se falar em litispendência
ou mesmo suspensão do presente feito para aguardo de outras decisões, que não
guardam relação de prejudicialidade com as matérias debatidas neste processo,
cabendo esclarecer que somente as questões prejudiciais estão abrangidas pela
disposição do artigo 265, IV, a, do CPC.
Rejeito as preliminares.
Carência de Ação
As condições da ação são três: a legitimidade de partes, a
possibilidade jurídica do pedido e o interesse processual.
De acordo com a teoria abstrata, acolhida pelo CPC, a ação é
direito público subjetivo, de caráter autônomo e abstrato. Dessa forma, as
condições da ação devem ser analisadas em tese.
O reclamante é parte ativa legítima, visto que se declara
titular dos direitos pleiteados. O reclamado é parte passiva legítima, pois o
reclamante lhe atribui a qualidade de sujeito passivo dos direitos materiais
postulados e pretende a condenação do reclamado à satisfação desses direitos.
O sujeito passivo da obrigação de pagamento de verba
decorrente de contrato de emprego é o empregador, e é deste que o empregado deve
reclamar, sendo irrelevante para a ação trabalhista quem seja o órgão ou
instituto que o empregador elegeu para custear as aposentadorias e pensões
instituídas por regulamento de empresa, nas condições descritas.
Se o reclamante faz jus ou não aos direitos postulados e se o
reclamado é ou não devedor desses direitos, a questão é afeta ao mérito e não à
preliminar em análise.
Presente, portanto, a legitimidade de partes.
Quanto à possibilidade jurídica do pedido, é certo que o
ordenamento jurídico não veda a pretensão manifestada pela inicial.
Juridicamente possível, portanto, o pedido formulado.
Por fim, há interesse processual, eis que, por óbvio, o
reclamado não cumpriu voluntariamente as obrigações objeto do pedido, sendo
indispensável a atuação jurisdicional para a obtenção da pretensão.
Presentes as condições da ação, rejeito a argüição de
carência de ação.
Prescrição
Conforme reiteradamente descrito, o pleito é de diferenças de
complementação de aposentadoria, o que atrai o entendimento consubstanciado na
Súmula 327 do C. TST, ao qual se filia o Juízo:
“COMPLEMENTAÇÃO DOS PROVENTOS DE APOSENTADORIA. DIFERENÇA.
PRESCRIÇÃO PARCIAL - Nova redação - Res. 121/2003, DJ 21.11.2003 - Tratando-se
de pedido de diferença de complementação de aposentadoria oriunda de norma
regulamentar, a prescrição aplicável é a parcial, não atingindo o direito de
ação, mas, tão-somente, as parcelas anteriores ao qüinqüênio.”
Não há que se falar, portanto, em prescrição total, ficando
rejeitada a prejudicial neste particular.
Quanto à prescrição parcial, porém, tendo em vista a
respectiva invocação por parte do reclamado, impõe-se o acolhimento da
prejudicial.
Com fundamento no inciso XXIX do artigo 7º da Constituição
Federal, declaro prescritos eventuais direitos pleiteados neste processo cuja
exigibilidade tenha ocorrido em momento anterior ao dia 05/04/2001, notadamente
o reajuste pelo índice IGP-DI, da Fundação Getúlio Vargas, que de acordo com a
inicial deveria ter sido aplicado em 01/01/2001.
Neste particular, registro que, não tendo o reajuste sido
concedido espontaneamente, são devidas diferenças apenas a partir do próximo
reajuste que deveria ter sido concedido dentro do período imprescrito.
Em relação aos pedidos alcançados pela prescrição, declaro o
processo extinto, com resolução do mérito, nos termos do inciso IV do artigo
269, do CPC.
Diferenças de Complementação de Aposentadoria
O reclamante pretendeu o pagamento de diferenças de
complementação de aposentadoria, em parcelas vencidas e vincendas, em razão da
não concessão de reajustes dessa verba pelo índice IGP-DI, da Fundação Getúlio
Vargas. Afirmou que no processo de privatização do reclamado foram recebidos
títulos da dívida pública que obedecem àquele índice para custeio das
complementações, e que outros empregados admitidos até 22/05/1975 estão
recebendo as complementações reajustadas com citado índice, o que afronta o
princípio da isonomia. Outrossim, os empregados ativos vêm recebendo inúmeros
outros benefícios indiretos, que não atingem a base de cálculo da
complementação, o que evidencia expediente para prejudicar os aposentados.
