Aposentados inconformados
Aposentadoria permite maior seleção das atividades no tempo livre Por Simone Muniz Pendurar as chuteiras, vestir o pijama, passar o
bastão. Embora encerrar a vida profissional comporte uma série de expressões
pejorativas, elas foram criadas em um contexto em que aposentar-se significava
retirar-se da vida social para dentro de seus aposentos e esperar o fim. E estão
ultrapassadas. É o que comprovam os dados de uma pesquisa realizada na internet
com 1077 aposentados de classe média, pelo Grupo Catho, empresa de recursos
humanos e recolocação profissional.
Hoje, aposentar-se, se há condições
sócio-econômicas, significa se tornar cada vez mais livre para escolher o
futuro, apesar de carregar a inevitável queda de rendimentos financeiros. A
aposentadoria empobrece, de acordo com 98,68 % dos entrevistados.
A importância do trabalho na vida social é
indiscutível e a prova está no fato de que 96% dos que responderam ao
questionário gostariam de voltar à ativa. A resistência a se aposentar é ainda
maior entre os homens. Apenas 24,53 % escolheram de fato de se aposentar, em
comparação a 44,94% das mulheres que fizeram a opção. Deles, 21,3% não se
aposentam até atingirem a idade limite e serem dispensados, enquanto apenas
8,99% das mulheres esperam tanto tempo. "É uma questão cultural, os homens
costumam fazer do ambiente de trabalho o núcleo de sua vida social e não querem
abrir mão dele", explica o coordenador da pesquisa Antônio Brito, gerente do
Grupo Catho.
Porém, a recusa a parar de trabalhar é menos
radical do que parece. Do total de homens e mulheres, 41,23% já tinham recebido
proposta de trabalho e a negaram. Além disso, a aposentadoria não significa
necessariamente o fim. Dentre os que responderam a pesquisa, 14% têm outro
negócio, 12% prestam serviços de consultoria e 8,5% têm alguma atividade de
professor. São atividades consideradas pela maioria dos questionados de outras
categorias, de estagiários a executivos, como as mais prazerosas e desejadas.
De acordo com a socióloga Daisy Stepansky, a
rejeição de ofertas de trabalho pode acontecer não apenas pela desqualificação
da vaga oferecida ao profissional mas também pela maior conscientização dos que
se aposentam sobre a importância de aproveitar melhor seu tempo. "Existe um
grupo bastante influente de aposentados de classe média que estão mais seletivos
e criativos em relação ao usufruto da própria vida", diz.
Para Daisy, a valorização da vida após
aposentadoria é, em grande parte, conseqüência de um movimento de priorização da
vida íntima e afetiva. "Nas últimas décadas, a sociedade iniciou uma busca
desenfreada pelo prazer. E nos obrigou a pensar a nossa saúde emocional e física
como, principalmente, responsabilidade pessoal", explica a socióloga. A
propaganda se torna um ótimo exemplo de como o valor do trabalho se modifica.
Hoje ela mostra as pessoas mais velhas se divertindo mais do que trabalhando,
conforme mostrou Daisy, em sua tese de doutorado pela Escola de Comunicação da
UFRJ, com o título "O idoso na mídia: envelhecimento na sociedade e nos meios de
comunicação".
A idéia de aposentadoria feliz contrasta com
outra imagem, que mostra o encerramento de uma carreira e o aumento da
expectativa de vida como motivos para temor, por causa do peso nas finanças
familiares. Segundo Stepansky, essa visão atende, sobretudo, aos interesses de
instituições de previdência privada, dos governos, entre outras entidades. "É
uma imagem que ajuda a convencer a população de que o aposentado é um problema
e, portanto, facilita as mudanças no sistema previdenciário e a diminuição da
renda do aposentado", diz.
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