A grande eutanásia Só para lembrar que ainda temos a CABESP...
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BRASÍLIA - De vez em quando certas questões maiores, algumas até transcendentais, emergem do trato da rotina administrativa dos governos. A indignação diante de chacinas como a acontecida na Baixada Fluminense leva muita gente boa a se inclinar pela adoção da pena de morte ou da prisão perpétua para esses verdadeiros animais que praticaram tamanho horror.
A constatação de que este ano mandaremos para o exterior R$ 250 bilhões para pagamento dos juros das dívidas externa e pública, enquanto os setores social e de infra-estrutura receberão apenas oito bilhões para investimentos, faz renascer a vontade de seguirmos o exemplo da Argentina, decretando a moratória. O não cumprimento das promessas de campanha de um determinado candidato induz o eleitorado a não reconduzi-lo nos países onde há reeleição. Saúde em estado moribundo Pois uma nova discussão de grande profundidade acaba de ser levantada a partir da instrução do ministro da Saúde aos departamentos hospitalares sob sua responsabilidade. Recomendou Humberto Costa que os encarregados das UTIs dos hospitais públicos dêem preferência aos pacientes com possibilidades de curar-se, desprezando aqueles em estado terminal ou sem maiores chances. Não se condenará o ministro por estar oficializando a eutanásia, mas, na prática, só não é o que acontecerá porque já acontece. Tempos atrás um médico desses pronto-socorros mal equipados sofreu uma crise nervosa e desabafou para a imprensa: "Eu não sou Deus! Não tenho o poder de determinar quem vai morrer e quem vai viver, mas é isso o que faço todos os dias, quando chegam três pacientes graves e só tenho condições de tratar um. Quem escolher?" Dúvidas inexistem de que é assim mesmo, num País onde a saúde pública se encontra moribunda. Mas a questão se torna crucial: deve a sociedade deixar morrer quem, nas aparências ou na realidade, dispõe de chances mínimas de sobrevivência? E, se for assim, não chegará esse processo às últimas conseqüências, como, por exemplo, na Alemanha nazista, quando se sacrificavam os recém-nascidos fisicamente imperfeitos? Ou as crianças mentalmente retardadas? Quem sabe, tendo em vista o aumento da fome e do desemprego, não se venha a condenar à morte o cidadão incapaz de manipular um computador ou falar uma segunda língua? Na prática, repetindo, é o que já vai acontecendo, apenas sem a violência da execução abrupta de nossos semelhantes. Mas deixar populações inteiras à míngua, sem comida nem emprego, por não acompanharem os avanços da tecnologia, não será um passo gigantesco no rumo da eutanásia? No mínimo somos coniventes Ainda há pouco morreu de inanição mais uma criança índia, em pleno Mato Grosso. Por falta de opção, meninos de oito, nove e dez anos são lançados no narcotráfico, com pouquíssimas condições de chegar à maioridade sem ser assassinados. Se nada fazemos, somos no mínimo coniventes. A partir desses exemplos chega-se ao cerne da mais fundamental das questões da atualidade: devemos prosseguir nessa política econômica que só beneficia os bem dotados, os bem nascidos e os ricos, condenando as massas à pobreza, à miséria e à indigência? À morte em vida ou à morte mesmo? Uma recomendação como a que foi dada pelo ministro da Saúde aos hospitais públicos talvez não pudesse deixar de ser dada, mas seria preciso que jamais pudesse ser dada. Governos que não dediquem recursos necessários para a saúde pública não deveriam continuar governos, em especial se encontram recursos muito superiores para pagar dívidas e juros abomináveis. Vai chegar a hora em que a Humanidade romperá esse círculo de giz. Quebrará a casca desse ovo de serpente para esmagá-la de um só golpe. Porque a opção é institucionalizar a eutanásia, reviver o nazismo e condenar o planeta à barbárie sofisticada do neoliberalismo. Nessas questões deveriam estar pensando o presidente Lula, os ministros José Dirceu e Antônio Palocci. Faria melhor o Campo Majoritário se tivesse cuidado de temas desse quilate em vez de programar estratégias para a reeleição. Do lado de fora, as esperanças que venceram o medo estão sendo derrotadas pela frustração, ante-sala da revolta. Do lado de dentro, continuam engendrando planos para beneficiar as elites e permanecer no poder, ignorando ser possível praticá-lo em favor dos condenados à mais cruel das eutanásias, a que mata lentamente, aos poucos. As elites sequer pensam em questões como essas. Iludem-se, porque a cada dia tornam-se presa mais fácil para a Grande Eutanásia, quando ela chegar. Fonte: Tribuna da Imprensa |