Defendendo-se, o reclamado afirmou que o reclamante não se
enquadra nem entre os primitivos empregados atrelados ao fundo Banesprev
(admitidos após 22/05/1975), nem ao grupo de empregados admitidos até 22/05/1975
que migrou para o referido fundo, sendo que somente aos empregados vinculados ao
Banesprev é devido reajuste pelo índice IGP-DI. O reclamante está enquadrado
entre os empregados admitidos até 22/05/1975 que não optaram pela migração para
o Banesprev, de modo que o custeio da complementação parte do próprio reclamado,
devendo a verba ser reajustada apenas quando forem concedidos reajustes ao
pessoal da ativa, conforme regulamento interno. Nas hipóteses em que foi
concedido reajuste ao pessoal da ativa, tais abrangeram também o reclamante, de
modo que nenhuma diferença é devida.
Restaram incontroversos os seguintes fatos:
a) de janeiro a abril/2001 o reclamado propiciou oportunidade
aos aposentados admitidos até 22/05/1975 para migrarem para o Banesprev, com a
renúncia ao direito à paridade de reajustes com empregados da ativa, tendo o
reclamante optado por permanecer no regime originário;
b) os empregados da ativa vêm recebendo benefícios,
decorrentes de normas coletivas, que não acarretam reajustes nas complementações
do reclamante, tais como garantia de emprego, abonos salariais, participações
nos lucros, reajustes de salário de admissão, de gratificações de funções e de
várias verbas indenizatórias, entre outros;
c) a complementação dos aposentados admitidos até 22/05/1975
que migraram para o Banesprev tem sido reajustada de acordo com o índice IGP-DI,
da mesma forma que são atualizados os títulos federais criados também para o fim
de garanti-los; e
d) a complementação de aposentadoria do reclamante não tem
sido reajustada regularmente por nenhum índice, exceto por aqueles concedidos
aos empregados da ativa em 01/09/2000 e 01/09/2003, não tendo o autor, também,
se beneficiado de qualquer dos benefícios mencionados no item “b”.
O artigo 107 do Regulamento de Pessoal de 1965, ao qual o
reclamante está vinculado, dispõe sobre os reajustes da complementação de
aposentadoria dos empregados:
“O abono mensal será reajustado no caso de majoração dos
vencimentos dos ativos, quer por medida geral, quer por reajustamento de padrões
de vencimentos do cargo a que o funcionário pertencia na data da aposentadoria”.
A disposição transcrita também faz parte dos Regulamentos de
Pessoal de 1975 e 1984, nos artigos 88 de cada um deles.
Conquanto não tenham sido deferidos reajustes no período
pretendido na inicial, exceto aqueles já mencionados – o que afastaria a
pretensão obreira, sob o argumento da paridade –, é certo que a não concessão de
reajustes foi trocada por outros benefícios, não extensivos aos aposentados,
conforme já exposto.
Tal expediente, que vem sendo reiterado nas normas coletivas
assinadas pelo reclamado, tem o claro objetivo de impor reduções salariais e de
forçar os aposentados que não migraram oportunamente para o Banesprev a adotar
“caminhos alternativos” para não ver seus ganhos mitigarem pela ação econômica
sobre o tempo.
A análise de alguns elementos fáticos torna certo que a
pretensão do reclamado, na ocasião da proposta de migração para o Banesprev em
2001, era que todos os aposentados na situação do reclamante aderissem à
proposta, com a perda da paridade remuneratória com os empregados ativos.
A negociação que resultou nas cláusulas 43ª e 44ª do acordo
coletivo vigente no período 2004/2006 torna inconteste a pretensão do réu de se
ver livre das complementações de aposentadoria cujos reajustes estão ligados à
paridade com os empregados ativos:
“43ª. Opção pela extinção do direito à complementação de
benefícios previdenciários fundados no antigo regulamento de pessoal. O
aposentado ou pensionista com direito ao abono de aposentadoria ou pensão de que
trata o Regulamento de Pessoal que estava vigente em 20.11.2000 poderá optar
pela extinção daquele direito, mediante recebimento de uma Parcela Única, com
natureza de indenização substitutiva, na conformidade dos critérios e
procedimentos seguintes: Parágrafo Primeiro. Para cálculo da Parcela Única, o
BANESPA adotará como simples referência 80% (oitenta por cento) do valor da
hipotética reserva matemática individual. (...)
