Carta do Senador Arthur Virgílio ao Embaixador Celso Amorim

 Brasília, 14 de janeiro de 2005.

 Meu caro Celso,
 Escrevo-lhe como colega e amigo, pretendendo poder manter-me seu admirador também.

 Aceite, portanto, como construtivas as críticas que estou a arrolar e, por favor, interprete o tom informal como demonstração de apreço por sua honrada figura pública.

 Aqui para nós dois, Celso, o Itamaraty está errando na mão. Alguns fatos são até risíveis e, quem sabe, ridículos por igual. Dou-lhe dois exemplos: o nosso Samuel Pinheiro Guimarães dando ordens aos seus auxiliares através de bilhetes em cima de papel carbono, em plena era do computador. Que coisa, Celso! 

 Cobrança de resultados via papel carbono, tecnologia que, pelo caráter "inovador", haveria de assombrar nossos bisavós, nos saraus litero-recreativos de antanho. O outro caso refere-se, também a esse mesmo e ilustre Secretário-Geral: os diplomatas removidos para o exterior ou retornados ao Brasil estão sendo obrigados a ler, na ante-sala do notável Bedel, três livros, a saber, Brasil, Argentina e Estados Unidos, de Moniz Bandeira, obra prefaciada por ninguém menos do que o próprio Samuel Pinheiro Guimarães; Pensamento Econômico Brasileiro, de Ricardo Bielschowsky e Biografia do Barão do Rio Branco, de Álvaro Lins.Pronto! Leu os três compêndios e virou diplomata de verdade, pela cartilha (ou Escolinha) do Professor Samuel.

 Complicado, Celso, é que o drama não se esgota no jocoso, até porque, em outro capítulo, ele resvala para a mesquinharia mais burra. Meu queixo caiu quando me informaram que as obras do Professor e ex-Ministro Celso Lafer teriam sido banidas da bibliografia do Instituto Rio Branco. Meu Deus! Fingir que seu xará não é fonte de peso na formação de um diplomata brasileiro equivaleria a considerarmos produtiva a viagem do Presidente Lula da Silva ao Oriente Médio -, um congraçamento até com ditadores sanguinários de países de economias pífias - sem incluir no roteiro Israel e Arábia Saudita. Algo como algum Chefe de Estado vir à América do Sul e ignorar Brasil e Argentina.

 Tenho restrições à condução que você vem imprimindo à política externa brasileira. Acho o professor Marco Aurélio Garcia um tanto atrapalhado e, mais do que tudo, deslumbrado com o papel de amigo-do-Presidente-que-palpita-sobre-relações-internacionais-e-adora-o-joguinho-de-pegar-avião-para-cá-e-para-lá-em-missões-top-secret (perdoe-me a expressão em Inglês) ora com Chávez, ora com Toledo, ora visitando a ONU, certamente incógnito, delineando a nova ordem internacional com que Lula delira.

 Considero, Celso, que você não fechou nenhum acordo significativo com países ou blocos quaisquer, nestes dois anos. Logo você, profissional de estirpe que é, a quem não é dado ignorar que o Brasil é periférico para a China e que os países emergentes querem diálogo e abertura na direção do Norte e não um canhestro rame-rame Sul-Sul, sem "norte" e sem futuro.

 Está nascendo uma Alca (ainda) informal, sem o Brasil, às suas bem cuidadas barbas, meu caro Celso. Os Estados Unidos vão pactuando com parceiros potenciais nossos e a resistência que oferecemos à Alca é tão tola quanto teria sido tolo o México não ter ingressado no Nafta.

 União Européia? Neca de pitibiriba, Celso! Lula, no início, me dava a idéia de preferir os "companheiros" europeus aos "imperialistas" ianques.

 Hoje ele já deve saber que é mais difícil romper barreiras protecionistas na União Européia - ampliada pelo ingresso de rivais econômicos nossos - que no Nafta. Viv er é isso mesmo, aprendizado, ainda que tardio!

Mercosul? Uma ficção, Celso, a merecer um quarto livro -- este de suspense - a ser empurrado goela abaixo dos seus - e do Samuel - diplomatas, meus queridos e entristecidos e perplexos colegas.

 Temo que os resultados dessa cruzada terceiro-mundista de vocês sejam funestos para futuros governos e futuras gerações no Brasil. Tomara que eu esteja errado. Pelo sim, pelo não, já apressarei a ler as três "bíblias" que resumem, hoje em dia, a cultura diplomática deste Governo.

 Mas, meu amigo, a derradeira "mudança" é mesmo de amargar! Quer dizer, então, que a fluência no Inglês não é mais essencial ao desempenho da atividade diplomática? O Inglês passou a ser despiciendo?  Outras línguas se teriam alçado à mesma "importância" e, por isso, a recomendação seria não se estudar, a fundo, mais nenhuma?

 Não me mate de vergonha, Celso! No Congresso, todo mundo sabe que somos colegas do Itamaraty. Tenha pena d este seu humilde admirador. O Elio Gaspari vai acabar promovendo uma daquelas conversas do além, envolvendo o Barão do Rio Branco, o Afonso Arinos, o Santiago, o Azeredo da Silveira e aí as suas orelhas vão arder, Celso!

 Sabe por que o diplomata americano não precisa estudar português, Celso? Porque o nosso idioma, infelizmente, não é ligação efetiva entre as nações. Eu já quebrei vidro do Consulado americano, no Rio; você, não! Aprendi, no entanto, que a questão não é "amar" ou "odiar" os Estados Unidos, porém reconhecer seu peso enorme, até incômodo, na cena mundial.

 Se o Instituto Rio Branco, além de exigir um inglês fluente e perfeito Japonês, um Espanhol, um Alemão, um Árabe também fluentes e perfeitos, você só mereceria aplausos. Mas nivelar por baixo?

 Fazer "passeata" de ideólogos idosos, protestando "simbolicamente" contra os Estados Unidos ao minimizar a importância da língua (ainda) mais importante do mundo é tolice da grossa! Daqui a pouco o Presidente Lula, que às vezes implica com o vernáculo pátrio, poderá sugerir a supressão do Português e quem sabe, floresçam as possibilidades do Tupi-Guarani, do esperanto (?) ou da língua do "pê".

 Não me leve a mal. É que essa foi forte demais. A turma do Casseta e Planeta deve morrer de inveja por não ter inventado a piada antes.

                               Cordial abraço do

                            Senador Arthur Virgílio





299 - 26/01/2005
Luiz Mráz

Outras notícias