PPP: Bradesco capitaliza o lucro erário e socializa o prejuízo

Este artigo diz bem, da qualidade de nossos governantes, a cada passo da economia, exacerbada pela exploração do monopólio dos banqueiros. A dívida pública, 100% na mão deles, fazem das estatais, tal como o Banespa o troco a esse financiamento e estoque da barganha na prateleira, agora na incrementação da proximidade com alguns setores do judiciário , no caso dos jatinhos. - PRSeelig


No Brasil, grande parte da elite econômica edificou seu império a mercê de relações promíscuas com o Estado, privatizando o lucro e socializando o prejuízo. Res publicae é sinônimo de res nullius, domínio de quem primeiro apropriar-se.

A sociologia é pródiga em idôneos atestados dessa realidade. “Os Donos do Poder”, do imortal Raimundo Faoro, intelectual extraordinário, indômito presidente da OAB nos “anos de chumbo”, é clássico do gênero: "Perde-se o Brasil, senhor(digamo-lo numa palavra), porque alguns ministros de sua majestade não vêm buscar o nosso bem, vêm cá buscar os nossos bens.” (Sermão, Padre Vieira, “apud”, Raimundo Faoro, Os Donos do Poder, Globo/POA, 1976).

Estas relações corruptas do Estado brasileiro, locupletando a fazenda privada mediante a pilhagem da fazenda pública, tanto diretamente, sendo notório o astronômico enriquecimento de agentes políticos que adentraram a vida pública franciscanamente, quanto indiretamente, com os ímprobos favores que foram obsequiados aos particulares pelos prepostos da res publicae (v.g., financiamentos oficiais – BNDES, etc -, privilégios em concessões/contratações de serviços/obras públicas, privatizações, etc.), atinge ímpar status de lesividade à defesa social.

Portanto, na toada da decantada PPP (Pareceria Público-Privada - lei nº 11.079/04), o Brasil sempre foi pródigo na prática, claro que dando lucro ao parceiro privado e prejuízo ao parceiro público.

O caso dos bancos é típico. Banco é o maior engenho humano destinado a usurpar a riqueza produzida com o trabalho alheio.

Bradesco, em 2001, lucro líquido de R$ 2,17 bilhões (Revista Isto É Dinheiro). Em 2003, 2,3 bilhões (Revista Veja, 25/2/04). Em 2004, R$ 3,06 bilhões (Folha de São Paulo on-line, 31/1/05). Por que tanto lucro?

“Brasileiros pagam segundo maior juro do mundo. Taxa média praticada pelos bancos é de 56,6% ao ano, só menor que a de Angola.” (Folha de São Paulo, 23/2/04, manchete principal)

A rentabilidade (total do lucro sobre o patrimônio líquido) dos bancos brasileiros é recorde superior aos dos EUA. No Brasil, 17%. Nos EUA, 15,1% (Folha de São Paulo 27/2/05). Em janeiro de 2005, a taxa média (bancos) de anual juros cobrada no cheque especial chegou a 144%. A do mercado (pessoa física e jurídica nas diversas operações), 46,8% (Folha de São Paulo 26/2/05).

O erário, farra da dívida pública, faz a opulência de Bradesco e cia.

Em 2003, início do governo Lula, o Brasil pagou R$ 145,205 bilhões de dívida pública. Em 2004, 128,3 bilhões (Folha de São Paulo, 29/1/05).

Em 2004, o Brasil atingiu o primeiro no “ranking” dos juros reais(taxa nominal de juros paga pela dívida pública, descontada a inflação do período), 12,7 %. Em segundo, Turquia 6,7%. Em terceiro, Hungria, 5,7%. Em quarto, África do Sul, 4,7%. Em quinto, México, 4,7%. (Folha de São Paulo, 29/1/05).

De quebra, o saque ao erário tem o condimento da barbárie aos direitos sociais. Bancos como o Bradesco e Itaú, aposentadoria é emblema de mito, inexistência. Inexoravelmente, tais quais câmaras de gás nazistas, ex-jovem é ex-empregado, demitido. Pior! Basta a mulher cometer o sacrilégio de engravidar que sua demissão, inexoravelmente, já estará em contagem regressiva.

Tão logo dá-se à luz nova geração de máquinas (computadores, etc.), dá-se às trevas do desemprego (desmanche) gerações de “máquinas” humanas, ipso facto, sucateadas!

