Tribunal da Cidadania ? | |
| Por João Baptista
Orsi
Advogado Salta aos olhos para quem acessa a página na Internet do Superior Tribunal de Justiça a expressão “Tribunal da Cidadania”. Cidadania, um conceito contemporâneo e substrato das sociedades democráticas, dentre outras coisas pressupõe uma justa e eqüitativa distribuição dos benefícios do mundo moderno aos cidadãos, onde os interesses da maioria restem protegidos contra ações nefastas de poderosas organizações, cujo surgimento é característica marcante da sociedade pós-moderna. Segundo o grande jurista J. J. Calmon de Passos, a cidadania, em sua plena abrangência, engloba direitos políticos (participação), direitos civis (autodeterminação) e direitos sociais (pretensão a prestações públicas). Ser cidadão, portanto, importa na titularidade de direitos nas três esferas apontadas, vale dizer, de um poder de vontade não sujeito a limitações e controles que o anulem ou inviabilizem. E mais, a exclusão de qualquer das esferas apontadas, ou a limitação em qualquer delas, é fragilização da cidadania. Ser cidadão plenamente significa poder de participação efetiva na vida política e participação com preservação do poder de autodeterminação pessoal, seja em termos de impor abstenções ao Estado, seja em termos de lhe exigir prestações. Esta a cidadania verdadeira. De outro lado temos, segundo o mestre, a cidadania tutelada, formalmente deferida, mas operacionalmente constringida. Outorga-se formalmente a cidadania, mas não se deferem, de forma institucionalizada, os instrumentos que a garantem. Voltando ao Superior Tribunal de Justiça, fico a pensar a qual cidadania ele se refere em seu saite. Não é desconhecido dos operadores do Direito que o referido Tribunal vem sepultando inúmeras conquistas da cidadania, através de orientações seguidas nos últimos anos, frontalmente contrárias aos interesses da esmagadora maioria da população, em benefício de poderosos grupos econômicos. E, para que não seja considerado exagero do articulista, passa-se a rememorar algumas grandes questões de interesse da sociedade julgadas no STJ, as quais fizeram coro a lógica que se instalou no país de proteção incondicional aos grandes capitais que aqui aportaram na última década. Importante frizar que as inúmeras decisões prejudiciais à cidadania abaixo elencadas, contrariam o maciço entendimento dos Tribunais Estaduais e Regionais, obstaculizando a consagração de abordagens modernas do Direito e consentâneas com a realidade do país. São elas: Juros bancários: afirma serem “livres” as taxas de juros, inobstante a crucial situação da população e a relativa estabilidade da economia, afastando a incidência da abusividade condenada pelo CDC. Cartão de Crédito: além de permitir a taxa livre dos juros, modificando entendimento anterior, chancela, agora, a utilização da nefasta cláusula mandato, onde a administradora contrai operações de crédito, em nome do usuário, para pagar a dívida deste. Leasing: permite que as administradoras repassem metade da elevada variação da moeda norte americana, em 1999, para os arrendatários, numa engenharia jurídica condenável, em flagrante afronta ao CDC. De outra parte, reviu o entendimento que descaracterizava o contrato de leasing, quando cobrado antecipadamente o residual, para não prejudicar as administradoras. Telefonia: esta foi a última grande questão enfrentada, onde mais uma vez o consumidor foi sucumbente, face à autorização de reajuste pelo índice mais gravoso, mesmo estando as tarifas em preços superiores aos praticados em muitos países desenvolvidos. Tanto isso é verdade, que as próprias operadoras acabaram por concordar em não repassar a totalidade do reajuste. Finalizando, o presente artigo nada mais pretende além do que convidar os operadores do Direito a uma reflexão sobre o assunto, e quem sabe, através de movimentos organizados, fazer com que, realmente, o STJ seja alçado à condição de Tribunal da Cidadania, pois, a meu ver, hoje não faz jus a este galardão. |