Supremo vai convocar as primeiras audiências públicas de sua história


O Supremo Tribunal Federal STF) decidiu ontem julgar o mérito da ação proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS) para aprovar a liberação do aborto de fetos anencefálicos (sem cérebro) e assim pela primeira vez na história do tribunal serão convocadas audiências públicas para discussão do tema. A análise da ação da entidade dependia do julgamento de uma questão de ordem levantada pelo procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, manifestadamente contrário à permissão desse tipo de interrupção de gravidez. Ontem, o questionamento de Fonteles foi derrubado por sete votos a quatro, em sessão de cinco horas do plenário do STF.

O relator do caso, Marco Aurélio Mello, irá convocar as primeiras audiências públicas e pelo menos 13 entidades, já elencadas pelo ministro, deverão ser chamadas a discutir o assunto no STF ainda no primeiro semestre de 2005 e o julgamento está previsto para o segundo semestre.

Fonteles havia levantado a questão de ordem para tentar impedir a continuidade do julgamento. Para o procurador-geral, a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 54 , dispositivo utilizado pela CNTS para propor a liberação dessa modalidade de interrupção de gravidez, não era o meio jurídico correto para o tema ser discutido no STF e a entidade não teria as prerrogativas necessárias para protocolar uma ADPF. Fonteles também questionou o caráter legislador de uma possível decisão do STF a favor do aborto - a ação pede uma nova interpretação dos artigos do Código Penal que tratam do aborto. Tais interpretações seriam papel de senadores e deputados.

Todas os questionamentos levantados por Fonteles foram rechaçados pelos ministros Carlos Britto, Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Nelson Jobim, Sepúlveda Pertence e Celso de Mello, além de Marco Aurélio. Os magistrados balizaram seus votos em dois princípios básicos: o da relevância do tema e o da insegurança jurídica atual em relação à essa modalidade de interrupção de gravidez. Hoje, cada gestante precisa procurar a Justiça para pedir permissão para efetuar o aborto e as decisões são contraditórias nos diferentes tribunais brasileiros. "Trata-se de insegurança jurídica inadmissível. Só isso já dá razão à admissibilidade da ADPF", disse Barbosa.

Gilmar Mendes lembrou que a ADPF seria o único dispositivo capaz de resolver o tema no Supremo, já que os meios jurídicos normais de tramitação não são eficazes pois chegam à corte depois do nascimento da criança sem cérebro. Uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) também não seria possível, pois a legislação em debate é o Código Penal, promulgado em 1940, portanto anterior à atual Constituição Federal (CF).

Os ministros Cezar Peluso e Eros Grau levantaram a preocupação de que, se admitida a ADPF, o STF receberia uma enxurrada de ADPFs contra qualquer lei em vigor, anterior a atual CF. Pertence disse, entretanto, que as próximas ações dessa natureza, para serem analisadas, terão de provar sua importância jurídica e social.

Pelo julgamento de ontem, já foi possível observar o posicionamento de alguns ministros sobre o tema. Eros e Carlos Velloso mostraram tendência contrária ao aborto de fetos anencéfalos. Já Celso de Mello, Joaquim, Marco Aurélio e Britto posicionaram-se a favor.

FONTE: Fonte: Valor Online



509 - 29/04/2005
Álvaro Pozzetti

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