Caso emblemático, escandaloso, de socialização do prejuízo - incluindo o ressarcimento do frustrado investimento criminoso(?) - é o detectado na CPI dos Precatórios. Emissão de títulos públicos que deveriam ser destinados a amealhar ativos destinados à quitação de precatórios, dívidas judiciais (art. 33, parágrafo único, ADCT, da CRFB), envolvendo os Estados de SC, PE e o município de SP. No total, saqueada a Fazenda Pública no montante aproximado de R$ 3 bilhões.

Procedeu-se negociação dos títulos públicos mediante várias artimanhas, v.g., simulação de dívidas judiciais inexistentes para justificar a emissão dos títulos, desvio dos valores arrecadados a outras finalidades que não a quitação de dívidas decorrentes das condenações judiciais, inexistência de licitação, venda preordenada aos partícipes do conluio mediante aberrante deságio, propina a agentes políticos, intermediação de instituições financeiras “laranjas’ - v.g., Vetor, Split, Paper, etc. - de outras maiores - v.g., Bradesco, etc. - que, ao final da “cadeia da felicidade”, adquiriram os títulos por preço vil (deságio), ato contínuo, locupletando-se à custa do erário, negociando as letras do tesouro pelo valor de face, especialmente com fundos de pensão estatais, incluindo-as nos fundos de investimentos ou resgatadas, antecipadamente ao vencimento, pelos próprios entes públicos emissores dos títulos

Palmar a implicação do Bradesco, destinatário de 76,5% dos títulos emitidos pelo Estado de Pernambuco, intermediados pela testa-de-ferro “Paper”, sendo denunciado pelo Ministério Público Federal, entre inúmeros outros, Katsumi Kihara, diretor do Bradesco.

O Senado da República, trazendo à luz a corrupção, dada sua absoluta nulidade - producta sceleris - , fulminou os títulos, não podendo ser resgatados pelos entes públicos emissores, cumprindo ao destinatário da “cadeia da felicidade” - v.g., o Bradesco - assim como a qualquer delinqüente deve ser confiscado o produto do crime (art. 96, II, ‘b’, do CP), arcar com o prejuízo, ficando com o "mico”, na linguagem do mercado financeiro. Permitiu, entretanto, à medida que alguns títulos negociados o foram legitimamente, regularmente destinados à quitação dos precatórios, mediante reconhecimento judicial, fossem eles resgatados (art. 52, VII e IX da CRFB).

Todos os títulos de Pernambuco eram fraudulentos. Afora o estúpido deságio, venda dirigida, sem licitação etc., os poucos destinados ao pagamento de precatórios referiam-se a dívidas de natureza alimentar, explicitamente excluídas (art. 33, parágrafo único, ADCT, da CRFB). União, Bacen e Estado de Pernambuco, despudoradamente, armaram concluio para salvaguardar o Bradesco.

Na Justiça Federal, o Estado de Pernambuco ingressou contra a União e Bacen com ação declaratória de validade dos títulos por ele emitidos (?). Jogada mais que ensaiada, somada à glacial passividade do douto Juízo, homologou-se acordo já pré-acordado nesse sentido. Pretextando que essa barbaridade seria o reconhecimento judicial exigido pela Senado da República ao resgate dos títulos, pagou-se ao Bradesco, mediante títulos federais, o valor integral das letras por ele fraudulentamente adquiridas, sub-rogando valor equivalente na dívida de Pernambuco com a União (?). O Bradesco recebeu, na íntegra, os R$ 480 milhões do valor de face, cuja correção pela taxa Selic resultou em R$ 647 milhões.

Em suma, a União, que é a destinatária (beneficiária) do produto do crime (art. 96, II, ‘b’, do CP), garante a liquidez do delinqüente, frustrado que foi na sua empresa criminosa pela atuação da CPI dos Precatórios (?).

Dourando a pílula, o Bradesco restitui R$ 56 milhões ao Estado de Pernambuco, parcela do deságio (diferença entre o valor de face e o pago a Pernambuco quando da venda). Aos incautos, ingênuos, crédulos na probidade dos gestores públicos, prova de lisura.

Na toada do “a gente faz você ver o que queremos que seja visto”, à época da CPI os Precatórios, o Bradesco, “coincidentemente”, passou a ser patrocinador do Jornal Nacional e a TV Globo “vitimada” por eloqüente silêncio a respeito.

por Celso Antônio Três - procurador da República em Tubarão (SC)




475 - 21/04/2005
Paulo Seelig

Outras notícias