Sentença Ação IGP-DI Florianópolis-SC



TERMO DE AUDIÊNCIA

No dia 17 de maio de 2006, às 18h54min, na sala de audiências da 1ª Vara do Trabalho de Florianópolis, sob a presidência do Dr. José Ernesto Manzi, MM. Juiz Titular, foram, por sua ordem, apregoadas as partes (CLT, art. 815), a saber: NATANAEL THOMASELLI, reclamante e BANCO DO ESTADO DE SÃO PAULO S.A. - BANESPA, reclamado. Ausentes as partes. A seguir foi publicada a seguinte

SENTENÇA

I RELATÓRIO
NATANAEL THOMASELLI, qualificado na inicial, propôs reclamatória trabalhista em face de BANCO DO ESTADO DE SÃO PAULO S.A. - BANESPA, pugnando, após exposição de fatos e fundamentos jurídicos, os pedidos que arrola às fls. 12-3 dos autos. Atribuiu à causa o valor de R$ 17.000,00.

Notificada (CLT, art. 841), compareceu o réu em audiência. Proposta a conciliação (CLT, art. 846), a tentativa restou inexitosa. O réu ofereceu defesa (CLT, art. 847), sob a forma escrita, onde pugnou pela a suspensão da ação e pelo reconhecimento de que o autor litiga de má-fé; argüiu ainda as preliminares de litispendência, ilegitimidade ativa e passiva ad causam, e impossibilidade jurídica do pedido. Como prejudicial de mérito argüiu a prescrição e, no mérito, requereu a improcedência dos pedidos.
O autor manifestou-se às fls. 144-49.
As partes juntaram documentos. Não havendo mais provas, encerrou-se a instrução, com razões finais remissivas. Renovada a proposta de conciliação (CLT, art. 850), restou ela inexitosa.
É o relatório. Decide-se.

II FUNDAMENTAÇÃO QUESTÕES PROCESSUAIS
a) Prioridade de tramitação: o autor nasceu em 05-01-1949 (fl. 16), possuindo na presente data 57 anos, não fazendo jus, portanto, à tramitação prioritária prevista no art. 71 da Lei nº 10.741-03 (Estatuto do Idoso). Vale ressaltar, de outro norte, que a celeridade é princípio especialmente resguardado no processo do trabalho. Indefiro.

b) Segredo de Justiça: o autor não justificou a razão de seu requerimento para que o processo tramitasse em segredo de justiça. Ademais, não se visualiza nos autos qualquer das hipóteses dos arts. 93, IX, da CF/88, e arts. 155 do CPC. Ressalte-se que o direito à informação e à publicidade dos atos processuais são direitos fundamentais do cidadão (art. 5º, LX, da CF/88). Indefiro.

c) Suspensão do Processo: deixo para apreciar o pedido de suspensão do processo juntamente com a preliminar de mérito de litispendência, por demandar a análise de idêntica fundamentação.

PRELIMINARES DE MÉRITO
a) litispendência: argúi o réu a preliminar de litispendência (CPC, art. 300, V), argumentando que a AFABESP - Associação dos Funcionários Aposentados do Banco do Estado de São Paulo ajuizou diversas ações ainda em curso, compreendendo objetos idênticos e/ou prejudiciais aos da presente demanda.

Conforme prevê o art. 301, § 3º do CPC, "há litispendência, quando se repete ação, que está em curso"; ou seja, ocorre enquanto em trâmite duas ações idênticas (quanto às partes, causa de pedir e pedido - art. 301, § 2º, do CPC).

De pronto, verifica-se pelos próprios argumentos do réu que litispendência não há, dada a inexistência de identidade da AFABESP (pessoa jurídica) com a parte autora da presente demanda (pessoa individual). Afasto a preliminar.

