O oligopólio bancário
|
A alta concentração
bancária é um dos motivos dos juros elevados e da escassez de crédito no
Brasil. Um estudo do FMI apontou evidências de uma "estrutura de mercado
não competitiva". E o BC, que deveria regular os bancos, está há décadas
vinculado a interesses privados. |
A divulgação dos balanços
bancários de 2004 reacendeu o debate sobre a lucratividade dessas
instituições no Brasil. De uma maneira geral, os resultados foram
excelentes, reforçando a percepção de que os bancos têm poder demais neste
país.
As informações disponíveis confirmam essa percepção. A situação é curiosa: o sistema bancário domina a intermediação financeira no Brasil, os grandes bancos brasileiros estão entre os maiores da América Latina, o tamanho do sistema bancário, medido pela relação entre ativos e PIB, é comparável ao dos EUA e muito maior do que o do México e o da Argentina, por exemplo. Apesar disso, o volume de crédito é modesto – menos de 30% do PIB – muito inferior ao registrado em países desenvolvidos e mesmo em alguns países em desenvolvimento. Os bancos se dedicam em larga medida a operações com títulos públicos, caracterizados por grande liquidez, alto rendimento e baixo risco. O crédito oferecido às empresas e pessoas físicas é caríssimo e de prazo médio curto. As taxas de juro cobradas pelos bancos e os spreads bancários (a diferença entre as taxas de empréstimo e de captação) estão entre as maiores do mundo. Os inúmeros porta-vozes dos bancos nos meios de comunicação atribuem esse quadro lastimável à carga tributária sobre as operações financeiras, aos elevados depósitos compulsórios fixados pelo Banco Central e à dificuldade de recuperar créditos no Brasil. Não há dúvida de que esses fatores pesam. Mas há um outro, muito relevante, que mereceria um pouco mais de atenção: o elevado grau de concentração da atividade financeira no país. Essa concentração, que já era alta, aumentou nos últimos dez anos. O número de bancos vem diminuindo gradualmente, tendo se reduzido em cerca de 25% desde 1995. Os dez maiores bancos respondem por cerca de 2/3 dos ativos bancários e 3/4 dos empréstimos (ver International Monetary Fund, “Stabilization and Reform in Latin America”, fevereiro de 2005, www.imf.org.br, p. 68). No período Fernando Henrique Cardoso, cresceu bastante a presença, até então insignificante, de bancos estrangeiros no Brasil. Na época, a entrada de instituições estrangeiras era justificada com o argumento de que “oxigenaria” o sistema bancário, aumentando a competição e reduzindo o custo do crédito. Não houve, porém, efeito perceptível. Estudo realizado no FMI analisou o desempenho do sistema bancário brasileiro, detectou evidências de uma “estrutura de mercado não competitiva” e concluiu que os bancos se comportam como um oligopólio. Segundo esse estudo, o poder de mercado dos bancos contribui para explicar o reduzido volume de crédito e as elevadas margens bancárias, que são mais altas do que em outras economias latino-americanas e muito mais altas do que nos EUA, no Japão e na zona do euro. A limitada competição entre os bancos contribui para explicar, também, os elevados custos operacionais e a baixa eficiência dos bancos brasileiros, mesmo quando comparados com bancos de outros países latino-americanos (Agnès Belaisch, “Do Brazilian Banks Compete?”, International Monetary Fund, IMF Working Paper, maio de 2003, www.imf.org.br). O poder do oligopólio bancário se estende, evidentemente, para o plano político. As instituições financeiras financiam campanhas eleitorais, têm as suas bancadas no Congresso, exercem grande influência sobre a mídia, contratam economistas e outros profissionais a peso de ouro. Há muitos e muitos anos, a política econômico-financeira do país é definida à sombra dos interesses dos grandes bancos. O Banco Central, em especial, que deveria regular os bancos, está há décadas estreitamente vinculado a interesses financeiros privados. A direção do BC vem sendo amplamente dominada por profissionais que provêm do sistema bancário e adjacências ou que têm esse sistema como destino após a sua passagem pelo governo. O regulador foi capturado pelos regulados. O governo Lula,
diferentemente do que se esperava ou temia, não fez rigorosamente nada
para modificar esse quadro. Nem tentará fazer. Em retrospecto, parece
claro que os atuais governantes fizeram, já antes das eleições de 2002, um
contrato indissolúvel com o establishment financeiro.
|
Paulo Nogueira Batista Jr., economista e professor da
FGV-EAESP
|