Reinventando a roda

REFORMA TRABALHISTA E SINDICAL


BRASÍLIA - Alguém já imaginou substituir a roda por um triângulo, um quadrado ou um poliedro? Mas a roda é velha, antiga. Estará ultrapassada. Ou será possível abandonar a água, como diluente universal e fonte da vida e da sobrevivência, quem sabe por vinho, cerveja ou querosene?

Nem vale a pena ampliar o raciocínio para realidades além da matéria. Que tal considerar a democracia ultrapassada? Estabelecer que a liberdade é coisa do passado? Talvez até o amor?

Há valores universais que nenhum modismo conseguirá suplantar. Sequer a ridícula globalização, fruto da arrogância de mais uma geração iludida. Muito menos o neoliberalismo, resultado da exacerbação do capitalismo selvagem.

Reformas para suprimir direitos

Sendo assim, é bom desconfiar e, se possível, contestar determinados conceitos, práticas e projetos daqueles que, por deter momentaneamente o poder, imaginam amoldar o mundo aos seus interesses.

Todo esse preâmbulo se faz por conta da insistência do presidente Lula em convencer os trabalhadores da excelência das reformas sindical e trabalhista. O argumento é de que a legislação pertinente teve suas bases fincadas da Carta Del Lavoro, de Mussolini. Por conta do fim da vida do tresloucado "Duce", encontra-se um pretexto para revogar direitos duramente conquistados pela Humanidade, substituindo-os pela lei do mais forte.

No caso, dos que impuseram o neoliberalismo e a globalização, patetas a imaginar o fim da História em favor de suas benesses. Pois não é que de quando em quando essa quadrilha encontra aliados ingênuos, em condições de acreditar e até de tentar impor suas estultices?

Quer o presidente Lula, estimulado pelos que o circundam, promover reformas capazes de suprimir direitos de seus companheiros e de surripiar conquistas que vêm de muitas décadas. Intentam quebrar a estrutura do movimento sindical e substituir garantias e direitos pela falsa livre negociação entre patrões e empregados. Sem tirar nem pôr, pretendem acabar com a roda e com a água.

O resultado não se faz esperar: a reação das centrais sindicais, até mesmo a CUT, atrelada ao seu governo. A indignação dos assalariados e a revolta de quantos cultivam o trabalho como forma de sobrevivência. Em oposição, é claro, aos que vivem da especulação e da exploração do semelhante.

Há tempo, ainda, para o presidente e seus assessores meditarem, refluírem e se desculparem por essa tentativa de atropelar a natureza das coisas. No passado recente, sob a batuta do sociólogo, desapareceram conquistas fundamentais do trabalhador. As que sobraram encontram-se em perigo, ironicamente por parte do governo de outro trabalhador. Ou ex, porque faz tempo que Lula não pega num torno mecânico.

Não se imagina o mundo sem roda

De qualquer forma, não há hipótese de o Congresso aprovar a extinção da água e da roda. Nem de aprovar as reformas sindical e trabalhista. Seria colocar em risco as estruturas da própria sociedade duramente aprimorada através dos séculos. Basta consultar as diversas bancadas, até mesmo do PT. O Congresso, com todos os seus erros e as suas falhas, jamais se posicionou contra a nação.

Pulverizar os sindicatos só não será pior do que extinguir as indenizações por demissão imotivada ou fatiar o 13º salário e as férias. Substituir pela livre negociação entre patrões e empregados o que resta da Consolidação das Leis do Trabalho ou das leis que permitiram a sindicalização equivale a imaginar o mundo sem a roda.

Alega-se a globalização como mola propulsora para privilégios inadmissíveis de elites fajutas. Afinal, é possível transferir uma especulação financeira de Hong-Kong para as Ilhas Caymã num simples digitar de teclas de computador.

Esquecem-se de que nossos ancestrais trogloditas julgaram-se globalizados porque dominaram o fogo. Em vez de as cavernas se comunicarem pelos decibéis das gargantas de seus habitantes, entendiam-se todos através de sinais de fumaça. Mais tarde, descoberto o caminho marítimo para as Índias, os navegadores também se imaginaram globalizados por levar madeira da Espanha para o Extremo Oriente e de lá trazer especiarias de toda ordem.

Depois, foi o telégrafo sem fio que definitivamente nos globalizou. Agora, são os e-mails e os computadores. Amanhã virá a verdadeira globalização, quando minério de ferro puder ser trazido de Marte.

Tudo faria parte da mesma pantomima, não fosse o reconhecimento por parte dos bisnetos dos nossos bisnetos, de que a roda e a água continuarão vitais. Deus queira que também a democracia, a liberdade e o amor. As reformas sindical e trabalhista são outra malograda tentativa de fazer o planeta girar ao contrário.

Fonte: Tribuna da Imprensa - Coluna de Carlos Chagas



545 - 07/05/2005
Celeste Viana

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