Resposta do Deputado Fleury Fº - C.P.I. BANESPA


COM AS AÇÕES DO VIII - NEGOCIAÇÃO BANESPA

 

 

Uma das preocupações dos integrantes desta CPI relacionou-se com o comportamento, na            BOVESPA – Bolsa de Valores do Estado de São Paulo, das ações preferenciais e ordinárias do Banespa, no período compreendido entre 29 de dezembro de 1994, data a partir da qual essa entidade financeira foi submetida ao Regime de Administração Especial Temporária – RAET,  e 20 de novembro de 2000, quando se encerrou o processo que levou à sua privatização.

Dessa forma, com base em dados que, a pedido, foram fornecidos pela BOVESPA, procurou-se averiguar a possível ocorrência no referido período de antecipados movimentos de compra e venda daquelas ações que pudessem, de qualquer forma, estar vinculados ao vazamento de informações privilegiadas.

Para esse trabalho, por força do período a ser investigado e da quantidade de operações realizadas, foram estabelecidos alguns critérios que priorizaram a análise  daquelas operações que envolveram um lote mínimo de 500.000 (quinhentas mil) ações, ordinárias ou preferenciais, e que foram realizadas em datas próximas a alguns eventos considerados relevantes, como: 22 de maio de 1997, data em que foi assinado o Contrato de Promessa de Venda e Compra de Ações do Capital Social do Banco do Estado de São Paulo S/A, entre o Estado de São Paulo e a União; 27 de dezembro de 1997, quando foram publicados os balanços da instituição relativos ao ano de 1994; 24 de dezembro de 1997, quando o Banespa foi federalizado; 18 de março de 1998, quando foram publicados os balanços de 1997; e, 20 de novembro de 2000, data da privatização.

 Dentro desses critérios, cerca de 1.200 hum mil e duzentas) operações, da responsabilidade tanto de pessoas físicas como de jurídicas, foram objeto de análise, implicando a convocação de alguns investidores para prestarem esclarecimentos o que, em parte, ocorreu em audiências específicas e sigilosas que a respeito se realizaram na cidade de São Paulo - SP.

Por outro lado, ainda com relação à negociação ocorrida com as ações do Banespa, preocuparam-se os integrantes da CPI em verificar também se os termos do Contrato Bacen / PND n.º 001/98, relativo à prestação de serviço de consultoria para avaliação econômico-financeira e preparação para desestatização do Banespa, firmado entre o Banco Central do Brasil e o Banco Fator S/A, em 1º de dezembro de 1998, em especial o estipulado nos incisos XXVIII e XXIX  da cláusula segunda,  que trata das obrigações da contratada, foi, de fato, ao longo do serviço prestado, rigorosamente observado pelo contratado, no que tange a não configuração de conflito de interesses ou de práticas que possam ter contrariado a ética profissional.

A CPI entendeu que tal contrato pode ter sido violado, tendo em vista que fundos administrados pelo Banco Fator negociaram com ações do Banespa, devendo também o Banco Central averiguar eventual quebra contratual.

 


IX – SÍNTESES, CONCLUSÕES E ENCAMINHAMENTOS

 

Inicialmente, deve-se ressaltar que as conclusões desta CPI não se resumem às contidas nesta seção, as principais, estando relacionados ao longo deste relatório inúmeras outras; e outras tantas podem ser alcançadas por todos aqueles que detidamente o analisarem.

IX.1. SOBRE AS CAUSAS DO RAET

Na avaliação desta CPI, as causas da decretação do RAET podem ser divididas em remotas e imediatas. As remotas, como explicitado no Capítulo III, foram a inadimplência do Estado e de prefeituras municipais na década de 80, assim como a assunção pelo Banespa de dívidas contraídas no exterior por empresas estaduais e federais. As imediatas podem ser resumidas na profunda crise de liquidez enfrentada a partir de meados de setembro de 1994, devido à nova política de estabilização da economia do País e ao refluxo de aportes oferecidos no interbancário, como ocorrido com outros bancos estaduais e privados.

Não foi possível esclarecer algumas dúvidas, que permanecem entre membros desta CPI, devido à ausência dos depoimentos de duas autoridades da época: Dr. Ciro Gomes, Ministro de Estado da Fazenda de setembro a dezembro de 1994, e Dr. Pedro Sampaio Malan, Presidente do Banco Central do Brasil entre setembro de 1993 e dezembro de 1994, e signatário de ato de decretação do RAET.

Quanto ao primeiro, a CPI não pode, devido à sua ausência nas datas marcadas para ouvi-lo, avaliar e cotejar as motivações que, em maio de 1994, quando ainda era Governador do Ceará, o levaram a declarar em entrevista que o Banespa era um banco quebrado, e aquelas que o levaram a recomendar ao Banco Central, em setembro do mesmo ano, como Ministro da Fazenda, a intervenção no Banespa. Para esta CPI há fortes indícios de que não se trata de fatos isolados, o que poderia ser esclarecido por aquela ex-autoridade, e que tal afirmação pode ter sido o início do processo perda de confiança na instituição por parte de outros bancos.

Quanto ao Dr. Pedro Malan, que estava à frente do Banco Central do Brasil há quatorze meses, quando da decretação do RAET, e que está à frente do Ministério da Fazenda desde janeiro de 1995, a CPI julga que teria importantes esclarecimentos a dar, pelas informações que detinha, e detém, em função dos cargos acima citados.

A CPI enviou formalmente para aquelas testemunhas convocadas as perguntas abaixo transcritas, que estavam previamente elaboradas, e que seriam formuladas pelo Deputado Luiz Antônio Fleury, durante os respectivos depoimentos:

 

QUESTIONAMENTOS AO SR. CIRO FERREIRA GOMES, MINISTRO DE ESTADO DA FAZENDA À ÉPOCA DA INTERVENÇÃO NO BANESPA

 

 

1 - Dr. Ciro Gomes, V. Exa. declarou, em 1994, que o Banespa era um banco quebrado ou falido, o que foi motivo de uma interpelação judicial por parte do então presidente daquela instituição, pelos possíveis danos que tal declaração pudessem ocasionar ao banco. Aliás, o Ministro da Fazenda afirmou recentemente que demitira, do cargo de confiança que vinha ocupando, um servidor daquele ministério, o qual fez referência à difícil situação que um banco de médio porte vinha enfrentando. Tendo em vista que o Banespa havia auferido lucro no exercício anterior e tinha patrimônio líquido positivo de mais de um bilhão e meio de reais, Vossa Excelência fez, em seguida à declaração, algum tipo de correção?

2 - Quais os critérios técnicos em que se baseou V.Exa. para determinar, já na primeira semana de sua passagem à frente do Ministério da Fazenda, ao Banco Central a intervenção no Banespa?

3 – Por que a determinação de Vossa Excelência só foi cumprida em 29 de dezembro de 1994, já que o Presidente do Banco Central era seu subordinado?

 

QUESTIONAMENTOS AO SR. MINISTRO DE ESTADO DA FAZENDA PEDRO SAMPAIO MALAN

 

1 - Sr. Ministro, V. Exa., como Presidente do Banco Central, entre setembro de 1993 a dezembro de 1994, encaminhou ao Ministério Público alguma comunicação com vistas a abertura de investigação ou processo a respeito de irregularidades ou infrações a normas do Conselho Monetário Nacional e do Banco Central cometidas por administrações do Banespa?

2 - EM CASO DE RESPOSTA NEGATIVA:

Não houve então, nas fiscalizações feitas pelo Banco Central, indícios de irregularidades ou infrações que justificassem oficiar o Ministério Público?

3 - EM CASO DE RESPOSTA AFIRMATIVA:

Poderia V. Exa. apontar os casos que motivaram o Banco Central a pedir providências ao Ministério Público?

4 - Sr. Ministro, tanto no caso do Banespa como no do Banco Nacional, ambos grandes varejistas, o RAET foi decretado após importante refluxo no suporte que o Banco do Brasil prestava na captação de recursos no mercado. O refluxo do Banco do Brasil, nestes casos, é decidido apenas pelo Banco Central, ou há a interferência ou participação para tal decisão do Governo Federal, ou seja, do Ministro da Fazenda?

5 – Se desde setembro de 1994 o Banespa estava recebendo recursos do GEROF, porque o fluxo foi interrompido no dia 29 de dezembro e restabelecido no dia imediatamente posterior, prolongando-se o auxílio até a federalização do Banco?

6- Vossa Excelência, já como Ministro da Fazenda, teve conhecimento do Relatório Preliminar, apresentado pela Comissão de Inquérito, que considerava o Banespa com patrimônio positivo, e das determinações da diretoria do Banco Central no sentido de alterar o balanço de 1994 do Banespa para torná-lo negativo, lançando a totalidade dos débitos do Estado de São Paulo nesse balanço, embora apenas uma prestação estivesse em atraso a quatorze dias à época da decretação do RAET?

Até a elaboração do Relatório Final da CPI, apenas o Sr. Ministro da Fazenda havia enviado as seguintes respostas:

Pergunta 1: “Levantamento realizado pelo Departamento Jurídico do Banco Central informa, conforme o Anexo n. 1, que não houve encaminhamento de comunicação ao Ministério Público por parte do Presidente do Banco Central entre setembro de 1993 e dezembro de 1994, período em que exerci este cargo”

Pergunta 2: “À época, as comunicações ao Ministério Público eram efetuadas após a conclusão do Processo Administrativo. Dessa forma, a ausência de tais comunicações não significa, necessariamente, ausência de irregularidades.

O Anexo n.2 apresenta um quadro demonstrativo dos Processos Administrativos abertos contra o Banespa entre os anos de 1990 e 2002, com a respectiva conclusão e/ou posição atual.”

Pergunta 3: “Prejudicado”

Pergunta 4: “A atuação do Banco do Brasil no mercado interbancário, financiando ou recendo financiamento de outras instituições financeiras, é uma decisão de competência exclusiva da Diretoria daquele Banco, não cabendo interferência ou participação do Presidente do Banco Central ou do Ministro da Fazenda naquela decisão.”

Pergunta 5: “De acordo com a resposta anterior, as decisões do GEROF no mercado interbancário são de alçada da Diretoria do Banco do |Brasil. Portanto, não cabe ao Presidente do Banco Central ou ao Ministro da Fazenda qualquer decisão sobre o assunto.

