Discurso do novo presidente do TST, Ronaldo Leal



Cabe-me falar pela primeira vez como presidente do Tribunal Superior do Trabalho. Creiam-me, é grande a emoção, quase surpresa, do juiz substituto de ontem ao se descobrir presidente do seu tribunal de cúpula. Sinto rufarem em meus ouvidos os versos de Mário Quintana:

Embora idade e senso eu aparente
Não vos iluda o velho que aqui vai:
Eu quero os meus brinquedos novamente!
Sou um pobre menino... acreditai!....
Que envelheceu um dia, de repente!

Quero iniciar essa fala relembrando a transformadora correição que fiz na Bahia. Cada um de nós tem momentos mágicos, com o condão de nos redirecionar as vidas. Esses momentos surgem sem previsão ou provocação, por força de algo que as pessoas chamam de destino. Na Bahia, como em todos os Tribunais em que exerci a correição, divulguei pela imprensa que estaria pronto a receber qualquer pessoa que tivesse queixa sobre sua causa trabalhista. Pois bem, mil pessoas fizeram filas para ter uma audiência com o corregedor-geral. Não pude receber pessoalmente todas elas. Foram selecionadas as quarenta e cinco primeiras a chegar. Numa das audiências, ouvi o relato de um homem que tentava, por anos a fio, executar uma decisão transitada em julgado. Sem possibilidade de obter novo emprego em razão de sua idade, pouco mais de cinqüenta anos, passou a vender seus pertences e acabou sendo abandonado pela família. Naquele momento vivia com uma tia velha, que lhe dava abrigo e comida. Essa narrativa, aparentemente banal, aparentemente repetida em muitos casos de desemprego não amenizado pela intervenção oportuna da Justiça do Trabalho, trouxe para mim uma torrente de meditações. Tanto que, no final do ano de 2003, enviei ao amigos o seguinte poemeto:

Pelo pátio das empresas,
Cansado de caminhar
Exausto de suplicar,
O homem só quer de volta
Seu emprego, sua máquina,
Seu cartão, sua jornada,
O riso dos companheiros
E o amor próprio perdido.

Quer de volta o despertar,
A saída inda noitinha,
Na certeza de trazer
Nas mãos tão cheias de calos
As maravilhas do mundo:
Comida, roupas, brinquedos
E o amor-próprio, ora perdido.

Quer de volta a companheira,
Anseia pelos pequenos
Tragados, tal como o emprego
Quando cessou o milagre
De poder levar pra casa,
Com seu décimo terceiro
Uma TV colorida
E o amor-próprio ora perdido.

Meu Deus, em 2004
Traz de volta a mulherzinha,
A traquinagem dos filhos,
Por favor, devolve a máquina,
O cartão-ponto, a jornada,
O riso dos companheiros
E o amor-próprio perdido.

Juízes brasileiros, se eu sou, como dizem, o juiz do trabalho mais antigo em atividade no país; como já desempenhei (e isso é verdadeiro) todas as funções reservadas a um juiz do trabalho; como estive sempre junto com meus colegas nas atividades da nossa classe, permitam que eu fale a todos fazendo uma conclamação: Nós, juízes do trabalho, não desempenhamos uma tarefa meramente profissional. Somos juízes muito, muitíssimo especiais. É verdade, como juízes que somos, compomos litígios existentes na sociedade, desde que nos sejam trazidos pelas partes. Somos jurisdição inerte, como qualquer jurisdição. Dizemos, nas nossas decisões, quem tem razão, total ou parcial, A ou B. Estabelecemos custas, arbitramos honorários.

No entanto, as semelhanças não escondem um universo de diferenças. Em primeiro lugar, aplicamos um direito criado para ser tutelar, isto é, um direito que reconhece as diferenças existentes no seio da sociedade e procura compensá-las, mediante a criação de direitos especiais. Em segundo lugar, esse superdireito tutelar parte da premissa de que o trabalhador é um deficiente político, econômico e social e que, portanto, a lei que o protege precisa ser cumprida sob pena de o Estado falhar nas suas promessas de manutenção do equilíbrio social. Em terceiro lugar, esse trabalhador não perde suas deficiências básicas pelo simples fato de estar em juízo. É óbvio que continua sendo o carente sócio-econômico-político, mesmo quando está enfrentando judicialmente a outra parte sob a mediação do juiz. Neste sentido, até mesmo o seu acesso ao Judiciário deve ser monitorado por regras protetoras, tais como assistência judiciária, isenção de custas prévias, etc. Em quarto lugar, apenas para demonstrar que tal relação protegida difere, por exemplo, da relação dos inquilinos com os proprietários, (também essa uma relação conjunturalmente protegida) é preciso dizer que, dependendo da política de habitação adotada, dos financiamentos postos à disposição dos cidadãos, da oferta de imóveis no mercado, a tutela ao inquilino se exacerba ou desaparece. O mercado rege a relação do inquilinato.

