A reforma do Judiciário e as férias dos juízes "Nada impede que por lei complementar se altere a Loman para restringir as férias anuais dos juízes" | |||
Que a Justiça brasileira
tarda - e, por isso, falha - todos os cidadãos brasileiros já sabem.
Que o Poder Judiciário precisa ser reformado (agora em nível
infraconstitucional) para dar aos cidadãos brasileiros do terceiro
milênio condições mais céleres e eficazes de acesso à Justiça também
é verdade inconteste. O problema é o que fazer.
O Poder Judiciário está abarrotado de processos. No Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) existem mais de 200 mil ações represadas dormitando no Fórum da Barra Funda no aguardo de envio ao Palácio da Justiça para a distribuição a um relator, o que pode demorar de cinco a seis anos. Fala-se, até, que se todos os processos que aguardam distribuição fossem encaminhados, de uma só vez, para a sede do Tribunal de Justiça para a distribuição imediata, como está previsto na Emenda Constitucional nº 45, que estabeleceu a reforma do Judiciário, o prédio ruiria sob o peso de 720 toneladas de papel. Faltam tribunais, faltam juízes, faltam servidores. E os processos se arrastam. A reforma do Judiciário recém promulgada procurou meios para dar celeridade à Justiça brasileira e, com isso, dar concretude ao direito público subjetivo, do jurisdicionado, à celeridade processual - o direito "à razoável duração do processo". Entre os principais pontos da reforma - alguns alvos de intensas críticas - que objetivam dar celeridade à Justiça brasileira despontam a adoção da súmula vinculante (para impedir a repetição de causas com idêntico fundamento jurídico), a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal (STF) não julgar recursos de pouca relevância, o controle externo do Judiciário por um Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a extinção dos tribunais de alçada e a descentralização dos tribunais (com a criação da Justiça itinerante), entre outros pontos. Uma vez ou outra desponta também, no Poder Legislativo, a idéia de agilizar a Justiça acabando com as férias forenses e com as férias de 60 dias a que os magistrados têm direito. Já em 1991 o deputado Magalhães Teixeira, sob o mote de que "poder não pode tirar férias", apresentou uma proposta legislativa em que diminuía não só o recesso parlamentar - matéria que também vez ou outra vem à tona - como as férias forenses e, a exemplo do que ocorre com todos os demais trabalhadores, estabelecia as férias individuais dos juízes em apenas 30 dias. A reforma do Judiciário, apesar de não tratar do limite das férias individuais dos magistrados, veda a interrupção da atividade jurisdicional, bem como as "férias coletivas nos juízos e tribunais de segundo grau, funcionando, nos dias em que não houver expediente forense normal, juízes em plantão permanente".
Conquanto nada tenha sido dito sobre o prazo das férias individuais dos juízes, nada impede que, por lei complementar de iniciativa do Supremo Tribunal Federal venha a ser alterada a Lei Orgânica da Magistratura (Loman), restringindo as férias anuais. Essa idéia - junto com outras mais, discutidas no âmbito da reforma do Judiciário - poderá minorar o problema da Justiça brasileira no que diz respeito à falta de juízes para desafogar o número imenso de processos. Todo empregado brasileiro tem direito a apenas 30 dias de férias. Tem 30 dias de férias o servidor público, o metalúrgico, o médico, o engenheiro, o bancário, o lojista. Os juízes e os membros do Ministério Público, todavia, têm direito a 60 dias de férias, sem contar as "pontes dos feriados". Pois bem. Digamos, para arredondar, que contando todos os juízes do Brasil (da Justiça estadual, Justiça Federal, Justiça trabalhista, Justiça Eleitoral, Justiça Militar e dos tribunais superiores) cheguemos a mais ou menos 40 mil magistrados. Se em vez de 60 dias de férias, esses juízes passassem a ter, como todo simples mortal brasileiro, "apenas" 30 dias, o que isso significaria? Muita coisa. Teríamos então, pelos 30 dias a menos de férias, 40 mil juízes a mais trabalhando. Esse número, dividido por 12 meses, corresponderia a um acréscimo de 3.333 juízes a mais por mês, trabalhando para diminuir o atraso do Poder Judiciário. E tem mais coisa. Quando o brasileiro empregado sai de férias, leva um terço a mais do seu salário. No caso dos juízes, como têm 60 dias de férias, este um terço corresponde a dois terços sobre seus salários (chamados de subsídios). Com a diminuição das suas férias, a diferença que os cofres públicos economizarão (um terço sobre 30 e não sobre 60 dias) daria para abrir muitos concursos e novos juízes poderiam vir a se somar aos juízes hoje existentes, permitindo, com isso, que o Poder Judiciário pudesse responder à nova norma constitucional que determina "que o número de juízes na unidade jurisdicional deve ser proporcional à efetiva demanda judicial e à respectiva população". É claro que muitas vozes vão se levantar contra, sob a bandeira de alegado direito adquirido (aquele que o Judiciário não reconheceu aos aposentados) ou do desrespeito à garantia constitucional da irredutibilidade de subsídio. Mas muitas outras endossarão essa idéia como um instrumento a mais para a busca do Judiciário que não tarda e não falha. Dentre essas haverá a de muitos juízes, servidores da mais alta competência que, como todos nós, querem um Poder Judiciário que seja efetiva e concretamente - e sem demora - parte do tripé onde se sustenta o nosso Estado democrático de direito. | |||
Rosoléa M. Folgosi - advogada em São Paulo |