Livros que registram entrevistas com idosos se proliferam no Brasil
Pessoais e intransferíveis

Juliana Krapp


Antônio, 80 anos, às vezes surpreende-se pensando como se tivesse oito; Francisca, 70, acredita que a coisa fundamental nesse mundo é criar; Rachel, 86, não gosta de ser velha, mas, em compensação, não tem medo da morte. Essas informações representam parte de uma faceta muito atual da literatura contemporânea: os livros de depoimentos sobre a maturidade têm se proliferado, revelando como ilustres e desconhecidos convivem com as alegrias e frustrações do envelhecimento.

Essas obras dão voz não apenas a seus autores, mas à crença de que não existem fórmulas prontas para alcançar a felicidade, e que o importante é aproveitar a vida como ela é.

As pessoas enumeradas acima são, respectivamente, o filólogo Antônio Houaiss, a semióloga Francisca Nóbrega e a escritora Rachel de Queiróz, depoentes no livro "Encontros de Vida", da psicanalista Zelia Goldfeld, um precursor dessa tendência no Brasil.

O livro, escrito em 1996, reúne 34 depoimentos de pessoas com mais de 60 anos apaixonadas pela vida. Algumas já faleceram, mas seus testemunhos permanecem como legado para aqueles que enfrentam de cabeça erguida a chegada da terceira idade.

O tema do envelhecimento não é parte de um movimento literário, mas sim resultado de uma questão demográfica, afirma a psicóloga e gerontóloga Dulcinéia da Mata. "O Brasil é um país de cabelos cinzas", acrescenta, referindo-se ao aumento da expectativa de vida do brasileiro. E continua: "É claro que há um interesse muito grande do mercado em agradar a esse público, que envelhece buscando qualidade de vida".

A gerontóloga Valéria Lasca concorda com Dulcinéia: "as pessoas que hoje estão com 50 anos querem chegar aos 80 bem". Valéria escreveu, ao lado da também gerontóloga Eve Pekelman, o recém-lançado "Atitudes de Sucesso: Um Convite à Reflexão e a Histórias Interessantes". No livro, elas reúnem 150 entrevistas com pessoas da terceira idade, famosas ou não, falando sobre temas como trabalho, amor, lazer e família.

Um dos objetivos da obra é ajudar os jovens a resgatar o hábito de ouvir histórias de vida de pessoas mais velhas e, assim, poderem se preparar melhor para alcançar a maturidade com disposição. Outro, é fazer com que os leitores mais velhos sintam-se estimulados a revisar seus próprios projetos de vida.

Sucesso de vendas e crítica, o livro "Pessoal e Intransferível", das jornalistas Sylvia Leal e Regina Protasio, optou por entrevistar apenas mulheres. Sylvia justifica a escolha: "Além de nossa experiência pessoal, a idéia de fazer o livro surgiu da visão de que hoje em dia a juventude é imposta como um padrão. A mídia faz crer que a mulher deve parecer sempre jovem e sarada. Fomos buscar depoimentos de mulheres maduras que são felizes e realizadas, mesmo sem buscar ter um corpo igual ao da filha ou da atriz da novela".

Uma das maiores surpresas de Sylvia no decorrer das entrevistas foi a facilidade com que entrevistadas dispuseram-se a falar de diversos temas. "As mulheres nos falaram muito abertamente de tudo: medo da velhice, menopausa, perda da libido. No início, pensamos que iríamos estar remando contra a maré, mas não tardou para percebermos o quão oportuno era o tema", afirma. Regina acrescenta que, o que era uma entrevista, acabou, na maioria dos casos, se transformando em uma conversa, porque as angústias das entrevistadas e das entrevistadoras eram muito parecidas. Em tempo: Regina tem 52 anos e Sylvia, 61.

Valéria explica que o desejo de contar sua história de vida é um processo natural na terceira idade, identificado no meio científico como "geratividade". Os idosos se sentem bem em transmitir sua experiência para os mais jovens. "E as pessoas da mesma faixa etária também lucram ao tomar conhecimento de certos depoimentos, que mostram idosos ativos, que superaram perdas e frustrações e continuaram acreditando na vida, lutando por conquistas e sonhos", acrescenta.

Uma das entrevistas que mais surpreender Valéria foi a de Francisco Petrônio, que trabalhou como taxista até os 40 anos, quando finalmente teve coragem para abarcar o sonho de infância: virar cantor. Para a autora, um dos maiores benefícios desses livros é estimular as pessoas a estarem sempre atentas e dispostas a mudar as suas metas.

Mas tanto Valéria quanto Sylvia e Regina rejeitam o rótulo da auto-ajuda. "O livro não tem soluções prontas, fórmulas ou portas. Ele apenas indica possibilidades. Não é um livro de auto-ajuda, mas sim um trabalho jornalístico, que registra medos e realizações. O envelhecimento é uma experiência pessoal e intransferível, daí o nosso título", comenta Regina, que prepara, ao lado da parceira, uma versão masculina do livro, que já conta com nomes como Eduardo Suplicy e Paulinho da Viola.

Dulcinéia também é autora: seu último livro, "Dimensões do Envelhecer", conta não com depoimentos, mas com reflexões de especialistas. A gerontóloga prefere não aconselhar uma ou outra leitura: "O melhor é ler. Não importa se você prefere se embrenhar por questionamentos ou se prefere se identificar, como em um filme; toda leitura é válida, o importante é ler e manter a mente ativa". Para ela, a melhor lição que a literatura sobre envelhecimento oferece é que é preciso viver a vida de forma dinâmica, porque as marcas do tempo aparecem, de uma forma ou de outra.

Fonte: Mais de 50




420 - 09/04/2005
Álvaro Pozzetti

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