O bem tutelado pelo Direito do Trabalho é o mais digno, o mais nobre que alguém pode colocar à disposição no chamado mercado de trabalho. É a expressão maior do ser humano: sua própria força de trabalho. A lei procura proteger o trabalhador até mesmo das oscilações do mercado, mediante o salário mínimo. As convenções, os acordos coletivos de trabalho e as decisões da Justiça do Trabalho atualizam direitos e salários, mesmo sofrendo oscilações mercadológicas e mesmo com a absurda regra constitucional que submete negociações frustradas ao crivo da Justiça do Trabalho somente se houver “comum acordo”, barrando o acesso ao Poder Judiciário e estimulando a lei das selvas entre as categorias da produção.

Juízes brasileiros: Procurem ver, além das capas e das folhas manuseadas dos autos, aquele trabalhador emblemático que eu recebi na Bahia. Ele é o trabalhador brasileiro, em toda a sua grandeza e em toda a sua desdita. Nós, juízes do Brasil, somos devedores daquele homem. Nós lhe asseguramos teoricamente o seu direito, mas fomos incapazes de resolver o seu drama social. Isso nos leva a meditar sobre o nosso papel jurisdicional, ou seja, em que medida podemos atuar para que os nossos pronunciamentos sentenciais sejam efetivados. Sabemos que a execução da sentença trabalhista continua sendo um dos mais severos gargalos da Justiça do Trabalho. Naquele ano de 2003, declarei a um dos mais importantes órgãos de imprensa do país que nós, juízes do trabalho, precisamos ser truculentos. Sei que a expressão foi forte demais, especialmente partindo do corregedor-geral da Justiça do Trabalho. Explico que eu me referia à execução dos julgados trabalhistas quando fiz aquelas declarações.

Repensando a execução, concluí que a maior parte das normas executórias destinadas ao processo civil e que aplicamos ao nosso processo sem maiores resistências, ostenta manifesta incompatibilidade com a necessidade que temos de garantir ao nosso credor especialíssimo a satisfação do que lhe declaramos ser devido. É que só lembramos o caráter subsidiário do processo civil, mas esquecemos a advertência da nossa lei no sentido de não aplicar o que for incompatível com suas regras. Não vou ficar aqui arrolando normas que, a meu ver, conspiram contra os propósitos institucionais da execução trabalhista, mas destaco aquela que, por conter proteção escancarada ao devedor, deve ficar à margem do arsenal jurídico do juiz do trabalho: a que determina que a execução se faça de modo menos gravoso para o devedor. O princípio cardeal que deve reger a execução trabalhista é o da satisfação urgente do título sentencial do credor. Todos os demais devem subordinar-se a ele. Na Alemanha, por exemplo, não há procedimento de execução no processo do trabalho. O devedor é citado para pagar no prazo estabelecido pelo juiz. Se não o faz, é preso por resistência a ordem judicial. E lá pouco importa quem é o devedor. Se for o Poder Público, o agente responsável também sofre pena de prisão por resistência injustificada a uma determinação do Judiciário.

Sobre esse tipo de execução pessoal no Brasil, há um primoroso artigo de dois jovens juízes que entendem possível, à luz dos nossos preceitos constitucionais, a prisão civil do devedor recalcitrante trabalhista. Sabemos que o sistema Bacen Jud, também chamado de penhora on line, é hoje o mais poderoso instrumento a serviço da execução. Devo registrar com tristeza que muitos juízes do trabalho, no afã de entregar ao credor as importâncias a ele devidas, quase acarretaram a revogação desse canal de exequibilildade, ao abusarem dele bloqueando contas bancárias de ex-sócios, sem verificação prévia da respectiva condição jurídica, ou de terceiros, sem anterior discussão a respeito da sua real responsabilidade. Não é assim que se exerce a verdadeira pressão executória. Conclamo os juízes do Brasil a respeitar a segurança das pessoas, mesmo quando usarem um instrumento tão forte como o sistema Bacen Jud. É nossa obrigação preservar essa conquista dos trabalhadores brasileiros. Quero parabenizar a Vara do Trabalho de Guarulhos pelo uso adequado e majoritário entre todas as Varas do país, do sistema Bacen Jud. Estendo os parabéns às demais varas que se destacam nesta matéria, uma das quais aqui de Brasília.