Em seção pública da CPI BANESPA, o Sr. Carlos Augusto Meinberg prestou o seguinte depoimento: “Na virada do mês de outubro para novembro, repentinamente, a GEROF passou a transferir menos dinheiro para o BANESPA, obrigando-o a ir ao redesconto, o que aconteceu, em volumes crescentes de redesconto e decrescentes das providências da GEROF, até 28 de dezembro”.

Nesse sentido, o Anexo n.3 mostra um quadro da evolução, dia a dia, das captações do BANESPA junto ao GEROF e ao Banco Central/Assistência de Liquidez, no período compreendido entre os dias 1° de setembro e 30 de dezembro de 1994, demonstrando a tendência do GEROF de diminuir sua exposição ao risco de inadimplência do BANESPA. Adicionalmente, o mesmo anexo inclui um gráfico dessa evolução.”

Pergunta 6: “Não, não tive conhecimento do Relatório Preliminar. O Ministro da Fazenda não recebe relatórios de comissões de inquérito do Banco Central sobre instituições financeiras em regimes especiais, pois tal assunto é de competência do próprio Banco Central.”

Deve ser destacado que a alta administração do Banco, ao consolidar a sua percepção, ainda em 1993, de que Governo Federal teria que implantar um amplo programa de estabilização econômica, elaborou  o Plano de Ação 1994 baseado em três linhas de ação: reforma de ativos, com desimobilização e negociação da solução dos créditos; reforma estrutural e reforma cultural do banco. Tal plano foi objeto de prolongadas discussões e análises, a partir de maio de 1994, entre técnicos do Governo de São Paulo, do Ministério da Fazenda e do Banco Central, resultando delas o Programa Estadual de Privatização, na forma de um projeto de lei encaminhado à Assembléia Legislativa de São Paulo em outubro daquele ano, e a decisão de se proceder a uma chamada para aumento do capital do banco, que reduziria a participação do Estado para 66% (sessenta e seis por cento).

IX.2. SOBRE A Transferência da dívida do Governo do Estado de São Paulo para créditos em liquidação no balanço de 1994

Este item constitui o ponto central das investigações. Após uma extensa e minuciosa análise de depoimentos, relatórios, correspondências, pareceres e outros documentos, esta Comissão Parlamentar de Inquérito, no que se refere à questão do lançamento da dívida do setor público paulista em contas de créditos em liquidação e da respectiva “provisão para devedores duvidosos” apresenta a síntese e conclusões que se seguem.

O contexto em que se insere a discussão sobre a elaboração do balanço de 1994 promovendo-se lançamentos contábeis no sentido de considerar a dívida do Governo do Estado de São Paulo como créditos de difícil liquidação pode ser analisado, sinteticamente, da seguinte forma[1]. Decretado o RAET, passa a exercer suas funções imediatamente um Conselho Diretor, o qual, entre outras funções, deverá levantar o balanço geral e apresentar, no prazo de sessenta dias, relatório contendo o exame da escrituração e a exposição da situação financeiro-econômica da instituição. Ao mesmo tempo, é instalada uma Comissão de Inquérito para levantar as causas que levaram a instituição àquela situação determinante da intervenção e apurar os prejuízos e a responsabilidade dos administradores e membros do Conselho Fiscal, os quais, na forma do art. 36 da Lei nº 6.024, de 1974, têm seus bens tornados indisponíveis. Os controladores da instituição respondem solidariamente com os ex-administradores, independente de dolo ou culpa, conforme previsto no art. 15 do Decreto-Lei nº 2.327, de 1987. Contudo, a responsabilidade solidária dos ex-administradores e controladores circunscreve-se ao montante do Passivo a Descoberto, apurado com base no balanço do dia da intervenção. Se a Comissão de Inquérito do Banco Central concluir pela inexistência de Passivo a Descoberto (patrimônio líquido negativo), não haverá responsabilidade solidária dos ex-administradores e controladores e o Banco Central deverá, conforme prevê o parágrafo único do art. 44 da Lei nº 6.024/74, levantar a indisponibilidade dos bens anteriormente decretada.

O fato de não haver Passivo a Descoberto não significa a inexistência de prejuízos, mas sim que não há um prejuízo pelo qual devam responder solidariamente os administradores e os controladores. Outros prejuízos, e respectivos responsáveis, devem ser identificados no processo de auditoria das operações da instituição. No caso do Banespa, só haveria Passivo a Descoberto se  o total da dívida do Estado de São Paulo junto ao Banespa, em dezembro de 1994, fosse lançada em créditos em liquidação. Tal lançamento foi determinado pela diretoria do Banco Central, em 11.08.95, por iniciativa dos diretores Alkimar Moura e Cláudio Mauch, mas não se tornou efetivo em razão de liminar deferida pelo Poder Judiciário do Estado de São Paulo, em sede de medida cautelar inominada proposta pelo ex-governador Orestes Quércia e pelo ex-secretário da Fazenda José Machado de Campos Filho (Processo nº 1865/95).

É exatamente essa determinação do Banco Central que se colocou no centro da discussão e sobre a qual se debruçou esta CPI, para apurar sua correção, legalidade, legitimidade e motivação.

Com estas explicações iniciais, entende-se melhor o conteúdo da reportagem “A Arapuca Tucana” ,publicada na edição de 17 de agosto de 1996, da revista Carta Capital, e as razões da preocupação que demonstrou, na reportagem, o ex-diretor de Política Monetária do Banco Central, Alkimar Moura[2] (“eu não acredito que os ex-governadores possam sair desse caso sem serem responsabilizados”): se a Comissão de Inquérito não concluísse seu relatório pela existência de Passivo a Descoberto, os ex-administradores e governadores não poderiam ser responsabilizados de uma forma objetiva, independente de dolo ou culpa. Para a devida responsabilização civil e penal, seria (e é) necessária a obtenção de elementos configuradores de dolo ou culpa em operações lesivas ao banco. E tais providências foram inicialmente adotadas pela Comissão  de Inquérito do Banco Central e estão sendo perseguidas pelo Ministério Público.

A intenção do ex-diretor Alkimar Moura divulgada na reportagem da revista CartaCapital também foi manifestada em outra ocasião, segundo reportagem do jornal o Estado de São Paulo sobre reunião[3] em que participaram, também, o Dr. Marco Vinício Petrelluzzi, promotor de justiça,  ex-assessor jurídico do Governador Mário Covas e ex-secretário da Segurança Pública do Estado de São Paulo, e o Dr. Yoshiaki Nakano, ex-secretário de Fazenda do Estado de São Paulo[4]:

O SR. MARCO VINÍCIO PETRELLUZZI – Nessa reunião, pelo Estado de São Paulo, participaram o Governador Mário Covas, o Secretário Yoshiaki Nakano, Secretário David Zylbersztajn, que era Secretário de Energia à época, e eu. Aquela foi uma reunião aonde São Paulo levou a sua proposta para retomar a suspensão do RAET e retomar o controle do Banco [...]. E no meio dessa conversa, que teve uma série de fatos, uma discussão sobre o comportamento até da Diretoria que havia assumido, que havia se negado a ceder uns veículos para a campanha de vacinação, enfim, algumas coisas assim, menos significativas, chegou-se a uma questão que era central, que era a publicação do balanço. O Estado de São Paulo entendia que o balanço tinha que ser publicado. Havia uma informação de que a Diretoria do Banco Central entendia que tinha que publicar o balanço considerando os créditos contra o Estado de São Paulo como créditos duvidosos — eu não sei se o termo adequado é esse —, o que transformaria o patrimônio do Banco em patrimônio líquido negativo. E contra isso o Estado de São Paulo se insurgia, até porque entendia que não era um credor duvidoso, entendia que era um credor adequado. Eu me recordo, em relação a essa frase que me é atribuída, que num determinado momento me parece que o Dr. Alkimar Moura — eu não tenho certeza se foi ele ou se foi o Presidente, o Gustavo Loyola, se não me engano — disse que era importante essa consideração desses créditos dessa forma, no sentido de se buscar responsabilização das pessoas... ele não usou a expressão, que eu me lembre, a expressão “administração anterior”, mas os responsáveis, até porque havia muita discussão desde quando se originavam esses créditos. Então, não era uma coisa só singela. E se colocou essa questão. E o Governador Mário Covas, que sempre lembrava que eu era promotor, até de uma forma muito simpática, jocosa, algumas brincadeiras que havia entre nós, ele havia feito essa lembrança várias vezes durante a reunião. E aí, nesse momento, eu me lembro que eu disse alguma coisa semelhante a essa frase, não creio que tenha sido exatamente assim. Mas eu disse que como promotor eu entendia que não seria o fato de se publicar o balanço com patrimônio líquido negativo que iria, por si só, induzir a uma responsabilização penal ou não. Eu dizia que a questão era muito mais complexa do que isso. Então, me recordo desses fatos.  [...]

O SR. YOSHIAKI NAKANO Eu me lembro, mas na verdade essa reunião não tinha sido marcada para discutir o balanço do Banespa. Em relação à questão do patrimônio negativo ou não, é evidente que nós sempre fomos contra desde o primeiro momento, por uma razão muito simples: além de o Banespa ser um patrimônio do Estado, no sentido em que o Tesouro do Estado é o acionista controlador do banco, eu também fui Presidente do CODEC, Conselho de Defesa de Capitais do Estado, e tenho a obrigação de defender o patrimônio público representado pelas empresas, fundações do Estado, e é evidente que, se você publica um balanço com um patrimônio negativo, imediatamente, se fosse em qualquer outra parte do mundo, ele seria fechado de imediato, porque o banco, na verdade, é uma entidade que administra recursos de terceiros. Se o terceiro recebe um relatório dizendo: olha, você depositou, mas já não tem mais como sacar aquilo que você depositou porque o patrimônio é negativo, é evidente que você está levando o banco para uma situação extremamente difícil, e o que dizer no exterior? O Banespa tinha agência no exterior, e essas legislações são mais rigorosas lá.  Então, a posição da gente era defender o patrimônio do Estado. [...] E a reunião entrou também nessa questão do patrimônio negativo, e eu tenho... Eu não posso afirmar categoricamente que os termos exatos são esses, mas eu acho que reproduz fielmente alguns dos diálogos. Aquilo que eu disse, com certeza, posso afirmar que isso foi colocado da minha parte. Aliás, eu fiz publicamente. Cheguei a escrever uma vez uma resposta para O Estado de S. Paulo e fui criticado por uma série de razões, dizendo que não podia colocar o banco do Estado com patrimônio negativo, ainda mais que o Tesouro do Estado, de alguma forma, vinha honrando com seus compromissos e tinha a disposição de negociar. Isso tinha sido documentado, porque nós mandamos ofício para documentar a solicitação de negociação, já que a resposta estava demorando.

