GOVERNO MUDA ESTRATÉGIA E ENFRENTA BANCÁRIOS



Radicalização do movimento e pressão dos bancos privados forçam reposicionamento
 
 O governo perdeu o controle da greve nacional dos bancários, a mais forte desde 1990, e, por isso, resolveu endurecer com o movimento, anunciando o corte do ponto nos bancos federais e ameaçando recorrer ao Tribunal Superior do Trabalho (TST). "Ceder hoje significa sinalizar ao movimento que a gente cede em qualquer situação, à imagem do governo Sarney", afirmou um ex-sindicalista que participa das negociações pelos bancos federais.

A decisão de enfrentar o movimento, poucos dias depois de o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva ter manifestado simpatia com a causa da categoria, mostra uma guinada radical na orientação do Palácio do Planalto.
Além de Lula, outros ministros ex-sindicalistas, como Olívio Dutra (Cidades), deram declarações considerando a greve "justa e legítima", num contexto de altos lucros do sistema financeiro. A radicalização do movimento próximo das eleições e a pressão dos bancos privados obrigaram o governo a se reposicionar.

"O presidente espera que as partes cheguem a um entendimento aceitável para todos e que bancos e sindicatos não permitam que a população seja prejudicada", disse ontem o porta-voz da Presidência da República, André Singer. Ele tentou poupar Lula do desgaste da decisão de descontar os dias parados dos grevistas dos bancos federais, alegando que não cabe ao presidente decidir sobre esse assunto. A decisão, porém, foi tomada na segunda-feira, numa reunião com os ministros José Dirceu (Casa Civil), Luiz Gushiken (Comunicação) e Ricardo Berzoini (Trabalho), além dos presidentes do Banco do Brasil, Cássio Casseb, e da Caixa Econômica Federal, Jorge Matoso.

O presidente da Confederação Nacional dos Bancários (CNB/CUT), Vagner Freitas, considerou a decisão do governo um erro estratégico. "Foi pouco inteligente. Isso só radicaliza a greve."
O confronto com os bancários também põe por terra uma estratégia de meses de negociação que vinha sendo conduzida pelo ministro do Trabalho e buscava criar um ambiente político favorável às reformas sindical e trabalhista.

Fora de controle - A situação começou a fugir do controle quando o governo subestimou a insatisfação dos bancários e superestimou a influência das direções sindicais, suas aliadas. A proposta de reajuste de 8,5% para todos os bancários, da rede privada e pública, foi costurada pelo ex-sindicalista Berzoini, com aval de seus antigos companheiros de sindicato.
Nos encontros antes da greve, os líderes sindicais referendavam a proposta.

Tudo indicava que ela seria aceita pelas assembléias. Mas, na semana anterior a 14 de setembro, quando a paralisação foi deflagrada, as mensagens trocadas pelo correio eletrônico nos bancos federais revelaram que o descontentamento com os 8,5% era grande. Nas assembléias, os mesmos sindicalistas que haviam negociado o acordo com os banqueiros e o governo federal foram pressionados a recuar e, em alguns casos, como São Paulo, foram literalmente atropelados pelas suas bases.

Essa rebelião foi liderada principalmente por militantes oposicionistas do PSTU, partido que em São Paulo e no Rio tem bancários como candidatos a prefeito e aproveitou o horário eleitoral para insuflar a categoria. "O governo Lula se juntou aos banqueiros. Elevou os juros e agora que decidiu derrotar a greve dos bancários", critica o ex-candidato à Presidência pelo PSTU, José Maria de Almeida.

Segundo ele, a Federação Nacional dos Bancos (Fenaban) teria um plano B para apresentar uma contraproposta, mas o governo federal estaria pressionando-a a não ceder. A base de negociação é conjunta, e uma eventual concessão dos bancos privados obrigaria os públicos a fazerem o mesmo, até porque a paralisação é mais forte nestes últimos. Esse é um dos motivos pelos quais os bancos privados teriam cobrado do governo sua responsabilidade para encerrar a greve.

Interlocutores do Planalto negam que a decisão do corte de ponto decorra da pressão dos banqueiros, mas admitem que os bancos federais têm menos margem financeira do que os privados para melhorar a proposta de reajuste.
 
(O Estado de São Paulo)




118 - 29/09/2004
Celeste Viana


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