Em breve poderemos contar com o Fundo de Execuções Trabalhistas, instrumento importante, se corretamente regulamentado, para garantir o princípio básico da satisfação urgente do crédito do trabalhador. Precisaremos de uma reforma constitucional imediata para disciplinar a execução contra os entes públicos. O sistema atual permite aos executados por precatório o direito de não pagar o que o Poder Judiciário garantiu aos trabalhadores.

Sei que terei pouco tempo para pôr em prática uma agenda ambiciosa. Mesmo assim, hei de colocar todas as minhas forças a serviço de uma Justiça do Trabalho constitucionalmente efetiva. Com os juízes do trabalho brasileiros, havemos de impor ao respeito de todos aquilo que a população do país busca: o acatamento à lei e aos direitos humanos. Para tanto, investiremos pesadamente naquilo que vier em auxílio à prestação jurisdicional. Os programas nacionais de informática em curso já consumiram, só nos dois últimos anos, cerca de cem milhões de reais. Além disso, cada TRT fez os seus próprios investimentos. O nosso programa nacional será cuidadosamente administrado.

Registro que um dos projetos desenvolvidos é o chamado cálculo rápido, que permitirá sentenças líquidas, acórdãos líquidos, eliminando a fase pós-cognitiva da liquidação de sentença, dificuldade com que se depara o trabalhador no momento de quantificar o que lhe é devido. Estamos aviando instrumentos processuais que poderão romper os grilhões da burocracia judiciária. Com a participação patriótica do Congresso Nacional, as leis necessárias serão aprovadas. Os representantes do povo estão sendo chamados para dar a atenção devida ao social, aos verdadeiros interesses da nossa população. Desejo ir muitas vezes ao Parlamento brasileiro para dialogar com líderes, presidentes, relatores de matérias importantes ou com qualquer parlamentar que tenha consciência de estar em suas mãos o destino da nacionalidade. Tenho certeza de que o diálogo fecundo produzirá os resultados para a preservação dos direitos humanos e sociais da população trabalhadora.

Temos consciência de que o Tribunal Superior do Trabalho é um dos pontos críticos do estrangulamento que sofre o processo do trabalho no Brasil. Por maiores que tenham sido os esforços, os ministros, assessorados pelos servidores, não têm conseguido diminuir o espantoso resíduo que se acumula ano a ano. Um processo que aqui chega demora de quatro a cinco anos para ser julgado pelo Tribunal. O TST, ao qual cabe a uniformização da jurisprudência do país, fica a reboque dos Tribunais Regionais, os quais resolvem as teses novas e fixam jurisprudências locais que perduram durante todo o longo período que o Tribunal de cúpula demora para examiná-las. Centenas de processos nestas condições chegam ao TST, agravando a situação de congestionamento. Em 2002 editamos a RA 874, que impõe ao presidente do TRT, ao despachar a revista, estigmatizar os processos com teses novas para que sejam distribuídos com anterioridade aqui no TST. Infelizmente a RA não tem sido observada. Podemos dar um passo adiante no sentido da anteposição do TST à multiplicação de jurisprudências regionais, mediante o controle concentrado do alcance e do sentido da norma trabalhista, que poderá ser proposto pelos mesmos entes legitimados para a ADIn, resultando da decisão uma súmula sem caráter vinculativo, mas estabelecida cinco ou seis anos antes da súmula tradicional.

Temos várias fórmulas a propor para corrigir as disfunções que hoje permitem a subida indiscriminada de recursos ao Tribunal. Algumas delas deveremos fazê-lo lado a lado com um dos nossos mais preciosos parceiros, os advogados. Prometemos, perante o Conselho Federal da OAB, promover entendimentos antes da proposição de medidas legislativas que possam estreitar os direitos dos cidadãos quanto à utilização dos meios judiciários disponíveis. A OAB, por exemplo, já ajuizou uma ADIn contra uma MP/LEI que introduziu a chamada transcendência no exame dos recursos de revista. Li cuidadosamente o texto da petição dirigida ao Supremo Tribunal Federal. Não há, nas reivindicações da OAB, nenhum laivo de interesse corporativo, isto é, não há nem veladamente qualquer intenção de reserva do mercado das ações trabalhistas para os profissionais da advocacia. Fosse assim a OAB estaria sobrepondo interesses econômicos de advogados à fome dos trabalhadores do país, indiferente à sorte das instituições.