O SR. DEPUTADO ROBSON TUMA – Então, deixa eu tentar usar um pouco da memória do senhor outra vez. Então, naquele momento, vieram para uma reunião, mas acabou sendo discutido o balanço.

O SR. YOSHIAKI NAKANO Não, não. Foi apresentada a proposta novamente para o Sr. Governador ao Presidente do banco, e no diálogo acabou surgindo o problema também do balanço.

O SR. DEPUTADO ROBSON TUMA – Naquele momento, o Dr. Alkimar Moura deixou claro que precisava fazer balanço negativo, e aí o Governador e o senhor obviamente reagiram?

O SR. YOSHIAKI NAKANO – Isso já estava público há algum tempo. Eu não lembro exatamente quando.

O SR. DEPUTADO ROBSON TUMA – Mas ele dizia exatamente por que tinha que ser feito o balanço negativo?

O SR. YOSHIAKI NAKANO – Não, a não ser essa frase que está aí, aparentemente, que o Sr. Deputado reproduzia...

O SR. DEPUTADO ROBSON TUMA – Que ele falou que era para responsabilizar...

O SR. YOSHIAKI NAKANO – Que as gestões anteriores precisavam ser responsabilizadas pelo que tinha acontecido ao Banespa. Agora, o entendimento técnico do Banco Central é de que o Estado devia ser considerado e eles recorriam a uma resolução do Conselho Monetário Nacional ...

A única forma de responsabilizar rapidamente os atuais e ex-administradores e controladores (governadores e secretários de Estado), de uma forma ampla, que prescindisse de uma demorada e laboriosa análise de casos e responsabilidades, era fazer com que o Banespa apresentasse Passivo a Descoberto. E a forma encontrada, denunciada pela reportagem e confirmada nas investigações desta CPI, foi a aplicação desvirtuada[5], por diretores do Banco Central, do inciso IX do art. 1º da Resolução nº 1.748/90, que, a seu critério, determinou, em 11.08.95, que a dívida não vencida do Estado de São Paulo fosse transferida para contas de crédito de difícil liquidação, efetuando-se a respectiva provisão para devedores duvidosos, o que resultaria em um patrimônio líquido negativo da ordem de R$ 4,2 bilhões, não fosse a já mencionada decisão judicial.

Essa manobra ilegal e ímproba alcançava, subsidiariamente, também o objetivo de apresentar à sociedade uma imagem cada vez pior da situação patrimonial do Banespa, com o intuito de conquistar apoio político para a intervenção realizada e a subseqüente privatização do banco. Buscar a privatização dos  bancos estaduais não constitui nenhum crime, mas manipular legislações, sim. Os fins não justificam os meios.

O Conselho Diretor, ao assumir suas funções, deve levantar imediatamente o balanço da instituição na data da intervenção. O balanço do exercício de 1994 deveria estar disponível para os acionistas nos primeiros três meses do ano de 1995 (arts. 132 e 133 da Lei nº 6.404/76 – Lei das Sociedades por Ações). Mas a elaboração dos demonstrativos contábeis definitivos se deu apenas no final do mês de agosto. Durante quase oito meses o Conselho Diretor permaneceu aguardando resposta à consulta que havia formulado ao então presidente do Banco Central, Pérsio Arida, em 26.01.95, sobre o tratamento contábil a ser dado às dividas do setor público estadual[6]. O balanço de 1994 só foi elaborado após o presidente do Conselho Diretor, Antônio Carlos Feitosa, ter recebido ofício assinado pelos diretores Alkimar Moura e Cláudio Mauch, no qual diziam entender como adequada a transferência para “créditos em liquidação” dos créditos contra o setor público estadual, com a constituição de “provisão para créditos de liquidação duvidosa”".

Toda essa demora[7] da diretoria do Banco Central em se manifestar sobre essa consulta se deveu às razões expostas anteriormente: a tentativa de utilização de critérios contábeis sobre provisionamento de créditos para atender a interesses políticos e pessoais, visando responsabilizar, por meios ilícitos e ilegítimos, autoridades do governo do Estado de São Paulo, bem como construir perante a opinião pública uma falsa visão da situação patrimonial do Banespa, facilitando a conquista de apoio da opinião pública para o processo de privatização do banco, acordado com o Fundo Monetário Internacional. Uma questão notoriamente polêmica, política e juridicamente.

O Conselho Diretor do Banespa tinha autonomia, e obrigação legal, para elaborar o balanço de 29 de dezembro de 1994 lançando ou não a dívida pública do Estado de São Paulo e suas empresas em créditos em liquidação. Não podia se omitir quanto às exigências legais sobre as demonstrações contábeis e financeiras da instituição alegando que aguardava manifestação do Banco Central sobre o tratamento a ser dado à questão da dívida do setor público estadual.

Conforme assenta em seu parecer, parte integrante deste relatório, o Professor Dr. Fábio Ulhoa Coelho (professor titular da cadeira de Direito Comercia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), “os membros do conselho diretor de instituição sob o RAET têm as mesmas responsabilidades que a lei das sociedades anônimas imputa aos administradores das companhias em geral (membros do conselho de administração ou da diretoria), pelos atos praticados na gestão da instituição em regime excepcional. [...] Se os administradores de uma instituição financeira qualquer atrasam a publicação das demonstrações contábeis, eles respondem pelos prejuízos a que derem causa não somente à própria instituição, como perante os acionistas.”[8]

O ex-presidente do Banco Central, Pérsio Arida, enquanto esteve na presidência, se negou a dar qualquer orientação ao Conselho Diretor quanto à transferência da dívida do setor público paulista para créditos em liquidação, pois entendia, como afirmou perante esta CPI, que era uma decisão da alçada exclusiva daquele órgão. Importante, contrapor, que de modo diverso, procedeu o ex-presidente Gustavo Laboissière Loyola, que participou decisivamente da determinação dada ao Conselho Diretor para que efetivasse o lançamento.

Enquanto o Conselho Diretor, assumia uma postura de “lavar as mãos” , recusando-se a elaborar o balanço sem uma decisão da diretoria do Banco Central a respeito do lançamento ou não da dívida do Estado de São Paulo e das suas empresas  em créditos em liquidação, a Comissão de Inquérito, com prazo certo para concluir seu relatório,[9] mantinha-se em permanente estado de preocupação, pois precisava do balanço de 1994 para constatar a existência ou não de Passivo a Descoberto e responsabilizar os controladores, se fosse o caso.

O presidente da Comissão de Inquérito, Antônio Carlos Verzola, cobrou insistentemente as demonstrações contábeis, formalizando as cobranças em ofícios[10], nos quais afirmava ser aquele demonstrativo contábil “instrumento fundamental para a eventual atribuição de responsabilidades a ex-dirigentes desse banco, pelos prejuízos porventura causados (artigo 40 da Lei nº 6.024/74 c/c o artigo 15 do Decreto-Lei nº 2.321/87)”, e sem o qual não podia se posicionar “quanto à eventual atribuição de responsabilidades a ex-dirigentes da instituição pelos prejuízos, porventura, causados “.

Num desses ofícios, o presidente da CI afirmou: “ a) em 30.12.94, o “cliente” Estado de São Paulo não tinha parcela da dívida renegociada em atraso, objetivamente passível de inscrição em Créditos em Liquidação. Naquela data, o último vencimento situava-se em 15.12.94; [...] c) de modo mais subjetivo, poderia a Autoridade Monetária considerar o total da dívida como de difícil realização e, portanto, sujeito a inscrição em “Créditos em Liquidação”. Tal evento, no entanto, levaria o banco a uma situação de Passivo a Descoberto, com todas as implicações legais decorrentes, a principal delas a própria liquidação extrajudicial da entidade.”

Como o prazo da CI estava se esgotando, sem que ela dispusesse do balanço da data da intervenção (29.12.94), a Comissão decide elaborar um relatório preliminar[11] com base no balancete já levantado pelo Conselho Diretor, mas ainda não consubstanciado em balanço. A existência desse relatório, até então desconhecido pela CPI, só veio à tona com o depoimento do presidente da CI, Antônio Carlos Verzola, e de uma forma inesperada, a partir de uma outra pergunta do Deputado Luiz Antônio Fleury:

O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Antonio Fleury) – [...]  Agora, das fls. 11.931 até as fls. 12.021, no 41º volume, estão notificações datadas e expedidas em 16/8/95 para que todos os ex-administradores do Banespa apresentassem suas alegações e explicações, sendo que uma delas foi entregue no mesmo dia, dia 16, ao Sr. Luiz Carlos Pereira Carvalho. Como é que V.Exa. expediu essa intimação se não havia ainda uma definição e sequer havia o balanço do Banespa e nem a definição? Como é que eles poderiam se defender se o inquérito não estava concluído? Ou havia um relatório anterior que foi substituído?

O SR. ANTONIO CARLOS VERZOLA - Não, não havia nenhum relatório anterior que foi substituído. Formal e institucional do Banco Central, não.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Antonio Fleury) - Não, não. Formal e institucional, então, quer dizer que existia um informal?

O SR. ANTONIO CARLOS VERZOLA - Existia uma simulação...

O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Antonio Fleury) - Uma simulação, por quê?

O SR. ANTONIO CARLOS VERZOLA - Por que existia isso?

O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Antonio Fleury) - Por que existia? Eu quero saber.

O SR. ANTONIO CARLOS VERZOLA - Porque nós nos aproximávamos do prazo fatal para concluir os trabalhos, tínhamos poucos dias e não havia uma definição do banco. Nesse mesmo telefonema que eu disse ao senhor, que foi mantido com o Sr. Manoel Lucívio de Loiola, eu disse a ele que nós tínhamos poucos dias de prazo, que nós estávamos trabalhando com uma simulação. Porque, se não houvesse uma definição do Banco Central e do Conselho Diretor do Banespa em tempo hábil, essa simulação se converteria no relatório da Comissão de Inquérito.

  [...]

O SR. DEPUTADO MARCELO BARBIERI - Uma questão de ordem, Presidente. Um esclarecimento sobre essa questão que está polemizando: se esse relatório que o Sr. Verzola fez foi encaminhado ao Ministério Público.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Antonio Fleury) - Essa simulação. Foi.

