O SAPO DE EINSTEIN


Nasci e vivi no Brasil toda a minha vida, até 2001. Constituímos uma família feliz, eu, meu marido e minhas filhas. Leciono macroeconomia em Saint John, no Canadá. Sinto muitas saudades do meu país e, como ninguém é de ferro, sempre passamos nossas férias no Recife, Rio ou São Paulo.

Há pouco mais de um mês, chegamos do Brasil e entre várias lembranças inesquecíveis (principalmente do sol!) tomamos uma decisão dolorosa: não voltaremos mais ao nosso país. Nossa decisão de sair do Brasil, também foi dramática, mas eu e meu marido (que também é professor e pesquisador), fizemos uma análise fria e detalhada das nossas possibilidades, perspectivas e como poderia ser o futuro principalmente para nossas filhas. Considerando principalmente o futuro político e econômico do Brasil, decidimos, com enorme dor no coração, deixar o Brasil.

No início, pensei que tínhamos tido muita sorte, pois fomos recebidos pelo mundo acadêmico um salário inimaginável se comparado ao que recebíamos no Brasil exercendo as mesmas atividades. Melhoramos muito nosso padrão e qualidade de vida.

Se nós tivemos sorte, percebemos também que um enorme número de brasileiros também teve.

É surpreendente a quantidade de brasileiros que seguiu a mesma trilha pela qual optamos e estão muito felizes aqui. A cada dia, mais e mais famílias, alunos e professores de diversas partes do Brasil chegam ao Canadá.

Mas, sempre tive a dúvida: porque será que tantos estão abandonando a nossa querida terrinha?

Nossa última viagem ao Brasil trouxe-me a resposta.

Há uma figura de retórica, chamada "O sapo de Einstein". O gênio dizia "Se você colocar um sapo em uma panela com água e for aumentando a temperatura lentamente, o sapo não percebe, vai se habituando e morre cozido. Mas se você colocar o sapo em uma panela com água quente ele imediatamente percebe o choque e pula para fora".

Acho que o Brasil está passando pelo processo de fervura do sapo. É incrível a diferença do Brasil de 2001 para o de 2004 e o quanto as pessoas estão impassíveis e pacíficas.

Um de meus colegas, docente de uma universidade federal em São Paulo, recebe um salário equivalente ao que eu pago aqui para a babá da minha filha.

Meu marido, convidado para um congresso no Rio, foi questionado por um assessor ministerial se desejaria conhecer pessoalmente o Ministro da Economia, presente ao evento. Educadamente, meu marido aceitou . E recebeu como resposta: "Pois é, mas para isso tem uma pequena taxa de adesão". Surpreso, meu marido recusou-se a continuar a conversa.

Aliás, no Rio nosso motorista dava enormes voltas para levar-nos ao hotel, aos shoppings e ao Centro de Convenções. Mas fomos informados que na rua tal, estava tendo tiroteio, no outro percurso, ocorria um tal de "bonde", que até agora não entendi, mas é algo que envolve bandidos motorizados.

O surpreendente, é a simplicidade com que as pessoas falam sobre tiroteios na rua.

Quando saímos do Brasil, o Rio não era nenhum paraíso - pelo contrário - mas os tiroteios eram esparsos e nos morros. Hoje, é constante e nas ruas nobres do Rio.

Em São Paulo, assistimos parte do hilariante debate eleitoral na TV. Uma candidata (esqueci o nome), falava de "escolas de lata" e dizia ser "originária de uma família rica". Mas sua cirurgia plástica deve ter sido feita nos morros do Rio, pois a deixou meio caolha, com as pálpebras tortas e se ela continuar a entupir-se de botox, vai começar a vazar pelas orelhas.

Mas, das dezenas de empresas que abandonaram o município não ouvi uma palavra.

Atualmente, o governo Lula comemora os espetaculares índices econômicos, produzidos por um médico, Dr. Pallocci. Não entendo nada de medicina e jamais me atreveria a exercer uma profissão para a qual não possuo embasamento. Mas de economia em geral eu entendo um pouco. E de economia brasileira eu entendo muito. Comemorar a elevação de indicadores econômicos em relação ao ano passado, demonstra despreparo e desconhecimento.

A realidade é que em 2001 e 2002 ocorreu uma grande evasão de empresas e investimentos no Brasil, com receio do futuro governo do PT. Este fato somente refletiu-se na economia em 2003, que, em conseqüência, foi um ano péssimo para o Brasil em termos econômicos.

Desta forma, comparar 2004 contra 2003, médico Pallocci, não é tecnicamente correto. É o mesmo que comemorar por um paciente que está em coma, ter melhorado sua pressão arterial em relação ao dia anterior. O paciente não sarou, médico Pallocci. Ele está gravemente enfermo. Então, deixe para comemorar ou dar declarações festivas quando puder apertar a mão do paciente corado e saudável deixando o hospital.

Mariângela Pereira de Albuquerque - professora universitária no Canadá




391 - 27/03/2005
Rubens Machado

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