PODER JUDICIÁRIO FEDERAL
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO 15a REGIÃO
Vara do Trabalho de CRAVINHOS/SP
Processo n° 165/2006
 

TERMO DE AUDIÊNCIA
 

             Aos 10 (dez) dias do mês de março do ano de dois mil e seis, às 14h 27min, na sala de audiências desta VARA, sob a presidência do Dr. RENATO CÉSAR TREVISANI, Juiz do Trabalho, foram apregoados os litigantes:
 

             Autores: ARILDO BACAN, EDSON GONÇALVES DOMINGOS, ISMAEL DOS SANTOS, JOÃO LUIZ BORDIGNON, LUIS ANTÔNIO DA CRUZ CALDANO, LUIZ ANTÔNIO NOGUEIRA, MIGUELCASSIARO NETO e SÔNIA APARECIDA SACCHI BORDIGNON
 
              Réu: BANCO DO ESTADO DE SÃO PAULO SA
 
              Ausentes as partes. Prejudicada a última tentativa conciliatória. Submetido o processo a julgamento, esta VARA proferiu a seguinte
 
SENTENÇA
 
I- RELATÓRIO
 
              ARILDO BACAN, EDSON GONÇALVES DOMINGOS, ISMAEL DOS SANTOS, JOÃO LUIZ BORDIGNON, LUIS ANTÔNIO DA CRUZ CALDANO, LUIZ ANTÔNIO NOGUEIRA, MIGUELCASSIARO NETO e SÔNIA APARECIDA SACCHI BORDIGNON ajuizaram esta ação trabalhista em face do BANCO DO ESTADO DE SÃO PAULO SA, todos já qualificados, alegando, em síntese, que foram admitidos pelo Réu antes de 22.05.1975 nos exatos limites dos documentos juntados com a inicial, naquelas funções e que atualmente se encontram como aposentados ou pensionistas, entretanto, continuam vinculados ao Réu deste recebendo a complementação de aposentadoria representada pela diferença entre o valor pago pelo INSS e a remuneração que recebiam à época da aposentadoria, que não aderiram ao chamado plano Pré-75, que foram incluídos no plano BANESPREV (criado a partir da data acima) na condição de agregados, que o Banco Central passou a ser gestor do Réu objetivando a privatização; que o controle acionário do Réu passou do Governo Estadual ao Federal; que o Senado Federal autorizou a emissão de títulos públicos federais, nominativos e inegociáveis, com o prazo de 25 anos, corrigíveis mensalmente pelo IGP.DI do mês anterior mais 12% de juros ano ano com a finalidade exclusiva de honrar o pagamento dos benefícios previdenciários dos empregados do Réu admitidos até 22.05.75, mediante o resgate de 291 parcelas mensais e consecutivas desses títulos, vencendo a primeira em 15.01.98, que o Ré u tem recebido os valores acima sem a devida transferência, mantendo os valores em carteira própria, sem ofertar qualquer prestação de contas, como inicialmente obrigado, que o Banco Central e o Conselho Monetário Nacional foram acionados e se manifestaram sobre o ocorrido, que o Réu em 1999 criou um fundo de pensão chamado Plano Pré-75 responsável pela complementação e suplementação de valores ao aposentados e pensionistas; que as imposições advindas do Réu foram rejeitadas em assembléia realizada pelos associados/interessados, no final de 1999; que de um total de mais de 14 mil aposentados apenas 851 aderiram à imposições construídas pelo Réu, em vias de ser privatizado com publicação do respectivo edital em 10.01.2000 (DOU), que a União Federal autorizou a negociação dos títulos federais (que funcionavam como lastro) até então inegociáveis o que possibilitou a venda imediata, ferindo preceitos legais dentre os quais a CF e a Lei 8666; que esta aletração destinou prejuízos àqueles que não tinham optado pelo já citado plano Pré-75; que inclusive tais prejuízos também foram direcionados ao Estado de São Paulo e à própria União, na condição de responsáveis solidárias pelo passivo do Réu, que o atual administrador, por vitorioso na licitação, procedeu à alterações de cláusulas violando direito então adquirido pelos funcionários admitidos antes de 1975; que os títulos federais rendem a variação do IGPDI mais 12% de juros ao ano o que não está sendo repassado aos aposentados e pensionistas; que apenas aqueles 851 aposentados, na condição já narrada, estão recebendo reajustes anuais o que caracteriza tratamento discriminatório tendo em vista que os títulos federais deveriam garantir o passivo previdenciário de todos aqueles que haviam sido admitidos antes de 22.05.1975, sendo que por estas e demais razões de fato e de direito expostas na petição inicial, pleiteiam as verbas elencadas às fls. 13 . Juntaram documentos. Deram à causa o valor de R$40.000,00.
              Em audiência foi rejeitada pelas partes a primeira proposta conciliatória.
              O Ré apresentou contestação, trazendo matéria preliminar centrada em INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA, requerendo pela suspensão do feito, requereu pela EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DO LUGAR, LITISPENDÊNCIA e CARÊNCIA, pretendendo pela aplicação da DECADÊNCIA e PRESCRiÇÃO, sendo que no mérito assevera que nada mais é devido aos Autores, pugnando pela improcedência de todos os pedidos, eis que tem cumprido o regulamento interno diante da opção feita por cada um dos aposentados. Também juntou documentos.
              Dispensados os depoimentos das partes, sem a oitiva de testemunhas.
               Encerrada a instrução processual.
              Razões finais do(a) Autor(a)/Ré(u) remissivas.
              Prejudicada a última tentativa conciliatória.