A Ordem dos Advogados do Brasil impôs-se ao respeito e à admiração da sociedade pela defesa intransigente da própria ordem jurídica, pela defesa dos cidadãos e da higidez das instituições públicas. Por tudo isso, os integrantes da OAB têm consciência de que, em relação à Justiça do Trabalho, precisa haver uma ótica diferente no trato de institutos e de inovações processuais. Sabem que a nossa justiça ostenta peculiaridades porque mergulha na própria questão social e porque ela precisa cumprir a promessa do Estado de acudir ao lesado social com uma prestação jurídica ágil e eficaz. A OAB não reivindica a transformação do TST numa terceira instância. Insurgiu-se contra uma regulamentação legislativa que reputou dúbia para a garantia do direito das partes. Sentaremos juntos à mesa do entendimento e dela vai sair vencedor o jurisdicionado trabalhista, cujos interesses devem estar acima de qualquer preconceito ou subalternidade.

Quero reservar uma reflexão para a imprensa brasileira, tão preciosa para a consolidação da verdadeira cidadania democrática. Manifesto aqui uma dúvida: Será que a população, se consultada por institutos de pesquisa, aprovaria toda a extensa pauta de assuntos meramente político-partidários que os órgãos de comunicação divulgam no seu dia-a-dia? Nosso país experimenta uma ascensão social nítida, perceptível, que acompanha progressos de natureza econômica e institucional. Pergunto: Este fenômeno recente e em evolução não mereceria um desenho mais extenso, uma cobertura tão eficiente como aquela que se faz na área meramente política?

Sei que o Poder Judiciário, dotado de novas e importantes atribuições a partir da Constituição de 1988, tem merecido espaços e reflexões dos profissionais do jornalismo. Sei também que ele precisa ser depurado, para que esteja à altura da modernidade brasileira. A nossa mídia já toma conhecimento, talvez pelo influxo de fatos negativos, que há juízes prontos para revolucionar a judicatura brasileira, revelando um novo Poder Judiciário, comprometido definitivamente com sua missão institucional e com as verdadeiras expectativas da sociedade.

Nós, juízes brasileiros, precisamos da imprensa para documentar essa trajetória e para que, por meio da mídia, a sociedade emergente possa falar. Sabemos que a tessitura social de hoje inclui a todos como protagonistas da sociedade e que a idéia de um juiz isolado desse tecido é anacrônica e insustentável. O juiz é cada vez mais participante do sucesso, da tragédia ou até da comédia geral da sociedade. O juiz passa à categoria de mais um dos integrantes do diálogo maior, diálogo fecundo que nada impõe e que forma também a opinião pública, o conjunto dos conceitos que compõem a nossa cultura. Por tudo isso, convido os nossos órgãos de imprensa para percorrermos esse caminho lado a lado.

Sempre vivi dentro de associações da magistratura brasileira. Fui um dos fundadores da AMATRA do Rio Grande do Sul. Anos mais tarde fundei, junto com colegas de vários pontos do país, a ANAMATRA, nossa entidade nacional, da qual fui o primeiro presidente. Fui vice-presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros. Quando presidente do TRT da 4ª Região, fui Coordenador do Colégio de Presidentes e Corregedores dos Tribunais Regionais do Trabalho. É com orgulho que temos aqui ao nosso lado, como aliadas e parceiras, a ANAMATRA e as vinte e quatro AMATRAS. Trabalharemos juntos, sabendo respeitar nossas eventuais divergências. No estado democrático de direito, as associações pontuais da sociedade desempenham um papel aglutinador entre o Estado e o cidadão, o que Mauro Cappelletti chamava de corpos intermediários. O reconhecimento de tal realidade deve afastar arcaicos preconceitos que alguns poucos ainda alimentam. Embora o magistrado seja um agente político, ele é, antes de tudo, um cidadão da República. Nossas associações têm transcendido à condição de simples agentes intermediárias para assumir o papel de defensoras da própria ordem jurídica trabalhista.

