Mais cigarras do que formigas

Pesquisa mostra pouca preocupação do brasileiro com a aposentadoria


Como você vai garantir sua sobrevivência após a aposentadoria? A pergunta, cada vez mais freqüente nos países desenvolvidos, não parece estar incomodando muito aos brasileiros. Uma extensa pesquisa do banco inglês HSBC divulgada na semana passada revelou que, no Brasil, as pessoas estão mais para "cigarras" do que para "formigas", como na fábula de La Fontaine. A grande maioria dos brasileiros entrevistados revelou não estar preocupada em se preparar financeiramente para a aposentadoria. Apenas 13% das pessoas pensam em contribuir para um plano de previdência privada.

Nos países desenvolvidos, acontece o oposto. A probabilidade de um americano ou um inglês contribuir para a previdência privada é duas vezes maior quando comparada com países como Brasil, Índia, México e mesmo o Japão. Nos Estados Unidos, 52% dos pesquisados pensam em contribuir para a previdência complementar; no Reino Unido, de 40%.

Para Luís Eduardo Assis, diretor executivo da área de seguros e previdência do HSBC, o baixo nível de renda de boa parte da população é um dos fatores que explica esse desinteresse. "O brasileiro tem tantos outros problemas no dia-a-dia que sobra pouco tempo para planejar a aposentadoria", diz. Aqui, a maioria das pessoas (52%) acha que o governo é quem deve prover os recursos para quando saírem do mercado de trabalho. "A aposentadoria oficial parece cobrir as necessidades da população", diz.

A pesquisa também queria saber se o entrevistado tinha, nos últimos 12 meses, tomado alguma iniciativa (entre as oito sugeridas pelos pesquisadores) para se preparar para quando estivesse aposentado. As opções eram: lido livros específicos, consultado consultores, pesquisado na internet, falado com amigos e parentes, calculado quanto de recursos precisaria no futuro, consultado o banco, lido revistas e jornais específicos e contribuído para um plano complementar de previdência. No Brasil, 56% responderam que não.

No Canadá, 96% dos entrevistados disseram que tomaram alguma atitude; nos Estados Unidos, 83% e na China, 80%. Apenas o Japão teve pior desempenho que o Brasil, com 68% respondendo que não fizeram nada. Entre as oito medidas, os canadenses responderam que tomaram, em média, três delas no último ano; no Reino Unido, foram duas. No Brasil, a média ficou em apenas 0,8 ação por pessoa. Outro dado curioso é que os brasileiros preferem consultar amigos ou parentes sobre a aposentadoria do que os bancos.

Para Osvaldo do Nascimento, presidente da Associação Nacional da Previdência Privada (Anapp), a pesquisa reflete a distribuição de renda no Brasil, que é uma das piores do mundo. Para ele, a grande maioria da população ganha mal e tem outras prioridades, como saúde e alimentação.

"As pessoas de renda mais alta, que se preocupam com a aposentadoria, estão indo atrás da previdência privada", destaca Nascimento. Prova disso é o interesse pelos fundos PGBL e VGBL. Os recursos têm crescido entre 35% e 40% ao ano. Pelas estatísticas mais recentes da Anapp, em fevereiro, as carteiras tinham um total de recursos de R$ 63,2 bilhões, valor 33,45% superior ao verificado em igual período de 2004. Ao todo, havia 225.138 mil beneficiários da previdência complementar - 30% a mais do que em fevereiro de 2004, mas um percentual ainda insignificante perto dos mais de 180 milhões de brasileiros.

Para Nascimento, a preocupação maior tem de ser com uma reforma da previdência social, para garantir que essas pessoas de baixa renda, que dependem dos recursos do governo, tenham acesso a eles quando deixarem o mercado de trabalho. Essa preocupação, por enquanto, não parece incomodar as pessoas aqui. O que deixaria a velhice mais feliz, na opinião de 77% dos brasileiros entrevistados, seria estar com a família e amigos e não a independência financeira. Em Hong Kong é o oposto, 71% destacaram a independência financeira como o fator que mais traria felicidade na terceira idade.

A percepção que os brasileiros têm da aposentadoria e da terceira idade é, em alguns casos, bastante diferente de outros países. Mesmo quando se compara com o México, que tem nível de renda similar ao nosso, as diferenças são consideráveis. Entre os brasileiros, por exemplo, a aposentadoria é vista por 52% das pessoas como um "tempo para descanso e relaxamento". Já em países como Canadá, Estados Unidos e França, a aposentadoria é encarada como um "novo capítulo" na vida das pessoas, capaz de trazer novos desafios e oportunidades. Estas pessoas tendem a encarar a velhice de forma mais positiva que os brasileiro.

Considerando que a população mundial está envelhecendo, o que vai criar um problema para a previdência social no futuro, a pesquisa queria saber o que o governo poderia fazer. O Brasil foi o único país entre os dez pesquisados que disse que a primeira ação deveria ser reduzir o valor da aposentadoria. Todos os outros acham que, antes, o governo deve aumentar o tempo de trabalho.

Na avaliação de Assis, como no Brasil as pessoas começam a trabalhar muito cedo e, como resultado, se aposentam cedo, a aposentadoria não é encarada como uma ruptura, como acontece nos outros países pesquisados. No mundo todo, as pessoas consideram que "estão ficando velhas" quando percebem uma redução na habilidade de fazer determinadas coisas. Entre os brasileiros, apenas 5% dos entrevistados acreditam que o começo do recebimento da aposentadoria marca o início da terceira idade. Só 8% dos brasileiros acreditam que se tornar avô ou avó marca o início da velhice, frente a 47% na China e 44% em Hong Kong.

Outra particularidade do Brasil é que a maioria das pessoas espera que os filhos irão cuidar delas na velhice (incluindo aqui o apoio financeiro). Entre os que acreditam que a aposentadoria é para descansar, 83% responderam que esperam cuidados dos filhos. O Brasil encabeça o ranking quando a pergunta é "deixar uma herança para meu filho é importante?": 68% disseram que sim, frente a 38% no Japão e China e 41% no México.

Para fazer a pesquisa, o HSBC contratou duas consultorias, a AgeWave e a Harris Interactive. O estudo recebeu o nome de "O futuro da aposentadoria". Ao todo, foram ouvidas 11 mil pessoas em dez países - Reino Unido, Hong Kong, Canadá, China, Estados Unidos, Índia, França, Japão, Brasil e México.

Segundo Assis, o projeto nasceu a partir da constatação do envelhecimento da população mundial e, conseqüentemente, dos clientes da instituição (que somam 100 milhões em todo o mundo). A idéia é que os resultados do estudo mundial sirvam como orientação para o banco desenvolver novos produtos e serviços, além de ser uma referência para futuras campanhas de marketing.

No Brasil, foram ouvidas 1.032 pessoas de diferentes idades, escolaridade e classes sociais no período de 22 de setembro a 14 de outubro de 2004. Foram entrevistados desde brasileiros que ganham dois salários mínimos (cem pessoas ouvidas) até aqueles que ganham mais de R$ 5.200 (11 entrevistados). A maior parte dos pesquisados (25%) ganhava entre R$ 261 e R$ 520.

A pesquisa passou por 20 cidades, incluindo grandes capitais como São Paulo e Recife e municípios menores, como Nova Lima (MG) e Londrina (PR). Os entrevistados foram abordados nas ruas. Segundo Assis, o HSBC tem 260 mil clientes na previdência aberta no Brasil e 70 mil na fechada.

Fonte: Valor Online



578- 21/05/2005
Álvaro Pozzetti

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