“44ª. Migração voluntária para regime novo de complementação
de aposentadoria e pensão. O aposentado ou pensionista com direito ao abono de
aposentadoria ou pensão de que trata o Regulamento de Pessoal que estava vigente
em 20.11.2000 poderá optar pela alteração das regras de reajuste de abono de
‘Aposentadoria’ ou ‘Pensão’ concedido, observando o disposto nesta Cláusula, de
forma que, anualmente, a partir de 01/09/2006, fique garantida a aplicação do
índice integral do INPC ou outro índice que vier a substituí-lo, acumulado nos
12 meses anteriores, como forma de correção de sua aposentadoria ou pensão,
desvinculando-a do reajuste dos empregados ativos, conforme explicitado nos
parágrafos 6o e 7o”.
Aproveitando-se do longo tempo sem reajuste das
complementações – e do desespero de seus beneficiários –, o requerido conseguiu
obter, via negociação coletiva, os “caminhos alternativos” mencionados
anteriormente, duplamente favoráveis à pretensão inicial do réu em se livrar das
complementações. Numa hipótese, o reclamado extingue definitivamente sua
obrigação de complementar aposentadorias, em troca de um valor por ele mesmo
calculado; na outra hipótese, em troca de reajustes periódicos por índice
notoriamente baixo em relação aos demais, o reclamado extingue sua obrigação de
conceder reajustes idênticos aos dos empregados ativos.
Tais procedimentos atentam contra o princípio da boa-fé
contratual, que deve viger antes, durante e depois do término do pacto, com o
objetivo de materialização da função social do contrato.
Os princípios mencionados (boa-fé e função social), além de
já fazerem parte daqueles informativos do direito do trabalho, atualmente
assumiram a forma de lei, conforme se verifica pelo teor dos artigos 421 e 422
do Código Civil vigente.
No caso em apreço, conquanto o contrato de trabalho tenha
sido extinto pela aposentadoria, durante a vigência deste pacto o reclamado
assumiu a obrigação de complementar as aposentadorias de seus empregados,
mantendo os ganhos proporcionais aos dos empregados da ativa, que vinham sendo
anualmente reajustados. Nessas condições, os então empregados, enquadrados na
situação do reclamante, criaram a expectativa de que não teriam seus ganhos de
aposentadoria reduzidos pela natural depreciação do poder de compra da moeda com
o passar do tempo, tendo como garantia do cumprimento da obrigação o sólido
patrimônio do reclamado.
Diante dessas favoráveis expectativas, no ano de 2001 o
reclamado apresentou a opção de migração para o Banesprev, cujas regras eram
diversas daquelas a que o reclamante estava subordinado e com base nas quais o
reclamante já havia adquirido direitos.
Naquele momento, pela observância do que vinha reiteradamente
acontecendo com os reajustes salariais, não era possível ao reclamante prever
que a tônica das negociações coletivas fosse mudar drasticamente, como de fato
aconteceu, no sentido de privilegiar os empregados ativos com benefícios
indiretos, que não acarretam repercussões nas complementações de
aposentadoria.
Embora o sindicato obreiro, nas negociações coletivas, não
tenha agido unicamente de acordo com os interesses do réu, acabou por anuir com
a vontade do reclamado de forçar os aposentados a renunciarem a direitos
adquiridos. Aliás, o fato de os sindicatos em geral se ocuparem apenas dos
interesses dos empregados ativos, sem sair em defesa dos interesses dos
aposentados, é situação corriqueira.
Aproveitando-se da situação favorável, o reclamado conseguiu
lançar mão de métodos de pressão e retaliação aos aposentados que não migraram
para o Banesprev, notadamente pela reiterada ausência de concessão de reajustes,
com perda progressiva do poder aquisitivo das complementações, e pela
apresentação de opções nocivas aos interesses dos aposentados, cuja aparência é
de solução para o problema, mas que na verdade encobre o verdadeiro objetivo de
extinção da obrigação de complementar as aposentadorias na forma contratada.
A toda evidência, o procedimento do reclamado é de manifesta
má-fé na execução de suas obrigações contratuais.
Ora, a boa-fé objetiva indica que se deve proceder em todas
as relações sociais de forma proba e leal.
A conduta do réu é oposta a esses critérios, pois este tem se
valido de sua magnitude econômica para impor indevidamente prejuízos
consideráveis ao reclamante, com vistas a forçá-lo, de um ou de outro modo, a
satisfazer os interesses patronais.
De outro lado, referida conduta demonstra o desrespeito, por
parte do reclamado, de princípios constitucionais básicos, como o da vedação à
discriminação (art. 7º, XXX), da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), dos
valores sociais do trabalho (art. 1º, IV) e da justiça social (art. 3º).