Quando falamos de homens que vivem do seu trabalho, estamos aludindo, num país em que há muitos pobres, a uma faixa até bem sucedida da população. Precisamos pensar nos totalmente excluídos que precisam urgentemente ser integrados na sociedade de todos. Mário de Andrade, o revolucionário da nossa linguagem e da literatura brasileira, deixou uma página imortal de fraternidade ao fazer o que chamou “DESCOBRIMENTO”:

Abancado à escrivaninha em São Paulo
Na minha casa da rua Lopes Chaves
De supetão senti um friúme por dentro.
Fiquei trêmulo, muito comovido
Com o livro palerma olhando pra mim.

Não vê que me lembrei que lá no Norte, meu Deus!
Muito longe de mim
Na escuridão ativa da noite que caiu
Um homem pálido magro de cabelo escorrendo nos olhos,
Depois de fazer uma pele com a borracha do dia,
Faz pouco se deitou, está dormindo.

Esse homem é brasileiro que nem eu!

Vitor Hugo, o inesquecível escritor francês, escreveu um poema, chamado “Os Pobres”. Nele relata que um trabalhador muito pobre chegou em casa num dia de temporal e explicou à sua mulher que a vizinha tinha morrido, deixando dois filhos pequenos. Relatou que aquela pobre mulher estava na miséria e que seria necessário que adotassem os filhos dela. Observou que já tinham cinco filhos e que com mais aqueles dois, seriam sete. Pediu à mulher que fosse buscá-los, mas achou que ela não estava se movimentando com a agilidade de sempre. Censurou-a por isso. A mulher, abrindo as cortinas, disse: Olha, eles já estão aqui. Agradeço a Deus por ter conseguido ver os excluídos brasileiros. Eles são quase invisíveis para os que, como nós, vivemos tão longe deles. Minha visão foi assim:

Em luzes o outdoor esparramando cores:
Estrela de néon.
Os carros, com os faróis, vão revelando muros:
Grafites em marron.
Debaixo do oleado uma família parte
O pão do ano-bom.

O Pai ajeita os trapos e a criança dorme,
Indiferente ao som.
A Mãe está cantando uma canção de embalo,
Desafinando o tom.
Celebram ter nas mãos uma fatia escura
Do pão do ano-bom.

Estão louvando a Deus por terem encontrado
Um velho edredon.
Estão agradecendo o abrigo de oleado,
Maravilhoso dom.
E nessa ação de graças à bondade eterna,
Transcorre o reveillon.

O nosso excluído se satisfaz com as sobras da sociedade de consumo. E agradece a Deus essas migalhas. É nosso dever resgatá-lo.

Não quero finalizar esta oração no campo estrito da poesia, ainda que evoque nossas mazelas sociais. Sei que, como presidente do Tribunal Superior do Trabalho, tenho direito aos sonhos, como qualquer brasileiro, mas devo enfrentar as realidades do meu cargo. Creio que sensibilidade e realismo podem nortear ações produtivas para a Justiça do Trabalho e para o país. Investirei as experiências que acumulei ao longo de toda uma vida dedicada a esta instituição. Não estarei só. Sou o mandatário dos ministros do Tribunal, que me elegeram pela unanimidade dos seus votos. Lado a lado na condução institucional, dois ministros amigos, Rider e Luciano, vice-presidente e corregedor-geral, dividirão a responsabilidade pelo bom êxito do trabalho que ora se inicia. Juntos, tomamos posse como ministros desta casa no dia 18 de dezembro de 1995. Juntos vamos dirigir o Tribunal daqui por diante. Esse é um fato auspicioso e que nos enche de confiança.

Não ignoro as esperanças de muitas pessoas, desde ministros e servidores da casa até o conjunto dos atores da Justiça do Trabalho, juízes, advogados, membros do Ministério Público e funcionários de todos os escalões. Essa confiança potencializa as minhas responsabilidades. Recebo do Ministro Vantuil Abdala um tribunal acreditado pela sociedade, um tribunal reconstruído com amor e desvelo diário. Passo a integrar, como dirigente de nossa corte superior, um Poder Judiciário renovado e reformado, auto-diagnosticado pelas mãos do Ministro Nelson Jobim. Nos outros tribunais terão assento ministros que enchem de esperança a nação. Ellen no Supremo Tribunal Federal, Rafael no Superior Tribunal de Justiça e, em breve, com a assunção de Gilmar Mendes à vice-presidência do Supremo Tribunal, teremos Marco Aurélio, um ministro que saiu daqui desta casa, no Tribunal Superior Eleitoral. Há aqueles que já dirigem o Superior Tribunal Militar, Max Höertel, e o meu valoroso conterrâneo, Adylson Mota

Fonte: TST


841 - 07/05/2006
Celeste Viana

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