O SR. ANTONIO CARLOS VERZOLA - Não. O relatório que foi encaminhado é o relatório que...

O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Antonio Fleury) - E essa simulação foi destruída? Não há cópia da...

O SR. ANTONIO CARLOS VERZOLA - Não, ela ficou guardada porque, se chegasse o dia em que nós tínhamos que apresentar...

[...]

O SR. ANTONIO CARLOS VERZOLA - Então, eu vou lhe explicar com detalhes como é que aconteceu isso. Eu falava do telefonema que havia com o Sr. Manoel Lucívio de Loiola.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Antonio Fleury) - Vamos lá.

O SR. ANTONIO CARLOS VERZOLA - Eu dizia a ele: olha, está se aproximando o prazo fatal e não há uma definição por parte do Conselho Diretor e por parte do Banco Central sobre o tratamento a ser dado à dívida que o Estado tem para com o Banespa. Se essa definição não chegar em tempo hábil, nós estamos aqui com uma simulação pronta, porque nós temos um prazo a ser observado e, se não houver essa definição, nós nos valeremos daquele resultado que encontrarmos na última demonstração financeira realizada pelo Banespa. Essa demonstração financeira, como já foi dito aqui, nessa demonstração financeira, a dívida do Estado não estava em crédito de liquidação. Portanto, temos uma simulação pronta que aponta, caso não haja definição por parte do Banco Central, pela inexistência de um passivo a descoberto e o conseqüente arquivamento dos autos. Aí o Sr. Manoel Lucívio de Loiola me pediu: "Olha, me mande uma cópia dessa simulação", porque nós não acreditávamos mais que houvesse definição, dado que faltavam pouquíssimos dias para que se escoasse o prazo que a Comissão tinha. Não contávamos mais com isso, sinceramente não.

[...] 

O SR. ANTONIO CARLOS VERZOLA - O documento contábil, elaborado pelo Banespa, que nós tínhamos em mãos, era aquele último da administração anterior ao regime especial. E, naquele último documento, os créditos do Banespa contra o Estado estavam em operações de curso normal.

[...] 

O SR. DEPUTADO MARCELO BARBIERI - Só para saber: o fato de não ter o crédito de liquidação, o senhor mandaria arquivar, então, o inquérito? É isso?

O SR. ANTONIO CARLOS VERZOLA - A proposta seria no sentido de arquivar, se não houvesse crédito de liquidação.

[...]

O SR. DEPUTADO ROBSON TUMA - Se eles não definissem, o senhor não teria como concluir o seu relatório?

O SR. ANTONIO CARLOS VERZOLA - Não. Eu teria que concluir segundo essa minuta que havia sido feita.  

Neste relatório preliminar, encaminhado posteriormente à CPI, conclui-se:

 “Finalizando, a hipótese de que o banco apresentasse as situações previstas no parágrafo único do artigo 40 da Lei nº 6.404/74[12] e no parágrafo segundo do artigo 15 do Decreto-Lei nº 2.321/87[13],, não se configurou tomados os números relativos aos balanços de dezembro de 90, 91, 92, 93 e no balancete levantado pelo Banespa referente à data-base de 31.12.94, e com a qual trabalhamos em vista da ausência dos demonstrativos contábeis de que trata o parágrafo segundo do artigo 9º da Lei nº 6.024/74.

Especificamente, quanto à existência de passivo a descoberto, situação que nos levaria a imputar responsabilidade solidária aos ex-administradores para que respondessem, com seus bens pessoais, para a recomposição patrimonial da instituição, a única possibilidade fática que levaria o banco a tal circunstância seria o reconhecimento como Créditos em Liquidação da dívida bancária do Estado de São Paulo e suas empresas, objeto da renegociação de 1992.

Tal possibilidade, entretanto, não se materializou, até mesmo porque, na data da decretação do RAET, referidos créditos não reuniam condições para a inscrição em Créditos em Liquidação, permanecendo contabilizados em contas de cursos normal, conforme se verifica da análise do balancete patrimonial apresentado pelo Banespa em 31.12.94.

6.   CONCLUSÃO

Dessarte, face à inocorrência legal de passivo a descoberto, única hipótese que nos levaria a imputar aos administradores da instituição a responsabilidade solidária pelos prejuízos causados, impõe-se a esta Comissão o arquivamento dos Autos no âmbito do Banco Central, nos exatos termos do art. 44, da Lei nº 6.024/74, combinado com o parágrafo segundo, do art. 15, do Decreto-Lei nº 2.321/87.”

A ingerência de membros da alta cúpula do Banco Central começaram a se dar de forma concreta quando, na ausência de balanço, o então subprocurador-geral Manoel Lucívio de Loiola pressionou o presidente da Comissão de Inquérito, Antônio Carlos Verzola, para que levantasse um balanço considerando a dívida do Estado de São Paulo como créditos de difícil liquidação. Antônio Carlos Verzola, como disse em seu depoimento, se recusou:

O SR. ANTONIO CARLOS VERZOLA - Como não concordei anteriormente quando me propuseram que eu, como Presidente da Comissão, deveria, face à inércia do conselho diretor e à falta de definição do Banco Central, deveria eu estimar qual a posição contábil do Banespa. E eu me recusei.

O SR. DEPUTADO RICARDO BERZOINI - Isso lhe foi proposto oficialmente por escrito?

O SR. ANTONIO CARLOS VERZOLA - Foi. Foi proposto oficiosamente. Por escrito não, por telefone.

O SR. DEPUTADO RICARDO BERZOINI - Oficiosamente, por telefone. Por quem?

O SR. ANTONIO CARLOS VERZOLA - Olhe, como não está havendo uma definição... Pelo Sr. Manoel Lucívio de Loiola.

O SR. DEPUTADO RICARDO BERZOINI - Sr. Manoel Lucívio de Loiola.

O SR. ANTONIO CARLOS VERZOLA - Como estava se aproximando o prazo fatal de 240 dias que a Comissão tinha para concluir os seus trabalhos, não havia uma definição a propósito disso, eu telefonei para aquele que, no jurídico, orientava os trabalhos da Comissão sob o aspecto legal — a gente trocava idéias — que nós precisávamos daquela definição. Ele me disse que eu teria autonomia e poderia considerar a dívida do Estado como de difícil liquidação. Eu disse que não faria isso, porque isso é uma atribuição do Conselho Diretor.

O SR. DEPUTADO RICARDO BERZOINI - Poderia considerar tanto em um sentido como em outro.

O SR. ANTONIO CARLOS VERZOLA - Ele disse que eu poderia fazer a estimativa.

O SR. DEPUTADO RICARDO BERZOINI - O senhor avaliou que essa não era sua função.

O SR. ANTONIO CARLOS VERZOLA - Não era minha atribuição. Eu disse: senhor, eu não vou fazer isso, não concordo com esse posicionamento. Se o senhor quer que alguém faça isso, o senhor coloque outro em meu lugar. Não sou eu que vou dizer que tal dívida é de difícil liquidação ou não. Quem tem que dizer isso é o Conselho Diretor.

Diante da firme decisão da Comissão de Inquérito de adotar o relatório preliminar se até a data de encerramento de seus trabalhos não lhe fosse apresentado um balanço de 1994, pelo Conselho Diretor, com uma posição patrimonial negativa, decide-se realizar uma reunião entre o presidente do Banco Central, Gustavo Loyola, e os diretores Alkimar Moura e Cláudio Mauch e os membros da Comissão de Inquérito No histórico das comissões de inquérito do Banco Central nunca havia sido realizada reunião semelhante, conforme relataram aqueles que dela participaram a esta CPI. A relação de causa e efeito entre o relatório preliminar e a decisão de realizar essa reunião fica demonstrada nas partes que se seguem do depoimento de Manoel Lucívio de Loiola[14]:

O SR. MANOEL LUCÍVIO DE LOIOLA – [...]  Porque têm aqueles prazos de apresentar alegações, depois tem que fazer o relatório final. A gente controlava. Quando chegava no meu controle, eu colocava um mês antes, noventa dias ou, no caso, 210 dias, que era o prazo fatal para mim, para cobrar à comissão. Aí eu cobrava à comissão, certo? Depois disso, foi quando eu estava... Quando eu recebi um relatório, que seria um projeto de relatório, que seria superavitário, certo, porque eu pedi: “Manda para mim, então, esse esboço preliminar.”

O SR. DEPUTADO ROBSON TUMA - Foi o preliminar (ininteligível).

O SR. MANOEL LUCÍVIO DE LOIOLA - Preliminar. Exato. Eu recebi e foi quando... Aí foi uma outra fase, que eu cheguei para a diretoria e falei: “O relatório está aqui, vai chegar dessa forma aqui.” Foi quando a diretoria disse: “Então, vamos conversar com o pessoal da comissão.”

[...]

O SR. MANOEL LUCÍVIO DE LOIOLA - De posse desse relatório, eu mostrei, levei o relatório, quando eles pediram para que marcasse, e nós viemos conversar com a Comissão.

[..]

O SR. DEPUTADO RICARDO BERZOINI - Só para ficar claro, Sr. Relator: quem é que pediu a reunião? Quem pediu essa reunião foi...?

O SR. MANOEL LUCÍVIO DE LOIOLA - Foi a diretoria. Eu, quando falo "diretoria", eu estou dizendo em tese...

[...]

O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Antonio Fleury) - Só para esclarecer: o senhor disse que quando o senhor mostrou o balanço, quando o senhor mostrou o relatório...

O SR. MANOEL LUCÍVIO DE LOIOLA - Mostrei o relatório e falei: "Se não sair, vai sair desse jeito".

[..;

O SR. DEPUTADO ROBSON TUMA - E depois que o senhor falou com a diretoria do Banco Central, qual foi a orientação que o senhor deu ao Dr. Verzola e para a Comissão?

O SR. MANOEL LUCÍVIO DE LOIOLA - Falamos, como já repeti, já disse, falei sobre o... mostrei o relatório e pediram para que marcasse um dia para eles conversarem com a Comissão em São Paulo.

[...]

O SR. DEPUTADO ROBSON TUMA - Quem pediu para que o senhor marcasse a reunião com a Comissão de Sindicância?

O SR. MANOEL LUCÍVIO DE LOIOLA - A Diretoria, cujo integrante eu não me recordo.

[...]

O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Antonio Fleury) - Mas, desses parâmetros, então, se tivessem lançado a dívida de São Paulo em crédito em liquidação, não haveria a reunião?

