Por uma boa conversa
Estudioso defende a retomada do diálogo como antídoto contra a correria moderna, que nos tira a disposição para atender nossas verdadeiras necessidades, que são amar, pensar e aprender

Por Simone Muniz e Maria da Luz Miranda


Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus. A frase abre o poema Os Ombros Suportam o Mundo , de Carlos Drummond de Andrade, no qual o poeta fala do tempo em que o amor resultou inútil. Não é apenas isso. Característica dos tempos modernos, a falta de disposição para a conversa torna-se cada vez mais presente e acarreta males ainda maiores. Contra essa tendência, só há um remédio: a retomada do diálogo, vaticinam estudiosos.

O neurofisiologista da UFRGS Ivan Izquierdo afirma que é típico da nossa sociedade correr contra o tempo e atropelar o diálogo. "Somos impulsados por uma sobrecarga de informação desnecessária e alheia a nossos próprios interesses", diz. Ele lembra que a medicina deu a todos, nesse último século, 30 anos a mais de expectativa de vida. "Para que correr tanto, então? A correria nos tira a disposição para atender nossas verdadeiras necessidades, que são amar, pensar e aprender".

O diagnóstico do neurofisiologista é ainda mais preciso: faltam disposição, estímulo e tolerância. Para ele, culpa da sociedade alienante e alienada ao mesmo tempo, que nos força a viver com a constante sensação de que o relógio é inimigo, pois as horas nunca são suficientes. "Estamos permanentemente à beira de um ataque de nervos e, assim, intolerantes", afirma.

Para Izquierdo, ao desperdiçar a palavra, estaríamos desaprendendo a usar o melhor instrumento para o intercâmbio de idéias, sentimentos e emoções. Culpa dos tempos em que a produção de informações é incessante, mas que pouco acrescentam. "Perdemos um tempo fantástico fazendo coisas sem utilidade para nós mesmos. Precisamos continuar vendo TV por inércia, quando o programa que queríamos ver já acabou? Não. Devemos atender a todos os compromissos a que somos convidados? Simplesmente não podemos".

É preciso, portanto, aprender a dizer não às inúmeras solicitações da vida moderna e encontrar uma pausa entre os ponteiros para dar tempo à conversa. "O diálogo é crucial para todos nós. É o mínimo necessário para o amor, em todas as suas facetas. Amor físico, amor ao próximo, amor a nossa família, aos amigos, amor ao presente e ao futuro do nosso planeta", diz Izquierdo."Sem diálogo, o amor não existe. Não há vida possível, digna de ser vivida", afirma, em sinal claro de que concorda com o poeta.

E o que ele diz não é apenas jogo de cena. "Geralmente estou bastante ocupado; justamente porque se aprendi alguma coisa nesses anos todos é a saber distribuir meu tempo. Ou estou trabalhando, coisa que para mim é fundamental; ou estou descansando, coisa que é também fundamental; ou estou dedicado a ler (dialogar com os livros) ou aos meus amigos, que são muitos, ou a minha família".

Fonte: Mais de 50




418 - 09/04/2005
Álvaro Pozzetti

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