Talvez, no
momento que este artigo esteja sendo lido, a mesa de negociação instalada
para definir os rumos da campanha salarial bancária de 2003 já tenha
cumprido o seu papel, já tenha remetido às bases os índices de reajuste
salarial e até mesmo aprovado em assembléia, o que não torna este momento
diferente de outras campanhas salariais que tiveram como resultado acordos
parecidos e vem sendo assim nos últimos anos:
um índice abaixo da inflação,
um abono único e participação nos lucros (para bancários vinculados a bancos
que tiveram lucro suficiente para dividir).
Por outro lado o movimento
sindical bancário terá cumprido o seu papel: a mobilização da categoria
através de atos, paralisações localizadas de uma hora, duas horas ou até por
todo um dia.
Tem sido assim nos últimos (pelo menos) 10 anos. Ora, se
a história se repete a cada ano, pergunto: Por que não evitamos todo esse
trabalho e apresentamos logo o mínimo aceitável diante do máximo aceitável
pelo banqueiro, que muito próximos pouparia o esforço de muita gente nas
atividades de campanha?
O fato merece reflexão e apresenta uma constatação: A
coisa tem que ser mudada no próximo ano. A fórmula está desgastada e sua
eficácia comprometida.Precisamos iniciar um amplo debate sobre os
métodos utilizados a cada ano e procurar formas mais eficazes de fazer com
que os banqueiros entendam que precisamos receber um salário compatível com
o lucro que geramos e que a política de abonos salariais pagos uma só vez é
danosa e lesiva, na medida que não recompõe o poder de compra dos nossos
salários além de prejuízos no FGTS, no pagamento das férias, 13o salário e
demais verbas salariais, uma vez que da forma como é pago não incorpora aos
nossos salários e portanto provoca perdas em médio e longo prazos.
A
explicação dos efeitos do abono sobre os nossos salários não é complicada.
Pegamos como exemplo um salário de R$ 1.500,00. Um abono de R$ 1.350,00
dividido por 12 meses corresponde a R$ 108,33 mensais. Aplicamos sobre o
salário de R$ 1.500,00 obtemos o índice de 16,2% que somados aos 10%
oferecidos até agora, corresponderia a um reajuste de 26,2% sobre o salário
de R$ 1.500,00.
Excelente índice, não é verdade?
NÃO! Enganou-se quem
respondeu sim.
Vamos utilizar um salário hipotético de R$ 1.000,00 em
agosto de 1994 e aplicar os índices do período nas duas formas (com abono e
sem abono, mas com o seu percentual incorporado aos salários):
1994 -
reajuste de 16% = R$ 1.160,00 (não houve abono)
1995 - reajuste de 30% =
R$ 1.508,00 (não houve abono)
1996 - reajuste de 10,8% = R$ 1.670,86
(abono de R$ 751,88 referente a 3,75% que somados a 10,8% elevaria o salário
para R$ 1.727,441997 - reajuste de 5% - nas duas hipóteses:a) R$
1.754,40 (não houve abono)b) R$ 1.813,81 (com percentual mensal referente ao
abono concedido no ano anterior)
1998 - reajuste de 1,2% - nas duas
hipóteses:a) R$ 1.775,45 (não houve abono)b) R$ 1.835,57 (resultado do
índice com o abono do ano anterior incorporado ao salário)
1999 -
reajuste de 5,5% + R$ 700,00 de abono - nas duas hipóteses:a) R$ 1.873,09 (+
abono de R$ 700,00)b) R$ 1.972,64 (com o percentual correspondente ao abono
incorporado ao salário)
2000 - reajuste de 7,2% - com os seguintes
resultados:a) R$ 2.007,95 (não houve abono)b) R$ 2.114,672001 -
reajuste de 5,5% + R$ 1.100,00 de abono - nas duas hipóteses:a) R$ 2.103,82
+ abonob) R$ 2.322,63 (com abono incorporado)
2002 - reajuste de 7% +
R% 1.100,00 de abono - nas duas hipóteses:a) R$ 2.250,87 + abonob) R$
2.585,21 (com abono incorporado)
Resumindo: de acordo com os cálculos
comparativos, verificamos que a política de abonos salariais representa uma
transferência de renda dos trabalhadores bancários para os banqueiros, já
que a diferença final sobre o hipotético salário de R$ 1.000,00 em 1994,
aplicadas as duas fórmulas (com o abono único e com o índice mensal
correspondente ao valor dos abonos) é de R$ 334,34 mensais, valor sobre o
qual não são recolhidos FGTS, que também não tem reflexo nas horas extras,
férias, 13o salário, abono de férias (10 dias opcionais) PLR, ou seja,
valores que somados apresentariam uma diferença maior, conforme
demonstrativo abaixo:Salário + FGTS + férias + abono férias + 13o salário +
PLR + horas extras = R$ 5.052,93 (valor superior a qualquer abono concedido
no período e superior ainda a soma de todos os abonos concedidos no período,
que perfizeram o total de R$ 3.000,00)
Portanto, a política de
concessão de abonos salariais em troca de um índice abaixo da inflação não
corresponde a vantagem alguma. Muito pelo contrário, corresponde a
transferência de salário do trabalhador para o patrão, aumentando mais ainda
a taxa de lucro dos bancos, que somados a outros fatores como a alta taxa de
juros, tarifas bancárias exageradas e produtos que na maioria das vezes são
empurrados aos clientes em troca de uma concessão de cheque especial,
empréstimo ou cartão de crédito, fizeram do setor bancário o maior
concentrador de dinheiro na economia do país, com sérios prejuízos a todos
(trabalhadores, empresários e governos).
Precisamos aproveitar o momento
novo que o país vive. Escutamos muito isso.Realmente, não podemos negar que
o fato de termos um presidente sindicalista, operário, que esteve à frente
dos movimentos grevistas que abalaram as estruturas do governo militar no
final dos anos setentas, faz com que todos nós apostemos e torçamos para que
seu governo dê certo.Mas o governo Lula somente terá dado certo se no
final de 4 anos tivermos: acabado com as grandes diferenças sociais, uma
justa distribuição de renda, reformas estruturais que possibilitem esse fim
de desigualdades, reforma agrária, enfim, o aumento da qualidade de vida dos
brasileiros e para isso é necessário que os movimentos sociais organizados
se mobilizem, por não podemos ser ingênuos ao ponto de acreditar que todas
essas conquistas cairão do céu.
Por isso, é necessário que comecemos
já um amplo debate sobre a campanha salarial de 2004, pois esta tende a ser
a repetição dos anos anteriores, com a organização de debates, seminários,
com a presença de técnicos do DIEESE, e com encontros nacionais de bancários
abertos, para que possamos elaborar já uma política no sentido de organizar
a categoria para uma greve geral bancária para o próximo ano, ou estaremos
condenados a mais um rebaixamento salarial.
Rúbio Barros é Diretor do
Sindicato (Baixada Fluminense -
RJ)
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