Vale ressaltar, por ser matéria cognoscível de ofício (CPC, art. 301, VII), que também não se verifica a existência de conexão, (comunhão de objeto ou de causa de pedir - CPC, art. 103), a uma porque o objeto daquelas ações era reconhecimento de direito coletivo, enquanto na presente demanda, postula-se o reconhecimento de direito individual, com pedido declaratório e condenatório específicos; a duas, porque observa-se, dos documentos juntados pelo réu, que as ações postuladas pela AFABESP foram extintas sem julgamento de mérito.

Quanto ao pedido de suspensão do processo, com base no art. 265, IV, a, do CPC, a extinção das ações coletivas ajuizadas, sem julgamento de mérito, impede o pedido. Ademais, tocante à (in)existência de relação de dependência entre as ações coletivas para defesa de interesses individuais e aquelas a título individual, valiosa lição extrai-se da obra do mestre Raimundo Simão de Melo : "tratando-se de interesses individuais homogêneos, a prioridade é dada em relação aos prejuízos individualmente resultantes do dano (CDC, art. 99), de maneira que cabe ao trabalhador individualmente preferir o prosseguimento da sua ação individual, de caráter indenizatória, ignorando a ação coletiva, principalmente no nosso sistema em que não há controle da representação adequada, como ocorre no sistema americano, em que o juiz faz a verificação do processo e do desenvolvimento da defesa da categoria, para ver se o autor coletivo agiu com os necessários cuidados [...]. Assim, entre ações coletivas para defesa de interesses individuais homogêneos, na busca do reconhecimento da responsabilidade genérica de indenizar, e as ações individuais para reparação concreta e pessoal dos danos sofridos pelos trabalhadores vitimados pelo agente agressor, não ocorre litispendência; quanto à reunião das ações num mesmo processo ou à suspensão da demanda individual por continência, tal solução somente será possível se com isso concordar o trabalhador, autor da ação individual e titular do direito individual tutelado, aplicando- se inteiramente o art. 104 do CDC".

Ou seja, se a existência de eventual ação coletiva em curso não impede o conhecimento do direito individual do autor, nos exatos termos do art. 104 do CDC (Lei nº 8.078-90), não há qualquer motivo para cogitar-se de suspensão.

Afasto a preliminar e indefiro o pedido de suspensão.

b) carência de ação: ilegitimidade ativa ad causam: aduz o réu que há ilegitimidade ativa, porque "o autor não é participante de plano de previdência privado gerido pelo Banesprev", o que acarretaria sua "ilegitimidade ativa para exigir a aplicação de índice adstrito a plano gerido por essa entidade" (fl. 108).
Ser ou não o autor titular do direito que fundamenta o pedido é questão que demanda análise de mérito da afirmação, razão pela qual não deve o processo ser julgado extinto sem julgamento de mérito, sob pena de agressão ao direito de ação, que é autônomo e abstrato. A norma que impõe a "legitimidade de parte" não pode ser interpretada como óbice ao direito de ação (a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito - CF, art. 5º, inciso XXXV). Nesse ínterim, possui legitimidade ativa quem alega ser titular de um direito subjetivo cuja satisfação busca através da tutela jurisdicional.

Afasto a preliminar.

c) carência de ação: ilegitimidade passiva "ad causam": postula o réu seja reconhecido como parte ilegítima, porque "não é entidade de previdência privada e, portanto, não é parte que se obrigou ao reajuste" pleiteado; porque o empregador não se vincula às obrigações de entidade de previdência; e porque a Banesprev possui autonomia, sendo impossível a responsabilização de seus participantes.
A legitimidade da parte passiva é aferida pela sua pertinência subjetiva em opor-se ao direito alegado em juízo pela parte autora. No caso, a parte ré é apontada como devedora da pretensão referente ao bem da vida postulado, razão por que possui legitimidade para figurar no pólo passivo da demanda.
Ressalte-se que a existência ou não de obrigações ou responsabilidade da parte ré é questão a ser analisada no mérito propriamente dito, razão pela qual não deve o processo ser julgado extinto sem o seu julgamento.