O SR. MANOEL LUCÍVIO DE LOIOLA - Não sei, talvez não.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Antonio Fleury) - Não sei, não. O senhor é que levou...

O SR. MANOEL LUCÍVIO DE LOIOLA - Acho que não haveria razão, não é?

O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Antonio Fleury) - Se tivesse levado lá sem patrimônio a descoberto, não haveria?

O SR. MANOEL LUCÍVIO DE LOIOLA - Não.

O motivo da reunião do dia 07 de agosto era, então, assegurar aos membros da Comissão de Inquérito que eles poderiam elaborar outro relatório, com Passivo a Descoberto, porque a diretoria do Banco Central iria responder à consulta anteriormente formulada pelo Conselho Diretor no sentido de que levantasse o balanço de 30.12.94 contabilizando a dívida do Estado de São Paulo em créditos em liquidação. Essa era uma decisão política e já definida anteriormente, e o relatório da CI tinha que se ajustar a essa decisão: pois um relatório que não concluísse pela existência de patrimônio líquido negativo não seria aceito:

O SR. MANOEL LUCÍVIO DE LOIOLA - Essa do dia 7? Fomos ouvir os integrantes da Comissão, junto do relatório, e eles nos mostraram a dificuldade de... que não tinham acesso ao balanço. Então, a diretoria, porque, salvo engano — peço todas as vênias —, o Presidente do Conselho Diretor, salvo engano, alegava que não tinha uma ordem do Banco, alguma coisa. Foi quando eles disseram: “Não, pode fazer isso porque a ordem vai ser dada". Decidiu isso nessa reunião.

O SR. DEPUTADO MARCELO BARBIERI – Isso a que o senhor se refere é créditos em liquidação da dívida do Estado de São Paulo com o Banespa?

O SR. MANOEL LUCÍVIO DE LOIOLA - Perfeito. Que era o essencial, que mudava de positivo para negativo.

[...]

O SR. MANOEL LUCÍVIO DE LOIOLA - Não, Deputado, a reunião já estava... Nessa reunião, nós ouvimos a Comissão. A Comissão diz: Eu não posso, eu tenho que fazer esse relatório x, que é superavitário, porque eu não tenho o balanço". Pergunto: “Por que não tem o balanço?” “Porque o Conselho Diretor disse que não pode fazer o balanço porque o Banco Central não lançou crédito em liquidação, porque está esperando uma ordem do banco.” Estou resumindo. “Então, está. Se está dependendo dessa ordem, pode fazer isso, porque nós vamos dar essa ordem" — amanhã ou depois, não sei.

[...]

O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Antonio Fleury) – Mas, se o senhor me permite, o senhor me permite, aqui no relatório preliminar há uma justificativa e há uma conclusão. Veja só. Tem uma justificativa e tem uma conclusão.

O SR. MANOEL LUCÍVIO DE LOIOLA – Pelo tempo, não lembro.

O SR. DEPUTADO ROBSON TUMA – Queria que o senhor lesse, aí tira a conclusão.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Antonio Fleury) –  Então, está justificado aí.

O SR. MANOEL LUCÍVIO DE LOIOLA – Exatamente. Sr. Presidente, ele diz aqui, eu só vou mostrar: “Tal possibilidade, entretanto, que seria a existência do passivo a descoberto, não se materializou até mesmo porque na data da decretação da RAET referidos créditos não reuniam condições para a inscrição em créditos de liquidação, permanecendo contabilizados em contas de curso normal, conforme se verifica das normas do Banco do Central, patrimônio (ininteligível), apresentado pelo  Banespa em 31.12.94. Isso aqui é que não materializou, porque ele mandou como... isso aqui como um projeto — certo? — e nós levamos: Não, não é isso aqui não, vai ser, vai ser colocado em crédito em liquidação.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Antonio Fleury) – Vai ser... Quem disse isso foi a diretoria do Banco Central?

O SR. MANOEL LUCÍVIO DE LOIOLA – Foi a diretoria do Banco Central do Brasil.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Antonio Fleury) – Quer dizer, vai ser colocada, não importa. Então, o senhor disse que... Veja bem. Mas aí... Veja bem. Isso está devidamente ... Porque ele explica aí e justifica por que não está lançando.

O SR. MANOEL LUCÍVIO DE LOIOLA – É, mas ele ...

O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Antonio Fleury) – Então, juridicamente, juridicamente ele está apontando inclusive o por quê ele não lança.

O SR. MANOEL LUCÍVIO DE LOIOLA – Mas ele não passaria pelo crivo da parte contábil. É isso que eu quero mostrar para V.Exa. Ele não passaria.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Antonio Fleury) – Por que não passaria?

[..]

O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Antonio Fleury) – Mas não passaria por que?

O SR. MANOEL LUCÍVIO DE LOIOLA – Porque já estava com uma decisão...

O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Antonio Fleury) – Ah, já havia uma decisão... Quer dizer, podia apresentar o relatório que apresentasse que ia ser colocado como crédito em liquidação, é isso?

O SR. MANOEL LUCÍVIO DE LOIOLA Isso.

[...]

O SR. MANOEL LUCÍVIO DE LOIOLA – O fato de lançar em crédito de liquidação já estava decidido.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Antonio Fleury) – Já estava decidido.

O SR. MANOEL LUCÍVIO DE LOIOLA – Decidido.

[...]

O SR. DEPUTADO ROBSON TUMA – Já tinha decisão. Então, não tinha mais por que discutir aspectos jurídicos.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Antonio Fleury) – Exatamente.

O SR. DEPUTADO MARCELO BARBIERI – Então a questão é política.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Antonio Fleury) – Ele já respondeu isso. Já havia sido tomada uma decisão política de fazer...

O SR. MANOEL LUCÍVIO DE LOIOLA – Foi exatamente isso. Eu falei.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Antonio Fleury) - ... a reunião foi para convencer a Comissão de Inquérito a adotar a posição do Banco Central.

Uma vez que a decisão, cujo caráter era fundamentalmente político, já tinha sido tomada, restava dar-lhe a aparência técnico-jurídica que pudesse dissimular  a sua real justificativa. Mas se pareceu aos ex-diretores do Banco Central Alkimar Moura e Cláudio Mauch constituir tarefa fácil encontrar tais justificativas, ao formularem o Voto BCB-315/95-A[15], não conseguiram eles em seus depoimentos convencer esta Comissão Parlamentar de Inquérito. Nem eles, nem qualquer outro depoente.

Diante da dificuldade em encontrar justificativas, os diretores Alkimar Moura e Cláudio Mauch elaboraram uma resposta à consulta do Conselho Diretor evasiva e ambígua (Ofício DIFIS/DIPOM nº 95-2118):

Em razão da decisão da Diretoria deste Banco Central, entendemos como adequada a transferência para “créditos em liquidação” de tais créditos com a constituição de “provisão para créditos de liquidação duvidosa”, independentemente do prazo, mesmo porque, decorridos mais de 6 (seis) meses do início do processo de Administração Especial Temporária os pagamentos ocorridos, de parte do setor público foram insignificantes e decorrentes apenas de troca de títulos estaduais por títulos federais. As provisões, neste sentido, se limitariam a estes créditos”.

A redação, como se vê, é ambígua no que se refere à definição da responsabilidade pelo lançamento contábil, pois no ofício os diretores do Banco Central apenas “entenderam” como adequada a transferência para créditos em liquidação. Não firmaram determinação (como deveria ser no caso de aplicação da Resolução nº 1748/90)[16] para que o Conselho Diretor fizesse o lançamento, e assim possibilitava-se diluir em termos documentais as responsabilidades ante um eventual questionamento, como veio, de fato, a acontecer com a instalação desta CPI. Nos depoimentos[17] dos diretores Cláudio Mauch e Alkimar Moura e do ex-presidente Gustavo Loyola fica patente a esquiva inicial em assumir a responsabilidade pela decisão, esquiva que somente deixa de existir quando, pressionados pelos deputados membros desta Comissão Parlamentar de Inquérito, os depoentes não podem mais deixar de reconhecer que a responsabilidade pelo lançamento foi deles, como mentores.

É difícil acreditar que se uma decisão como essa tivesse se baseado em fundamentos técnicos sustentáveis em público, um ofício dessa natureza, capaz de alterar a situação patrimonial de um dos maiores bancos do Brasil, configurando uma situação inédita, contivesse apenas algumas poucas linhas sobre as razões que levaram a diretoria do Banco Central a “entender como adequada” a transferência para “créditos em liquidação”. Nem o Conselho Diretor (que apresentou o problema), nem a Comissão  de Inquérito (que pressionou pela apresentação do balanço de 1994), nem os acionistas, nem a Bovespa, nem a Comissão de Valores Mobiliários e nem mesmo o acionista controlador (o Estado de São Paulo) foram melhor informados, oficialmente, a esse respeito. 

Sobre as razões alegadas no mencionado ofício, bem discorre o jurista Fábio Ulhoa Coelho:

“No caso da dívida do Estado de São Paulo perante o BANESPA, que o Banco Central pretendia fosse provisionado como “crédito de liquidação duvidosa”, o único argumento engendrado na comunicação da decisão da Diretoria da autarquia ao conselho diretor (Ofício DIFIS/DIPOM nº 95/2118), envolvia fatos contábeis posteriores à data da decretação do RAET.

[...]

Os pagamentos realizados ou não realizados, pelo Estado de São Paulo, durante o primeiro semestre do exercício de 1995 não podem ser considerados na elaboração do balanço patrimonial do BANESPA referente ao exercício de 1994. São fatos absolutamente irrelevantes, cuja apropriação importaria inequívoco desvirtuamento do balanço.

O já citado art. 176 da Lei nº 6.404/76 é claro ao estabelecer o lapso temporal que serve de referência para as demonstrações contábeis das sociedades anônimas:

Art. 176. Ao fim de cada exercício social, a diretoria fará elaborar, com base na escrituração mercantil da companhia, as seguintes demonstrações financeiras, que deverão exprimir com clareza a situação do patrimônio da companhia e as mutações ocorridas no exercício:

I – balanço patrimonial.

A indicação de fatos contábeis estranhos ao exercício objeto do balanço como único argumento engendrado na frágil argumentação da decisão adotada pelo Banco Central revela, na verdade, a falta de fundamentos para o provisionamento da dívida do Estado de São Paulo como “créditos de liquidação duvidosa”.