                                                II - FUNDAMENTAÇÃO

              Questão Processual
              Na condição de Litisconsortes, nem todos mantêm o requisito básico, quer seja: "idade igualou superior a 60 (sessenta) anos, em qualquer instância" para que seja destinada tramitação preferencial como pretendida. Frise-se que o mesmo vale para o cônjuge supérstite (§ 2° da lei acima), no caso de falecimento do(a) Autor(a) titular.
              Portanto, deverão ser excluídos, destes autos todos os Autores que não possuam a condição acima dirigida à tramitação especial e preferencial, nesta data.
              Recomenda o Juízo a individualização destas ações futuras. diante da facilidade de se destinar a cada um dos Autores abaixo. o benefício em questão à medida em que forem adquirindo a idade supra.
              Intimem-se, de imediato, as partes a seguir bem como o respectivo patrono desta decisão para providências: LUIZ ANTÔNIO DA CRUZ CALDANO e SÔNIA APARECIDA SACCHI BORDIGNON, que deverão ser excluídos destes autos, com base no artigo 267-IV do CPC.
  Fica, desde já, autorizado o desapensamento dos documentos necessários ao ajuizamento das ações como acima recomendado.

                À Secretaria. no mais.


                Preliminar (Incompetência)
                O que define a competência em razão da matéria na Justiça do Trabalho, não é a legislação aplicável à espécie, uma vez que o direito comum é fonte subsidiária do direito do trabalho, conforme parágrafo único, artigo 8° da CL T.
A competência desta Especializada está definida em sede Constitucional, centrada no artigo 114. Assim, se o dissídio tem origem na condição de serem as partes trabalhador e empregador, há competência desta Justiça Laboral com exclusão de qualquer outra, posto que fundado na relação de emprego, frise-se.
Por fim, mesmo se assim não fosse, a EC45 espanca esta pretensão da Ré.

                Preliminar (Ilegitimidade)
                Pretende a(o) Ré(u) ver declarada sua ilegitimidade "ad causam" nos termo ps trazidos com a contestação. E mais que certo que a legitimidade da parte é uma das condições da ação, cuja falta acarreta a extinção do processo sem apreciação de seu mérito. Entretanto, o(a) Autor(a) trouxe a(o) Ré(u) como integrante de relação jurídica material havida, circunstância que autoriza este Juízo a rejeitar tal preliminar, sem uma ampla análise dos fatos trazidos aos autos. É o que se decreta. 

                Preliminar (Carência da ação)
   
           É carecedor da ação aquele que não apresenta interesse, é parte ilegítima ou postula pedido juridicamente impossível (artigo 267, VI do CPC). Tem o(a) Autor(a) interesse na propositura e processamento da presente ação, pois resistindo a(o) Ré(u) a seu pleito subjetivo, o processo é útil e necessário à solução da lide. Ademais, ilegítimo é o que é falso. Quanto à legitimidade a matéria já se acha apreciada e decidida eis que a pertinência subjetiva da ação se verifica, pois, em Juízo estão os conflitantes.
Juridicamente impossível é a pretensão que esbarra em vedação legal, como o pleito relativo à herança de pessoa viva, a exemplo.
Nos presentes autos o(a) Autor(a) postula em face da(o) Ré(u) pretensão objeto do conflito jurídico-material, possível juridicamente. Nada está a configurar carência da ação, ao contrário do que pensa o Réu. 

                Litispendência

                Não há se falar em Litispendência entre Ação Coletiva e ação individual, pois as partes são diversas e também a natureza da pretensão. De outro lado, a ação coletiva, destinada a facilitar o acesso à justiça, não pode obstar o autor de postular seu direito em sede individual. Aplicável à hipótese o artigo 103 do CDC.