Afasto a preliminar.

d) carência de ação: impossibilidade jurídica do pedido: alega o réu que, por possuir o autor complementação de aposentadoria oriunda de Regulamento de Pessoal, não pode pretender reajuste próprio do plano instituído pela Banesprev. Alega, ainda, que a pretensão do autor é de aplicação de índice oriundo de negócio jurídico ao qual não anuiu (plano da Banesprev). Por isso, requer o reconhecimento de que o pedido é impossível e a extinção do processo sem julgamento de mérito.
As chamadas "condições da ação" devem ser analisadas de forma abstrata, pois não se confundem com o mérito da ação. Isso porque a ação não se condiciona ou se subordina ao direito subjetivo postulado, mas é direito autônomo e abstrato, constitucionalmente garantido, de provocar a tutela jurisdicional.
Nessa ótica, somente pode ser considerado pedido juridicamente impossível aquele que encontra vedação no ordenamento jurídico. Não é o caso do pedido formulado na presente ação.
Ressalte-se que a procedência ou não do pedido é questão a ser analisada no mérito propriamente dito, razão pela qual não deve o processo ser julgado extinto sem o seu julgamento.

Afasto a preliminar.

PREJUDICIAL DE MÉRITO: PRESCRIÇÃO
a) prescrição total: postula o réu o reconhecimento da ocorrência de prescrição total, pois o autor desligou-se do reclamado em 01-11- 1998.

O pedido trata de diferenças de complementação de aposentadoria, em parcelas vencidas e vincendas, decorrentes da aplicação do IGP-DI, de igual forma como é feito aos empregados que optaram pelo Plano de Complementação de Aposentadorias gerido pelo Banesprev. Alega ser "inevitável" a aplicação das Súmulas 294 e 326 do TST, além do disposto no art. 206, § 3º, III, do Código Civil.
Pela própria natureza da parcela, recebida após a aposentaria do empregado, não há falar em prescrição bienal a contar do término do contrato de trabalho, mas a partir do alegada lesão ao direito (critério da actio nata).
De outro norte, a ação não cogita de alteração contratual, razão porque não se enquadra na hipótese tratada na Súmula 294 do TST. Também não envolve pedido de complementação de aposentadoria nunca paga ao empregado, como disposto na Súmula 326.
Por fim, não se trata de pretensão para haver juros, dividendos ou quaisquer prestações acessórias, mas de critério para reajuste do valor principal recebido e diferenças decorrentes, razão pela qual não se aplica o art. 206, § 3º, III, do CC.
Rejeito o pedido de aplicação da prescrição total.
b) prescrição parcial: sucessivamente, pleiteia o réu o reconhecimento da ocorrência de prescrição parcial, mas atinente ao biênio anterior ao ajuizamento da ação, e, por fim, a prescrição qüinqüenal.

O limite de dois anos previsto no art. 7º, XXIX, da CF-88, é para a propositura da ação; as verbas não alcançadas pela prescrição são aquelas pretensões imediatamente anteriores a cinco anos, contados da data do ajuizamento da reclamação. Não há falar, portanto, em prescrição de parcelas anteriores ao biênio contado da propositura da ação, mesmo porque no caso presente deve vigorar o critério da actio nata (cômputo do prazo prescricional a partir da lesão do direito).

De outro norte, reclama o autor diferenças a contar de 01-09-2001; assim, por estarem as diferenças compreendidas no qüinqüênio anterior ao ingresso da ação (09-12-2005), rejeito a prejudicial de mérito de prescrição.