Se fosse possível juridicamente considerar a dívida do Estado de São Paulo como um crédito passível de não-recebimento (de difícil liquidação), por condições de inadimplência previstas na Resolução nº 1748/90, tal lançamento contábil deveria ser procedido, se fosse o caso,  no balanço de junho de 1995, pois a inadimplência só teria sido caracterizada nos primeiros meses daquele ano (em 31 de dezembro de 1994 não era possível: o atraso era de apenas 15 dias). Seria esse o procedimento tecnicamente correto, ressalve-se, se fosse possível. Contudo, esse lançamento não atenderia aos objetivos das pessoas do Banco Central aqui investigadas, e evidenciados por esta CPI, pois o patrimônio líquido negativo ficaria assentado em demonstrativos contábeis produzidos já durante o RAET, na administração do Banco Central, não sendo possível imputar a responsabilidade solidária desejada aos ex-controladores e administradores, nem obter o ganho político desejado. E, por isso, tinha-se que fazer o lançamento no balanço de 1994, a qualquer custo.

Quanto à impossibilidade jurídica de considerar a dívida do Estado de São Paulo como um crédito passível de não-recebimento, mencionada no parágrafo anterior, o professor Fábio Ulhoa Coelho é categórico, em seu parecer: "em razão das previsões constitucionais, não existe a hipótese de o Estado de São Paulo (aliás, dele ou de qualquer outro ente da Federação) deixar de liquidar suas dívidas. Esta é uma situação impossível de ocorrer, de acordo com o direito brasileiro [...] o credor será favorecido por ordem judicial de inclusão de pagamento de seu direito no orçamento público (precatório). Por mais que demore a justiça em proferir a decisão definitiva condenatória e expedir ordem de inclusão, o certo é que o credor irá receber o seu crédito. Em outros termos, não há dúvida nenhuma, sob o ponto de vista jurídico, de que a dívida do Estado de São Paulo será liquidada [...] Note-se que a Lei nº 8.981/95, em seu art. 43, § 3º, letra "b", ao disciplinar os créditos passíveis de provisonamento na rubrica "liquidação duvidosa", excluiu, de forma expressa, os titularizados perante pessoa jurídica de direito público".  Como disse o professor, não havia dúvida que a dívida do Estado de São Paulo seria paga. E realmente foi, em 1997.

Com relação às justificativas apresentadas para a realização desse lançamento contábil, o que esta CPI constatou foi uma profusão de contradições e inconsistências (devidamente apontadas e comentadas neste relatório), tanto no interior dos próprios depoimentos individuais quanto no confronto de vários deles, havendo até mesmo a tentativa de invenção de princípio contábil, o do “fato futuro relevante”. As razões apresentadas pelos diversos depoentes não são coerentes umas com as outras, nem técnica e juridicamente consistentes. São frágeis e facilmente contestadas.

Este relatório disseca, detalha e comenta exaustivamente cada um dos depoimentos (e por isso se estendeu tanto sobre essa questão, ponto central desta CPI) e prova, incontestavelmente, e sob o respaldo de pareceres de juristas renomados, que a determinação veiculada no já mencionado Voto BCB-315/95-A não tinha nenhuma fundamentação técnico-jurídico aceitável. Esse voto sequer foi lastreado em pareceres das áreas técnica e jurídica. Pareceres esses cuja existência foi afirmada pelo ex-diretor Alkimar Moura, em seu depoimento (sob juramento):

O SR. ALKIMAR RIBEIRO MOURA- Sr. Deputado, de novo eu insisto, a reunião foi para solicitar uma decisão ao Banco Central. A decisão do Banco Central foi tomada ouvindo todas as áreas técnicas do Banco Central e o Departamento Jurídico do Banco Central. (p. 44)

O SR. ALKIMAR RIBEIRO MOURA - Houve, inclusive os pareceres das áreas técnicas e da área jurídica do Banco Central.

O SR. DEPUTADO MARCELO BARBIERI - Favoravelmente a essa decisão do senhor?  

O SR. ALKIMAR RIBEIRO MOURA - Favoravelmente a essa decisão. (p. 78)

O SR. DEPUTADO MARCELO BARBIERI - Quer dizer que, se amanhã a CPI apurar que houve dolo, que houve dano, o senhor, por exemplo, irá se basear nesse parecer jurídico para se defender de uma possível imputação de responsabilidade ao senhor no caso de haver essa interpretação pela CPI. Concorda comigo? O senhor está de acordo?

O SR. ALKIMAR RIBEIRO MOURA - Eu estou dizendo o seguinte: as decisões do Banco Central foram baseadas em parecer das áreas técnicas e das áreas jurídicas do Banco Central. (p. 88)

Contudo ofício do Banco Central comprova que tais pareceres não existem. O Ofício GT-CPI/BANESPA 2001/26, de 05.12, elaborado em resposta ao Ofício nº 106/01 da CPI - que solicita ao Banco Central “cópia dos pareceres que embasaram a aludida decisão da Diretoria do Banco Central” -, esclarece:

“[...] O Voto BCB nº 315/95-A contém toda a exposição de motivos que o justificam, tendo sido também apreciado pela Procuradoria Geral desta Autarquia, conforme indica a chancela aposta naquele documento. Em nossos arquivos não foram localizados outros documentos e/ou pareceres a respeito”.

Sobre essa questão o professor Fábio Ulhoa Coelho assim se manifestou em seu parecer:

Ao determinar que a dívida do Estado de São Paulo frente ao BANESPA fosse contabilizada, no balanço referente ao exercício de 1994, como crédito de liquidação duvidosa (Ofício DIFIS/DIPOM nº 95/2118), O Banco Central não lastreou a decisão – ao que se saiba – em qualquer estudo jurídico sobre o potencial risco de não liquidação presente na hipótese. Seria indispensável, para exercer a competência atribuída pelo art. 1º, IX, da Resolução nº 1.748/90, que advogados do BANESPA ou do próprio Banco Central tivessem subscrito documento (parecer jurídico) com a indicação dos elementos, de fato e de direito, que autorizariam a conclusão de que o banco estava correndo risco de não receber o seu crédito junto ao Estado de São Paulo.

Faltou, portanto, fundamento técnico para a determinação do Banco Central, já que não pode a autoridade federal arbitrariamente obrigar o provisionamento, como “crédito de liquidação duvidosa”, de direitos creditícios do banco não expostos a riscos de não liquidação”.

A inexistência de fundamentação técnico-jurídica foi apreciada e liminarmente constatada, pelo  Poder Judiciário do Estado de São Paulo, que determinou, em 24 de agosto de 1995 (Processo nº 1865/95) que  o Conselho Diretor do Banespa se abstivesse de “incluir no seu balanço de 1994, a título de “provisão para devedores duvidosos” ou de “difícil liquidação” ou de “passivo a descoberto” ou a qualquer outro título, o valor correspondente das dívidas do Estado de São Paulo e suas empresas, que não estariam vencidas até aquela data e, caso já tenha sido ultimado o referido balanço, que impeça a sua publicação”.

O Conselho Diretor cumpriu esta determinação, mas a Comissão de Inquérito não, conforme demonstra-se na seção “A Comissão de Inquérito descumpre a decisão judicial”, concluindo seu relatório pela existência de passivo a descoberto, em razão de ter utilizado para esta conclusão um balanço em que foram consideradas como de difícil liquidação as dívidas do Estado de São Paulo ( seguindo o entendimento dos diretores do Banco Central, em vez de a determinaçao judicial).

Esta CPI conclui, portanto, que a motivação para a decisão adotada pela diretoria do Banco Central à época, acatada pelo Conselho Diretor e pela Comissão de Inquérito, foi exclusivamente política.  Há elementos suficientes para concluir que a forma como se deu a decisão de determinar o lançamento da dívida do setor público paulista junto ao Banespa, bem como o  comportamento de pessoas do Banco Central (diretores, procuradores, membros da Comissão Especial de Inquérito e membros do Conselho Diretor do Banespa), feriu os princípios constitucionais da legalidade e da imparcialidade e a probidade administrativa, além de configurarem o cometimento, em tese, de outros crimes.

A determinação de provisionar os créditos do Banespa com o Tesouro Estadual nenhum benefício trouxe ou traria para equacionamento da crise de liquidez do Banespa e nem mesmo era necessária a constituição dessa provisão para apresentar ao mercado a real situação econômica do banco. Se fosse o caso, tal situação poderia ter sido demonstrada mediante notas explicativas e relato específico no Relatório da Administração.

A decisão mencionada no item anterior resultou, e poderá resultar, em ônus para o Erário, seja em decorrência de gastos desnecessários com processos judiciais, inclusive ônus de sucumbência, seja em decorrência dos inúmeros processos cíveis que poderão ser ajuizados contra a União por ex-administradores e controladores aos quais foram imputados responsabilidade solidária e aplicada, e mantida por tempo maior do que o devido, a indisponibilidade e bloqueio de bens.

Esta CPI não pretende passar nenhum atestado de correção para ex-administradores, governadores ou secretários de Estado. Quer antes apurar responsabilidades de agentes públicos de alto escalão que, para atender a interesses inconfessos ou visões pessoais de justiça, participaram da manipulação contábil do balanço de 1994 do Banespa na tentativa, ilegal e ilegítima, de alcançar uma responsabilização solidária em massa de ex-administradores e controladores. A responsabilidade por operações lesivas que concorreram para a precária situação financeira do Banespa deve ser perseguida caso a caso, como, aliás, é o procedimento natural de uma Comissão de Inquérito nos casos de intervenção ou RAET .

IX.3. SOBRE A NEGOCIAÇÃO DE AÇÕES DO BANESPA

Com relação à negociação ocorrida com as ações do Banespa, encaminha-se ao Ministério Público Federal o Contrato Bacen/PND n.º 001/98, relativo à prestação de serviço de consultoria para avaliação econômico-financeira e preparação para desestatização do Banespa, firmado em 1º de dezembro de 1998 entre Banco Central e Banco Fator, e as informações encaminhadas pela Bovespa sobre compra e venda de ações do Banespa. Entende esta CPI que o estipulado nos incisos XXVIII e XXIX da cláusula segunda do contrato, que trata das obrigações da contratada, não foi, de fato, observado pelo contratado, no que tange a não configuração de conflito de interesses ou de práticas que possam ter contrariado a ética profissional, já que apurou-se que fundos administrados pelo Banco Fator negociaram ações do Banespa.