                Suspensão do Processo
 
               Também não há se falar em suspensão do processo, por não presentes as hipóteses do artigo 265 do CPC. Por oportunos, vejam-se.

                MÉRITO
 
               Está de certa forma consolidado o entendimento de que a complementação de aposentadoria é norma benéfica e, portanto, deve ter interpretação restritiva. De outro lado, também é certo que a jurisprudência do TST (Súmulas 51 e 288), consagrou o entendimento no sentido de que a complementação é regida pelo regulamento vigente à época do contrato de trabalho, salvo alterações mais benéficas. Assim deve ser!
                O regulamento que instituiu a complementação de aposentadoria deixa claro que o benefício tem natureza trabalhista e, portanto, as alterações só podem ser realizadas em benefício do empregado, sob conseqüência de nulidade da cláusula de alteração (artigos go, 444 e 468, ambos da CLT em conjunto com as Súmulas acima.
                In casu, vê-se que durante longos anos, a complementação de aposentadoria fora paga com base no salário dos funcionários da ativa. Entretanto, a partir de setembro de 2001, o reajuste não se deu no mesmo patamar dos funcionários da ativa.
 
                Muito bem lembrado, a seguir, pelo ilustre professor CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO, ao se referir às obrigações constantes do Edital de Privatização do Banespa (v. Fls. 53):
                "Ulteriormente, ao ser promovida a privatização do BANESPA pelo Governo Federal, que lhe assumira o controle acionário, o edital de venda, datado de 03 de outubro de 2000, em sua cláusula 5.2, cuja rubrica é OBRIGAÇÕES ESPECIAIS DO ADQUIRENTE NOVO CONTROLADOR, enuncia que o adquirente das ações e seus eventuais sucessores ficarão obrigados solidariamente de forma irrevogável e irretratável, entre outras sujeições a, na conformidade do item VI da referida cláusula, a 'garantir que o BANESPA manterá a sua condição de patrocinador do Plano de Complementação de Aposentadoria e Pensões destinado aos funcionários admitidos até 22 de maio de 1975 - Plano Pré-75, aprovado por intermédio do Ofício n 251/SPC/COJ, de 31 de janeiro de 2000, junto a entidade fechada de previdência fechada, sendo-lhe vedada sob qualquer hipótese, a solicitação de retirada de patrocínio na forma prevista na Resolução MPAS/SPC no 6 de 07 de abril de 1988, ou em outras disposições que disciplinem ou venham a disciplinar a matéria '.
XI-Na cláusula 6.2, relativa a 'Constituição de Breve histórico' consta uma relação de títulos federais recebidos pelo BANESPA e que lhe constituem ativos entre os quais estão expressamente mencionados "Ativos escriturados no sistema 'Securitizar' da CETlP, no valor de R$2.902 milhões em 15/12/97, corrigíveis pela variação do índice IGP-DI calculado pela Fundação Getúlio Vargas - FGV acrescidos de juros de 12% a.a. e amortizáveis em 291 parcelas mensais, vencíveis a partir de 15/01/98".

                    E assim continua, o renomado professor Paulista, ao reforçar que:

                "Com efeito, que sentido teriam as mencionadas disposições normativas e que sentido teria a securitização dos ativos escriturados no Sistema Securitizar a Central de Custódia e de Liquidação Financeira de Títulos - CETlP, senão o de tornar determinada situação jurídica plenamente consolidada, garantida e protegida contra quaisquer sucessivas alterações? Houve, manifestamente, nestes atos todos o induvidoso alcance de cristalizar uma dada situação tornando-a consolidada e defendida de maneira a assegurar aos seus beneficiários um direito intangível".

                Nesta linha de raciocínio, que fique claro que este Juízo concorda com o parecer do jurista BANDEIRA DE MELLO vez que, quando da privatização, os aposentados e pensionistas do BANESPA já possuíam o direito adquirido de correção da pensão de acordo com o índice IGP-DI, da Getúlio Vargas. 
 