MÉRITO
O complemento de aposentadoria do autor tem por base o salário dos empregados (de mesmo cargo, por óbvio) em atividade junto ao réu, salários estes sem reajuste desde 01-09-2001. Alega o autor, contudo, que para os empregados da ativa, benefícios são concedidos, por meio de normas coletivas, para compensar o congelamento salarial, sem que igual paliativo seja concedido aos inativos. De outro norte, o réu mantém, através do BANESPREV, plano de complementação de aposentadoria que concede, aos empregados que o optaram, reajustes nunca inferiores ao IGP-DI. Requer o autor lhe seja concedido igual tratamento, com a condenação do réu a reajustar o seu benefício com os mesmos índices aplicados aos optantes do plano do Banesprev, e pagamento das parcelas vencidas e vincendas. Resta evidente que qualquer empregado que busque a complementação de sua aposentadoria, tem em vista a manutenção do poder aquisitivo após a aposentação. O sistema público apenas mantém esta paridade para os aposentados com valores próximos ao salário mínimo; quanto maior a remuneração da ativa, menor será sua equivalência com os proventos da aposentadoria, paridade suprimida para as faixas superiores ao décuplo do mínimo legal.

As condições que regem a complementação de aposentadoria paga pelo Banesprev (se a atualização dos títulos que formam o "fundo" garantidor da aposentadoria acarreta o repasse automático dessa atualização aos benefícios pagos aos optantes do seu Plano) não são objeto desses autos. Se assim ocorre, deriva de regramento específico que pauta a relação jurídica existente entre o Banesprev e os optantes de seu plano.

Entretanto, é evidente que, durante vários e sucessivos anos, o réu sempre pagou a complementação da aposentadoria com base no salário dos empregados da ativa, isto até setembro de 2001, quando entrou em vigor um novo Acordo Coletivo de Trabalho.

Nesse acordo, o reajustamento salarial no período de 1º-09-01 a 31- 08-04 ficou condicionado (parágrafo 1º da cláusula 1ª) a se verificar uma variação do INPC superior a 9,8%, e somente naquilo que ultrapassar esse índice.

Como a inflação anual sempre foi inferior a esse índice, os empregados da ativa e os aposentados (a quem se garantiu a paridade de vencimentos), não tiveram qualquer reajustamento. Todavia, uma cláusula que, verdadeiramente, impõe que seja suportada uma redução salarial de 9,8% ao ano, somente pode ser tida por não prejudicial, rectius nula, se, analisado o instrumento coletivo, conglobadamente (princípio do conglobamento), o conjunto de vantagens não for inferior ao conjunto de desvantagens; ou seja, já não se examina a lesividade de uma cláusula coletiva isoladamente, mas em uma interpretação sistemática.

Sucede que o instrumento coletivo trocou o deságio no reajuste (apenas no que ultrapassar a 9,8%...) por uma série de vantagens aplicáveis apenas ao pessoal da ativa, tais como: adicionais (cláusulas 5ª, 7ª e 8ª), qüinqüênio (cláusula 6ª), gratificações (cláusulas 10ª, 11, 12, 13 e 14), auxílios, complementações e indenizações (cláusulas 15, 16, 17, 18, 19 e 21), abono indenizatório (cláusula 35 e 36), aumentos/reajustamentos concedidos à margem da norma coletiva, de acordo com a função exercida. O TST, na mesma esteira, no processo TST-DC-149665/2004-6 considerou viável a não correção em troca das vantagens paralelas concedidas.
Ressalte-se, contudo, que este grande rol de vantagens não é extensivo aos aposentados que, por evidente, não tem qualquer interesse, por exemplo, na garantia de emprego. O princípio do conglobamento deve, assim, impor uma análise não a partir das cláusulas inseridas no instrumento coletivo, mas sim a partir das cláusulas aplicáveis aos destinatários, sejam ativos, sejam inativos. Concessões recíprocas implicam em comutatividade. Não há comutatividade quando se troca um congelamento remuneratório de vários anos, por benesses inaplicáveis a determinada parcela dos beneficiários, que por esta razão, perdem essa qualidade, passando a prejudicados.