 

IX.4. SOBRE OS CRÉDITOS DO SETOR PRIVADO

Com relação às dívidas do setor privado, a análise dos documentos e dos depoimentos realizada por esta CPI demonstrou que as operações inadimplentes das empresas privadas com o Banespa, além de não serem exclusivamente referentes ao ano de 1994, estavam todas provisionadas e eram motivo de cobrança na esfera judicial; o que representa uma atitude ponderada das administrações anteriores à intervenção do Bacen.

Apesar das providências efetuadas pelo Banespa no tocante às operações do setor privado, é importante considerar as irregularidades apontadas no relatório da Comissão de Inquérito do Bacen. Os servidores do Banco Central analisaram 22 empresas que tinham suas operações com o Banespa registradas em “Créditos em Liquidação” e encontraram diversas incorreções realizadas pelos dirigentes do banco paulista que infringiram a boa técnica bancária e a própria regulamentação interna do Banespa, o que, em tese, poderia causar a responsabilização dos administradores. Tais fatos já estão sendo objeto de ações penais e cíveis, para a devida apuração de responsabilidades.

Com base nos números apresentados no Balancete elaborado em dez/1994 (R$ 453.864 milhões) e nos números finais do Balanço apresentado em dez/1997 (R$ 420.659 milhões), constatamos que os créditos de liquidação duvidosa do setor privado eram compatíveis com os das operações inadimplentes existentes no mercado bancário. 

Essa normalidade das dívidas privadas é confirmada pelo  atual presidente do Banespa/Santander, no seu depoimento a esta Comissão, em 14.11.2001, o Sr. GABRIEL JARAMILLO disse: ” O BANESPA é o quinto banco que nós já compramos no Brasil, nos últimos quarenta e oito meses. Em termos de carteira de crédito encontramos a situação melhor pelo cinco bancos. E, em termos internacionais, é mais que aceitável. Muita claridade nas contas e uma carteira que reflete a qualidade que já figurava no balanço do BANESPA.

Por fim, concluímos que as operações devedoras do setor privado não eram de tal grandeza que comprometessem a situação financeira e patrimonial do Banespa, não sendo um motivo suficiente para a decretação do RAET, pois o banco suportaria, como vinha suportando, o provisionamento dos créditos de liquidação duvidosa.

 

IX.5. SOBRE O PROCESSO DE AVALIAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO DO BANESPA

Em relação ao processo de avaliação, a primeira constatação a se fazer diz respeito à contratação da FIPECAFI. Aludida instituição foi contratada pelo Bacen para coordenar o processo de avaliação, sob a forma de  inexigibilidade de licitação,  alegando-se a sua notória especialização.

A CPI verificou, no entanto, que a FIPECAFI constitui mera intermediadora de mão-de-obra, pois a relação de técnicos que a mesma apresentou ao Bacen para ratificar a condição de notória especialização não pertence aos seus quadros. Tais técnicos foram contratados posteriormente, para desenvolver os trabalhos. Restou descaracterizada, portanto, o fundamento de notória especialização.

A CPI apurou ainda a existência de indícios de direcionamento no processo de avaliação do Banespa realizado pelos consórcios liderados pela Booz-Allen e pelo Banco Fator, de forma que os valores obtidos pelos avaliadores não estivessem distantes em mais de 10%. Tais indícios decorreram de que carta encaminhada pela FIPECAFI ao Banco Central  afirma que o objetivo era manter a diferença entre os valores inferior àquele patamar.

Apesar dos depoimentos prestados à CPI pelos coordenadores da FIPECAFI e por representantes dos consórcios avaliadores, os indícios não foram elididos. Além disso, tais depoimentos foram cercados de grandes contradições entre os depoentes. Exemplo de contradição verificada foi relativa à existência de atas das reuniões, que inicialmente foi confirmada pelo Sr. Artemio Bertholini, para depois ser negada pelo mesmo, após contradição com outro depoente.

É importante relembrar que o valor apresentado pelo Consórcio Booz-Allen  (R$ 5,7 bilhões) corresponde, na verdade, à média aritmética dos limites do intervalo de valores apresentados pelo Banco Fator (máximo: R$ 6,2 bilhões; mínimo: R$ 5,1 bilhões), coincidência que foi indagada aos depoentes perante a CPI, conforme detalhado no item VII.5.k deste relatório, o que corrobora o entendimento de que há indícios de conluio entre os consórcios avaliadores e a Fipecafi.

Outro aspecto a comentar diz respeito à taxa de desconto utilizada pelos avaliadores, em especial o Banco Fator. O Ministério Público Federal, na pessoa do Procurador Luiz Francisco de Souza, solicitou à UNICAMP uma avaliação independente do preço mínimo do Banespa. Utilizando a mesma metodologia, fluxo de caixa descontado, mas estabelecendo premissas diferenciadas, o preço mínimo resultante desse trabalho ficou em R$ 11,996 bilhões de reais, mais que o dobro do obtido pelo Banco Fator (R$ 5,843 bilhões).

Entre as premissas adotadas pelo Banco Fator, que depreciaram a avaliação, está uma perspectiva extremamente otimista da economia brasileira, como por exemplo, a taxa real de juros praticada na economia nacional e os spreads bancários, que foram projetados em veloz redução, o que não se verificou desde o ano de 2000.

Como se verifica no relatório, a KPMG, a pedido da Santander Holding, procedeu a avaliação do Banespa com data-base em 31.03.2001, atingindo R$ 10,368 milhões, valor muito mais próximo do obtido pela UNICAMP e do valor total pago pelo Banco Santander do que o verificado pelo Banco Fator. O método do fluxo de caixa descontado é extremamente influenciado pela “taxa de desconto”, portanto a manipulação de valores teve aí seu principal elemento.

A notícia que segue, publicada na Gazeta Mercantil, dá idéia da subavaliação:

BANESPA QUINTUPLICA O LUCRO DO TRIMESTRE

O Banco do Estado de São Paulo S.A. (Banespa), controlado pelo espanhol Santander Central Hispano (SCH) teve um lucro líquido de R$ 526,292 milhões no primeiro trimestre, nada menos do que 411,4% superior ao registrado no primeiro trimestre de 2001. Se o ganho se repetir nos próximos trimestres, o banco fechará o ano com um resultado superior a R$ 2 bilhões, o dobro do lucro de R$ 1,089 bilhão obtido em 2001. O número é espetacular também de outro ângulo: a rentabilidade anualizada do primeiro trimestre ficou em 74,66%, bem acima dos 45,19% de 2001, que já foram um recorde do ano.”

Também no que se refere à autuação da Receita Federal, existem indícios de que o Banco Central induziu o seu completo aprovisionamento, apesar de pareceres técnicos que apontavam em direção contrária. Dessa forma, reduziu-se o patrimônio líquido do banco, potencializando a geração de créditos tributários no leilão, o que ocasionou a diminuição do preço real do banco, pois os créditos gerados transformam parte do preço pago em antecipação de receitas tributárias.

Outra decisão que veio a influenciar o valor obtido no leilão refere-se à edição de medida provisória em data próxima à privatização que autorizava o futuro comprador do Banespa a negociar os títulos federais garantidores da complementação de aposentadoria dos funcionários do banco admitidos até 22 de maio de 1975.

Essa medida beneficiou o Banco Santander, cujo presidente informou a esta CPI que já havia vendido praticamente todos os papéis em poder do banco. Aludidos títulos foram emitidos com autorização do Senado Federal a fim de pagar, exclusivamente, a complementação dos aposentados, com base em estudos atuariais que previa o reajuste anual das aposentadorias e pensões.

Entretanto, após vender os títulos que tinham valor de face de R$ 3,9 bilhões e ampliar seus lucros com o investimento dos recursos obtidos, o Grupo Santander decidiu congelar a complementação recebida pelos aposentados ptré-75 por três anos, de 2001 a 2003.

Concluído o processo de avaliação, o valor obtido pelas avaliadoras foi utilizado como base para aquisição, pela União, das ações do Banespa pertencentes ao Estado de São Paulo. Deu-se, neste ponto, a federalização, tendo em vista que a privatização ainda não ocorreria naquele momento.

Após tal fato, o Banco Central realizou em 2000 o leilão de privatização do Banespa, que foi adquirido pelo Banco Santander, o qual pagou R$ 7,05 bilhões pelo bloco de ações pertencentes à União, proposta muito superior ao preço mínimo, de R$ 1,85 bilhões.

A proposta apresentada pelo Banco Santander contrasta ainda com o valor pago pela União ao Estado de São Paulo, em torno de R$ 2,07 bilhões. Dessa forma, o Estado vendeu suas ações à União por valor muito inferior ao seu valor real, o qual foi adotado pelo Banco Santander.

Demonstra-se, dessa forma, que a avaliação produzida pelo Banco Fator pelo método do fluxo de caixa descontado e utilizada como base para obtenção do preço mínimo para o leilão encontrava-se aquém do valor do Banespa. No entanto, uma das avaliações produzidas pelo Banco Fator em seu relatório, por um método não-oficial, bem como a avaliação realizada pela KPMG, demonstram que o valor total pago pelo Banco Santander situou-se próximo ao valor real do Banespa, corroborando a tese de que o mesmo não levou em consideração o preço mínimo utilizado no leilão para apresentação de sua proposta.

A compra do Banespa pelo Banco Santander representou um grande negócio para essa instituição financeira espanhola, em face dos recentes lucros apresentados, que permitem vislumbrar a possibilidade de pleno retorno do investimento feito na aquisição das ações (acima de R$ 9,0 bilhões, se consideradas as adquiridas dos empregados e dos acionistas minoritários) em um curto espaço de tempo.

 

IX.6. SOBRE OUTRAS OPERAÇÕES SUSPEITAS DE IRREGULARIDADES NÃO INVESTIGADAS POR ESTA CPI

As operações realizadas junto ao Banespa pelos Srs. Ricardo Sérgio de Oliveira, Vidal dos Santos Rodrigues, Antônio Diamantino Rodrigues, Roberto Visnevisk, Gregório Marin Preciado e Ronaldo de Souza e pelas empresas Calfat, Andover National Corporation e Antar Venture Investiments, suspeitas de serem irregulares, seriam preliminarmente investigadas por esta CPI.