Reconheço, portanto, que o reclamado violou o princípio da
boa-fé contratual e o da função social do contrato, pois em razão da condição de
aposentado “pré-75” do reclamante, impediu-lhe de obter os reajustes salariais
que normalmente vinham sendo dados por meio das normas coletivas, frustrando a
expectativa criada no curso do contrato de trabalho e mantida no momento em que
foi oferecida a oportunidade de migração para o Banesprev.
Sob outra ótica, fica também evidenciada a quebra da isonomia
que deve haver entre todos os trabalhadores do reclamado, ativos e inativos.
Muito embora as normas coletivas não venham concedendo
reajustes salariais diretos, com reflexos nas complementações de aposentadoria,
o conjunto de benefícios conferidos unicamente aos empregados da ativa tem
vultoso valor econômico, tanto do ponto de vista individual quanto do coletivo.
Desse modo, à medida em que nada tem sido concedido aos aposentados, é certo que
o reclamado tem se valido da negociação coletiva como chicana para burlar a
obrigação descrita no artigo 107 do Regulamento de Pessoal, já que distribui
benefícios sob as mais diversas rubricas, com o objetivo evidente de retirar
direitos dos aposentados, em flagrante ofensa ao princípio da igualdade.
Não se olvide, ainda, que nos contratos de prestações
sucessivas – como é o caso em apreço –, os eventos futuros têm o condão de
modificar ou extinguir obrigações decorrentes desses contratos, sem que seja
dado a uma parte privilegiar-se desses eventos em prejuízo da outra parte.
Os artigos 478, 479 e 480, do Código Civil em vigor,
consagrando em forma legislativa a teoria da imprevisão, têm o seguinte teor:
“478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a
pretensão de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema
vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e
imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da
sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a
modificar equitativamente as condições do contrato. 480. Se no contrato as
obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua
prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a
onerosidade excessiva.”
No caso em apreço, as disposições transcritas têm plena
aplicação, pelas seguintes razões:
a) as normas coletivas sempre vinham prevendo reajustes
salariais aos empregados da ativa, com a conseqüente majoração das
complementações de aposentadoria do reclamante; de repente, tais reajustes foram
suprimidos, através de normas que só prevêem benefícios para os trabalhadores
ativos;
b) à época da opção de migração para o Banesprev em 2001, o
reclamado não adotava qualquer medida que viesse a alterar a postura relativa
aos reajustes salariais, principalmente atos de má-fé como os que foram
indicados na presente;
c) a situação vem beneficiando exclusivamente o reclamado,
que pela ausência de concessão de reajustes da complementação de aposentadoria
se apossa de valores que deveriam ser transferidos ao reclamante, cujos
rendimentos mensais têm sido paulatinamente reduzidos pela desvalorização
monetária.
Obviamente, situações futuras e imprevisíveis têm causado
lesão ao direito do reclamante, beneficiando exclusivamente o reclamado às
custas da redução do poder aquisitivo da complementação paga ao reclamante.
Dessa forma, o reclamado tem sido excessivamente beneficiado
e o reclamante excessivamente prejudicado, o que impõe a adoção de medidas no
sentido de corrigir o desequilíbrio causado tanto pelo desenrolar dos
acontecimentos quanto pelas atitudes reprováveis do reclamado.
Tais medidas consistem em possibilitar ao reclamante,
aposentado que não migrou para o plano do Banesprev, a obtenção dos mesmos
ganhos daqueles que voluntariamente migraram para aquele plano em 2001, isto é,
a concessão dos reajustes através do índice IGP-DI.
Quanto à alegação relativa à adesão do reclamante às
cláusulas 43ª ou 44ª do último acordo coletiva, é certo que resta evidenciada a
coação na manifestação de vontade obreira, ante todos os fatos relatados. Não
bastassem essas ponderações, é certo que a previsão da mencionada cláusula nada
mais é do que a concessão daquilo que o reclamante postulou no presente feito,
embora com reajuste por outro índice historicamente menor do que o postulado.
Finalmente, registro que o reclamado deixa de observar seus
próprios estatutos – notadamente a questão da paridade – quando lhe convém. A
cláusula 87ª do acordo coletivo vigente no período 2004/2006 tem o seguinte
teor:
“Abono Extraordinário. Na vigência do presente acordo
coletivo fica assegurado, em caráter extraordinário estritamente limitado àquele
período, a não dedução dos valores de complementação de aposentadoria para
ex-empregados e o de suplementação de pensão para os seus dependentes, enquanto
a eles fizerem jus, que vinham sendo pagos com referência a agosto/2004 ou que
passarem a ser pagos com referência ao mês do início do benefício, para bases de
cálculos inferiores aos valores daqueles meses de referência, enquanto
permanecerem fazendo jus ao benefício, em conseqüência de reajustes
supervenientes, pagos pelo INSS, dos benefícios de aposentadoria e pensão. O
excesso decorrente desta garantia, enquanto ela durar será pago sob o título de
abono extraordinário/complementação, e será compensável, no mesmo período, com
aumentos da complementação ou suplementação que derivarem dos reajustes
salariais previstos na cláusula 1ª”.