Resta evidente que os trabalhadores da ativa detém um poder de pressão infinitamente superior ao pessoal aposentado. O réu já não depende do trabalho dos aposentados que assim, ficam tolhidos do mais significativo dos instrumentos de pressão, qual seja, a greve. Egoisticamente, na celebração dos instrumentos coletivos, olvidou- se, por completo, a situação dos aposentados, sendo quanto a eles inválida a restrição imposta na cláusula de reajuste, pois foi em câmbio dessa restrição que foram conferidas vantagens a eles não estendidas.

Verifica-se, assim, que o réu pretende manter, ao menos até 31-08- 2006, sem qualquer reajuste, as complementações de aposentadoria dos aposentados, em atitude de clara discriminação. Esta discriminação fica ainda mais evidente quando se verifica que há dois planos de complementação de aposentadoria, sendo que um possui mais de 12 mil empregados e outros menos de meio milhar. Para estes últimos também o réu forneceu reajuste, por índice próprio (IGP-DI).

Mas ainda não é tudo. Como o autor faz jus à complementação da aposentadoria e a complementação implica no pagamento apenas na diferença entre aquilo que paga o INSS e aquilo que o empregado faria jus a receber, se na ativa estivesse, como o INSS vem corrigindo os proventos da aposentadoria e a base de cálculo da complementação vem sendo mantida intacta pelo réu, a cada ano este terá que desembolsar menos.

Ou seja, conclui-se que não só resta demonstrada a discriminação entre ativos e inativos, mas também entre inativos e inativos, pois o sistema de garantias, destinado à observância dos direitos contratuais dos empregados, quando da privatização do BANESPA, foi criado em benefício de todos os empregados. O jurista Celso Antonio Bandeira de Mello, em seu parecer juntado aos autos, esclarece: "Com o processo de absorção do Banco pelo Governo Federal e ulterior preparação - a final concretizada - de privatização dele, ficaram ainda uma vez encarecidos não só os mencionados direitos dos aposentados e pensionistas aludidos, mas uma particular proteção a eles com a "securitização' das obrigações correspondentes, que passaram a ser representadas por ativos escriturados no Sistema Securitizar da Central de Custódia e de Liqüidação Financeira de Títulos - CETIP, com as seguintes características (nas quais, aliás, foi expressamente configurada uma correção salarial atualizadora): data da emissão: 15 de março de 1.997, atualizáveis mensalmente sobre o saldo devedor do ativo, a cada dia 15, com base na variação do IGP-DI, com taxa de juros remuneratórios de 12% ao ano, prazo de 25 anos e pagamento de principal de juros em parcelas mensais e consecutivas, vencendo a primeira em 15.01.98, sendo de modalidade nominativa e inegociável.

[...]

Ulteriormente, ao ser promovida a privatização do BANESPA pelo Governo Federal, que lhe assumira o controle acionário, o Edital de venda, datado de 03 de outubro de 2000, em sua cláusula 5.2, cuja rubrica é OBRIGAÇÕES ESPECIAIS DO ADQUIRENTE - NOVO CONTROLADOR, enuncia que o adquirente das ações e seus eventuais sucessores ficarão obrigados solidariamente de forma irrevogável e irretratável, entre outras sujeições a, na conformidade do item VI da referida cláusula, a "garantir que o BANESPA manterá a sua condição de patrocinador do Plano de Complementação de Aposentadoria e Pensões destinado aos funcionários admitidos até 22 de maio de 1975 - Plano Pré-75, aprovado por intermédio do Ofício nº 251/SPC/COJ, de 31 de janeiro de 2.000, junto a entidade fechada de previdência fechada, sendo-lhe vedada sob qualquer hipótese, a solicitação de retirada de patrocínio na forma prevista na Resolução MPAS/SPC nº 6 de 07 de abril de 1988, ou em outras disposições que disciplinem ou venham a disciplinar a matéria;"

XI - Na cláusula 6.2, relativa a "Constituição e Breve Histórico" consta uma relação de títulos federais recebidos pelo BANESPA e que lhe constituem ativos entre os quais estão expressamente mencionados "Ativos escriturados no sistema "Securitizar" da CETIP, no valor de R$ 2.902,0 milhões em 15/12/97, corrigíveis pela variação do índice IGP-DI calculado pela Fundação Getúlio Vargas - FGV acrescidos de juros de 12% a.a. e amortizáveis em 291 parcelas mensais, vencíveis a partir de 15/12/98".