Para tanto, foi aprovado Requerimento em 15.05.02 para a oitiva, na qualidade de testemunhas, das pessoas físicas acima relacionadas e de representantes daquelas empresas relacionadas, sobre denúncias veiculadas em matérias jornalísticas acerca de operações irregulares realizadas pelos mesmos no Banespa e que poderiam ter causado prejuízo à instituição financeira, contribuindo para a necessidade posterior do RAET. Além disso, notícias informam que alguns documentos teriam desaparecido em 1995, portanto já durante o período do RAET.

No entanto, o Presidente da Câmara dos Deputados em exercício, ao decidir questão de ordem, considerou que os fatos que embasaram o Requerimento ocorreram em período anterior ao abrangido pelo objeto da CPI, dando assim provimento à questão de ordem e tornando sem efeito a aprovação do Requerimento e nula a convocação das testemunhas mencionadas.

IX.7. INDICIAMENTOS, RECOMENDAÇÕES E ENCAMINHAMENTOS

Os documentos citados neste relatório fazem parte do acervo desta Comissão Parlamentar de Inquérito e serão encaminhados, junto a este relatório, ao Ministério Público Federal, Ministério Público do Estado de São Paulo, ao Tribunal de Contas da União e ao Banco Central, conforme o encaminhamento.

Conclui esta CPI pela remessa deste relatório ao Ministério Público Federal para apurar as responsabilidades civis e penais e cometimento de crimes e ilícitos de outras naturezas relacionados ao balanço de 1994 do Banespa, cometidos pelos senhores:

a)     Alkimar Moura, ex-diretor do Banco Central – improbidade administrativa, art. 11 da Lei nº 8.429/92; falso testemunho, art. 342 do Código Penal; 

b)     Cláudio Ness Mauch, ex-diretor do Banco Central - improbidade administrativa, art. 11 da Lei nº 8.429/92; 

c)      Gustavo Laboissère Loyola, ex-presidente do Banco Central; improbidade administrativa, art. 11 da Lei nº 8.429/92; 

d)     Manoel Lucívio de Loiola, ex-subprocurador-geral do Banco Central; improbidade administrativa, art. 11 da Lei nº 8.429/92;

e)     Altino da Cunha, primeiro presidente do Conselho Diretor do Banespa; improbidade administrativa, art. 11 da Lei nº 8.429/92; crime contra o sistema financeiro nacional, art. 6º da Lei nº 7.492/86;

f)        Antônio Carlos Feitosa, segundo presidente do Conselho Diretor do Banespa; improbidade administrativa, art. 11 da Lei nº 8.429/92; fraudes e abusos na administração de sociedades por ações, art. 177, § 1º, I; crime contra o sistema financeiro nacional, arts. 6º, 10 e 15 da Lei nº 7492/86; falsidade ideológica, art. 299 do Código Penal.  

Recomendamos ao Ministério Público Federal avaliar a imputação de responsabilidade aos membros da Comissão Especial de Inquérito que assinaram o relatório final; aos demais membros da diretoria do Banco Central que aprovaram o Voto BCB nº 315/95-A, de 11.08.95; aos demais membros do Conselho Diretor do Banespa, que se omitiram quanto à publicação do balanço nos prazos definidos em lei.

Conclui esta CPI pela existência de elementos para eventual indiciamento, pelo Ministério Público, de:

a)     Paolo Zaghen, ex-diretor do Banco Central, que autorizou a contratação da Fipecafi, pela prática de ato de improbidade administrativa, por grave violação à norma legal, e a existência de crime contra a Lei das Licitações;

b)     Senhores Artemio Bertholini, Eliseu Martins e Ary Oswaldo de Mattos Filho, representantes da FIPECAFI, Venilton Tadini, representante do Banco Fator,  e Ivan de Souza, representante do Consórcio Booz-Allen, por eventuais crimes configurados ao longo de seus depoimentos, relacionados à manipulação das avaliações do Banespa, cujos indícios foram apurados por esta CPI, para direcionamento dos valores obtidos no processo de avaliação, de modo a que a diferença entre as mesmas fosse inferior a 10%, com suspeita de conluio.

Recomendamos ao Tribunal de Contas da União que proceda à apuração da ilegalidade da contratação da Fipecafi e da existência de eventual dano ao Erário e à responsabilização dos dirigentes do Bacen que autorizaram a contratação.

Recomendamos ao Banco Central que instaure processo administrativo para apurar eventual descumprimento contratual da Fipecafi, tendo em vista que há indícios de que o Banco Fator exerceu parte das atribuições designadas contratualmente à Fipecafi, bem como aplique as sanções cabíveis.

Conclui esta CPI pela ocorrência de utilização de informação privilegiada e propõe ao Ministério Público que sejam indiciados os dirigentes do Banco Fator e dos administradores dos fundos de investimento daquele banco, em razão das transações efetuadas pelo próprio Banco, por seus acionistas e pelos fundos com ações do Banespa, devido às limitações impostas pelo contrato firmado com o Banco Central relativo ao processo de avaliação e privatização do Banespa.

Recomendamos ao Banco Central que averigúe a existência de quebra contratual pelo Banco Fator em decorrência do descrito no item IX.3 deste relatório, a fim de aplicar as sanções contratuais cabíveis.

 

Recomendamos à Comissão de Valores Mobiliários, com base nas planilhas de operações com ações do Banespa em pode desta CPI, que instaure processo administrativo para responsabilização por uso de informação privilegiada por parte do Banco Fator, seus acionistas e os administradores dos fundos e empresas ligados a esta instituição financeira.

 

Recomendamos que a atuação dos diretores do Banespa que estiveram diretamente envolvidos na aprovação irregular dos empréstimos ao setor privado analisados pela Comissão Especial de Inquérito do Banco Central e por esta CPI (Capítulo XI deste relatório) mereça atenção especial do Ministério Público do Estado de São Paulo e demais órgãos aos quais esta CPI encaminhará o seu relatório, para eventual responsabilização penal e civil e ressarcimento dos danos patrimoniais apurados.

 

Serão encaminhados ao Ministério Público Federal documentos referentes às operações realizadas junto ao Banespa pelos Srs. Ricardo Sérgio de Oliveira, Vidal dos Santos Rodrigues, Antônio Diamantino Rodrigues, Roberto Visnevisk, Gregório Marin Preciado e Ronaldo de Souza e pelas empresas Calfat, Andover National Corporation e Antar Venture Investiments, suspeitas de serem irregulares. Com relação às operações do Senhor Gregório Marin Preciado cabe ressaltar que referem-se ao ano de 1998.

 

 Esta Comissão Parlamentar de Inquérito entende que com este relatório, as finalidades para as quais foi constituída foram plenamente atingidas, graças ao esforço de todos os nobres parlamentares, membros desta Comissão e não poderia finalizar seus trabalhos sem antes recomendar ao Banco Central, diante de tudo que relatamos e do que apurou a própria Comissão de Inquérito, promova as medidas necessárias para aperfeiçoar a fiscalização e os controles sobre os bancos estatais.

 

Sala da Comissão, em  11  de  junho  de 2002.

 

 

 

Deputado LUIZ ANTÔNIO FLEURY FILHO

Presidente

 

 

Deputado ROBSON TUMA

Relator

 

 

 

 

 

 

 



[1] Vide seção “Síntese dos principais aspectos jurídicos”.

[2] Vide seção “A reportagem da revista CartaCapital”.

[3] Como mais um elemento a confirmar sua reportagem, o jornalista Carlos Drumond, falando sobre a manipulação do balanço visando a responsabilização dos ex-governadores, lembrou a existência de reportagem do jornal O Estado de São Paulo, página A-2, de 24 de setembro de 1996, a qual, segundo ele, revela uma confissão do Sr. Alkimar Moura, durante reunião ocorrida em 24 de agosto na sede do Banco Central em Brasília.

 

[4] Vide a seção “Os depoimentos dos senhores Marco Vinício Petrelluzzi e Yoshiaki Nakano sobre as declarações do senhor Alkimar Moura relatadas na reportagem “A Arapuca Tucana”

 

[5] Vide seção “Análise das possibilidades de aplicação do inciso IX do art. 1º da Resolução nº 1.748/90 pelo Conselho Diretor do Banespa ou pelo Banco Central” e os pareceres dos juristas Modesto Carvalhosa (seção “As análises técnicas e legais efetuadas pelo jurista Modesto Carvalhosa”) e Fábio Ulhoa Coelho.

[6] Vide seção "O Histórico dos Fatos"

[7] Vide seção “A análise dos depoimentos quanto às razões para a não-publicação do balanço de 1994 no prazo legal”

[8] Vide páginas 21, 22, 23 e 24.

[9] O prazo da comissão era de 120 dias, prorrogáveis por mais 120. Vencia em 28 de agosto de 1995.

[10] Vide seção “A situação da Comissão Especial de Inquérito”.

[11] Vide seção “A existência de um relatório preliminar concluindo pela inexistência de passivo a descoberto”.

[12] Na verdade trata-se da Lei nº 6.024/74.

Art. 40. Os administradores de instituições financeiras responderão solidariamente pelas obrigações por ele assumidas durante a gestão até que se cumpram.

Parágrafo único. A responsabilidade solidária se circunscreverá ao montante e dos prejuízos causados.

 

[13] Art. 15. “Decretado o regime de administração especial temporária, respondem solidariamente com os ex-administradores da instituição pelas obrigações por estas assumidas, as pessoas naturais ou jurídicas que com ela mantenham vínculo de controle, independentemente da apuração de dolo ou culpa.

[...]

 § 2º A responsabilidade solidária decorrente do vínculo de controle se circunscreve ao montante do passivo a descoberto da instituição, apurado em balanço que terá por base o dia da decretação do regime de que trata este decreto-lei.”

 

[14] Vide seção “ As revelações do subprocurador-geral do Banco Central Manoel Lucívio de Loiola”.

[15] A letra “A” neste voto significa que ele não constava da pauta da reunião do dia 11 de agosto de 1995. O voto foi incluído na pauta extemporaneamente.

[16] Resolução nº 1748/90: O Banco Central do Brasil [..] torna público que o Conselho Monetário Nacional [...] resolveu: Art. 1º -Determinar que os bancos [...] transfiram para as contas de créditos em liquidação os seguintes créditos considerados de difícil liquidação: IX – outros créditos de difícil liquidação, que possam ser efetivamente comprovados pelas instituições perante o Banco Central do Brasil ou a critério deste.

[17] Ver seção “A carta do Baco Central ao Conselho Direto do Banespa”.





576- 20/05/2005
José Milton

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