Obviamente, cuida-se de vantagem paga aos aposentados e
pensionistas que não é extensiva aos empregados da ativa.
Se o fundamento principal da defesa é a estrita observância
do artigo 107 do Regulamento de Pessoal, revela-se mais uma incoerência da
conduta do reclamado, que concedeu vantagem aos aposentados em afronta àquela
disposição regulamentar.
Essas circunstâncias mostram mais uma tentativa do réu de
apresentar solução aparente para o problema da não concessão de reajustes, o que
indica que até mesmo aos olhos do reclamado a situação tem se mostrado
insustentável. Porém, conforme exposto, as tentativas do reclamado são apenas
aparentes, eis que constituem troca de obrigações assumidas durante o contrato
de trabalho pelo pagamento de valores irrisórios aos aposentados.
Diante do exposto, reconheço o direito do reclamante de ter
sua complementação de aposentadoria reajustada anualmente, pelo índice IGP-DI,
da Fundação Getúlio Vargas, a partir de 01/01/2002, em parcelas vencidas e
vincendas.
Para não causar enriquecimento do reclamante sem causa,
autorizo a compensação de valores já pagos em razão da concessão de outros
reajustes, ou mesmo pagos sob outras rubricas, mas com o fito de compensar as
perdas na complementação de aposentadoria, durante o período da condenação,
inclusive os derivados de decisão judicial, normas coletivas (inclusive
decorrentes da cláusula 44ª do acordo coletivo) ou outras fontes.
Liquidação da Sentença e Tributos
A liquidação desta sentença far-se-á por cálculos, observando
juros de 1% ao mês, a partir da data do ajuizamento da reclamação, e correção
monetária a partir do mês em que normalmente são pagas as complementações
salários, independentemente da referência. Os juros incidem sobre o montante
corrigido.
Caberá ao reclamado comprovar nos autos, nos prazos legais,
os recolhimentos fiscais devidos pelo reclamante, facultada a retenção dos
tributos devidos pelo obreiro do montante condenatório.
A natureza indenizatória da verba deferida afasta a hipótese
de incidência previdenciária.
Honorários Advocatícios
Conforme Súmula nº 329 do C. TST, há direito a honorários
advocatícios se presentes os requisitos previstos nos artigos 14, 16 e 17 da Lei
nº 5.584/70, isto é, se o empregado está em condições de miserabilidade e conta
com assistência jurídica de entidade sindical ou do Estado.
Não preenchidos os requisitos mencionados, eis que o
reclamante não está assistido por sindicato e nem postulou a concessão dos
benefícios da gratuidade da Justiça, não são devidos honorários advocatícios.
Ofícios
Cabe à parte interessada noticiar diretamente aos órgãos
competentes as irregularidades que entende ter havido, não vislumbrando o Juízo
a necessidade de comunicações oficiais neste caso.
Litigância de Má-fé
Não restou caracterizada a prática de qualquer ato tipificado
em lei como ofensivo ao dever de lealdade processual, de modo que não restou
configurada a litigância de má-fé alegada pelo reclamado.
DISPOSITIVO
Posto isto, julgo:
I – EXTINTO O PROCESSO, COM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, nos termos
do artigo 269, IV, do CPC, quanto a eventuais direitos cuja exigibilidade tenha
ocorrido em momento anterior ao dia 05/04/2001; e
II - PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados por
ANTÔNIO PEREIRA em face de BANCO DO ESTADO DE SÃO PAULO S.A., para condenar esta
a pagar àquele, em oito dias, nos termos da fundamentação retro, que integra
este dispositivo para todos os efeitos, diferenças de complementação de
aposentadoria, em parcelas vencidas e vincendas.
Custas processuais a cargo do reclamado, no valor de R$
1.000,00, calculadas sobre o valor ora arbitrado à condenação, de R$ 50.000,00.
Intimem-se.
Nada mais.
Marília, 30 de agosto de 2006.
Flávio Henrique Garcia Coelho
Juiz do Trabalho.
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