[...]

Com efeito, que sentido teriam as mencionadas disposições normativas e que sentido seria a securitização dos ativos escriturados no Sistema Securitizar da Central de Custódia e de Liquidação Financeira de Títulos - CETIP, senão o de tornar determinada situação jurídica plenamente consolidada, garantida e protegida contra quaisquer sucessivas alterações? Houve, manifestamente, nestes atos todos o induvidoso alcance de cristalizar uma dada situação tornando-a consolidada e defendida de maneira a assegurar aos seus beneficiários um direito intangível.

Aí se reproduziu modelarmente o que dantes foi visto na precedente exposição teórica, segundo GABBA, de acordo com o qual é adquirido todo direito que:

"a) é conseqüência de fato idôneo a produzi-lo, em virtude da lei do tempo em que foi cumprido, ainda que a ocasião de fazê-lo valer não se apresente antes da atuação de uma lei nova referente ao mesmo; b) ao tempo da lei sob cujo império ocorreu o fato do qual se originou, entrou imediatamente a fazer parte do patrimônio de quem o adquiriu".

Isto tudo posto e considerado, à indagação da Consulta respondo: "A correção da complementação da aposentadoria devida aos aposentados e pensionistas do BANESPA, efetuável pela variação do índice IGP-DI calculado pela Fundação Getúlio Vargas - FGV acrescida de juros de 12% ao ano, manifestamente se caracteriza como um caso de direito adquirido, sendo, pois, em razão disto, líquida e certa sua intangibilidade."

Constata-se, assim, que:

- os sucessivos acordos coletivos de trabalho firmados pelo Banespa, desde 2001, têm, sob forma de "concessões recíprocas", causado manifesto prejuízo os aposentados, que não auferem quaisquer dos benefícios, porque estes circunscrevem-se à realidade contratual do pessoal em atividade;

- o autor, enquanto beneficiário de complementação de aposentadoria paga diretamente pelo Banespa, tem direito adquirido à correção da complementação pelos mesmos índices aplicados aos títulos securitizados criados para garantir o mesmo benefício (as várias previsões normativas e contratuais que criaram os títulos e previram a sua indexação não tiveram outra finalidade que não a garantia dos direitos individuais, sendo conseqüência lógica a garantia de manutenção do valor econômico da expressão financeira desses direitos);

- sendo a correção pelos mesmos índices aplicáveis aos títulos securitizados, direito adquirido, a conduta do Banco, ao repassar a correção dos títulos securitizados somente aos inativos que optaram pelo plano da Banesprev, deixa de refletir mera aplicação de "planos" diferenciados, para caracterizar verdadeira discriminação entre optantes e não-optantes do plano da Banesprev, como se o direito à correção não fosse o mesmo; - tais condutas discriminatórias do réu (tanto as relativas ao tratamento entre ativos e inativos, quanto ao tratamento entre os inativos) infringe os princípios da dignidade, do valor social do trabalho, da isonomia, da justiça social, da não-discriminação entre os trabalhadores, dentre outros que constituem direitos e garantias fundamentais do cidadão (Títulos I e II da CRFB). Tais motivos conduzem à procedência do pedido, razão pela qual o acolho, condenando a ré a efetuar os aumentos/reajustamentos anuais da complementação da aposentadoria, sempre no dia 1º de janeiro de cada ano, com base na variação do Índice Geral de Preços - Disponibilidade Interna (IGP-DI), divulgado pela Fundação Getúlio Vargas, apurado no intervalo de 1º de janeiro a 31 de dezembro do ano anterior, da mesma forma como se procede com os benefícios dos inativos que optaram pelo "Plano de Complementação de Aposentadorias e Pensões do Banespa" do BANESPREV. Considerando que o primeiro aumento/correção ocorreu em 1º de janeiro de 2001, tendo por base os 12 meses anteriores (1º de janeiro a 31 de dezembro de 2000), condeno o réu ao pagamento das diferenças vencidas desde 01-09-2001, mês a mês.

A decisão já determina sejam efetuados os reajustamentos futuros com base no IGP-DI; não há razão para condenação em diferenças vincendas, por inexistentes. Eventual falta ou desacordo dos reajustamentos com o que determinado nesta sentença poderá ser objeto de execução. Rejeito, assim, o pedido de condenação em parcelas vincendas.

Litigância de má-fé

Não há demonstração de violação dos deveres de lealdade e boa-fé processuais por parte do demandante, pelo que não se pode cogitar de ofensa dos arts. 17 e 18 do CPC.

Ademais, apresenta-se uma grave ameaça ao estado de direito, criar- se um temor ao exercício do direito de petição. Assim como não há meios de punir o mero exercício do direito de defesa, quando houve resistência à pretensão, não se pode, por isonomia, punir-se o direito de ação, salvo evidente abuso, somente cogitável quando a pretensão está fadada ao insucesso, sem qualquer possibilidade de acolhimento.

Rejeito.

Assistência Judiciária Gratuita
Tendo em vista o requerimento formulado na inicial e os termos da declaração de fl. 14, defiro a assistência judiciária gratuita para isentar o autor do pagamento de custas e demais despesas processuais.

Juros e correção monetária
A correção monetária incidirá a partir do mês subseqüente ao de sua referência (inteligência do art. 459, parágrafo único da CLT) e juros sobre o capital corrigido (Súmula n. 200 do TST), de 1% ao mês, na forma do art. 39, § 1º da Lei 8.177-91.

Descontos fiscais e previdenciários
A complementação de aposentadoria é isenta de Imposto de Renda (Decreto nº 3.000-99, art. 39, § 6º) e de contribuição previdenciária. Não há desconto a ser determinado.

III D I S P O S I T I V O
ISTO POSTO, nos termos e limites da fundamentação que passa a integrar este dispositivo, DECIDO, nos autos da AT 9194-2005-001-12- 00-2, afastar as preliminares, rejeitar a prejudicial de prescrição e a litigância de má-fé argüidas pelo réu, e, no mérito:
a) condenar a ré a efetuar os aumentos/reajustamentos anuais da complementação da aposentadoria, sempre no dia 1º de janeiro de cada ano, com base na variação do Índice Geral de Preços - Disponibilidade Interna (IGP-DI), divulgado pela Fundação Getúlio Vargas, apurado no intervalo de 1º de janeiro a 31 de dezembro do ano anterior, da mesma forma como se procede com os benefícios dos inativos que optaram pelo "Plano de Complementação de Aposentadorias e Pensões do Banespa" do BANESPREV. Considerando que o primeiro aumento/correção ocorreu em 1º de janeiro de 2001, tendo por base os 12 meses anteriores (1º de janeiro a 31 de dezembro de 2000), condeno o réu ao pagamento das diferenças vencidas desde 01-09-2001, mês a mês;
b) rejeitar o pedido de condenação em parcelas vincendas;
c) deferir o requerimento de assistência judiciária gratuita formulado pelo autor, isentando-o do pagamento de custas e demais despesas processuais.

Os valores deverão ser apurados em regular liquidação de sentença. Juros e correção monetária nos termos da fundamentação. Custas no valor de R$ 500,00, calculadas sobre o valor da causa, R$ 25.000,00, pelo réu (CLT, art. 789, I, e § 1º).

Cumpra-se. Intime-se. Nada mais.

JOSÉ ERNESTO MANZI
Juiz do Trabalho Titular da 1ª Vara do Trabalho de Florianópolis - SC



858 - 29/05/2006
Natanael Thomaselli

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