                A dificuldade para a definição de qualquer conceito é conhecida e sobreleva-se quando direciona-se ao direito adquirido. Assim, nas lições de VICENTE RÁ0(1): "Seja qual for a doutrina que se aceite, o que não sofre dúvida é não haverem os juristas, até hoje, encontrado uma fórmula única e geral, aplicável a todos os aspectos do conflito das leis no tempo. E por haver-se, afinal, verificado a impossibilidade da compreensão de toda a disciplina em uma só fórmula, em um só princípio, Roubier, em sua citada exposição de motivos do anteprojeto de reforma do Código Civil francês, procura apresentar tantos princípios, ou quando menos, tantas regras gerais, quantas se revelarem necessárias".
                Referência sempre mencionada no estudo da matéria, o italiano GABBA(2) lança a seguinte definição: "é adquirido todo direito que - a) é conseqüência de um fato idôneo a produzi-lo, em virtude da lei do tempo no qual o fato foi consumado, embora a ocasião de fazê-lo valer não se tenha apresentado antes da atuação de uma lei nova sobre o mesmo; e que - b) nos termos da lei sob cujo império se entabulou o fato do qual se origina, entrou imediatamente a fazer parte do patrimônio de quem o adquiriu".

1  op. cit. p. 441.
2  apud R. Limongi França, A irretroatividade das leis e o direito adquirido, 1982, p. 50. PEREIRA, Caio Mario da Silva, Instituições de Direito 3  Civil, vol. 1. p. 105

                Acredito que é um direito exercitável segundo a vontade do titular e exigível na via jurisdicional quando seu exercício é obstado pelo sujeito obrigado à prestação correspondente. Se tal direito é exercido, foi devidamente prestado, tornou-se situação jurídica consumada e extingue a relação jurídica que o fundamentava. Se o direito subjetivo não foi exercido, advindo a lei nova, transforma-se em direito adquirido, porque era direito exercitável e exigível à vontade de seu titular. Incorporou-se no seu patrimônio, para ser exercido quando lhe conviesse. A lei nova não pode prejudicá-lo, só pelo fato de o titular não o ter exercido antes.
                Não é rara a afirmativa de que não há direito adquirido em face de lei de ordem pública ou de direito público. Mas CAIO, MARIO DA SILVA PEREIRA(3) assinalou a idéia do direito adquirido, tal como consignada na Lei de Introdução ao Código Civil, e sua incidência tanto sobre o direito público quanto sobre o direito privado, definindo que a existência de um direito subjetivo, de ordem pública ou de ordem privada, advindo de fato idôneo a concretizá-lo sob a égide da lei vigente ao tempo em que ocorreu, e incorporado ao patrimônio individual, não pode a lei superveniente ofender.

                O STF assim se manifestou, servindo o aresto seguinte como razão de decidir:

            "Princípio constitucional da intangibilidade das situações definitivamente consolidadas. No sistema constitucional brasileiro, a eficácia retroativa das leis - (a) que é sempre excepcional, (b) que jamais se presume e (c) que deve necessariamente emanar de disposição legal expressa - não pode gerar lesão ao ato jurídico perfeito, ao direito adquirido e à coisa julgada. A lei nova não pode reger os efeitos futuros gerados por contratos a ela anteriormente celebrados, sob pena de afetar a própria causa - ato ou fato ocorrido no passado - que lhes deu origem. Essa projeção retroativa da lei nova, mesmo tratando-se de retroatividade mínima, incide na vedação constitucional que protege a incolumidade do ato jurídico perfeito. A cláusula de salvaguarda do ato jurídico perfeito, inscrita na Constituição da República 5° XXXVI, aplica-se a qualquer lei editada pelo Poder Público, ainda que se trate de lei de ordem pública. Precedentes do STF. A possibilidade de intervenção do Estado o domínio econômico não exonera o Poder Público do dever jurídico de respeitar os postulados que emergem do ordenamento constitucional brasileiro, notadamente os princípios - como aquele que tutela a intangibilidade do ato jurídico perfeito - que se revestem de um claro sentido de fundamentalidade. Motivos de ordem pública ou razões de Estado - que muitas vezes configuram fundamentos políticos destinados a justificar, pragmaticamente, ex parte principis, a inaceitável adoção de medidas que frustram a plena eficácia da ordem constitucional, comprometendo-a em sua autoridade - não podem ser invocados para viabilizar o descumprimento da própria Constituição, que, em tema de atuação do Poder Público, impõe-lhe limites inultrapassáveis, como aquele que impede a edição de atos legislativos vulneradores da intangibilidade do ato jurídico perfeito, do direito adquirido e da coisa julgada. Doutrina e jurisprudência (STF, Ag 251533-6-SP, Ré. Min. Celso de Mel/o, V.U., j. 25.10.1999, DJU 23.11.1999, pp. 32/33).

            No mais, cuidou o legislador ordinário pátria em definir o direito adquirido junto à Lei de Introdução ao Código Civil (que serve a todos) quando traz, no § 2°, art. 6°, que:
"Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo prefixo, ou condição preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem". 
 
            O respeito ao direito adquirido, por constar no rol do artigo 5° da Constituição da República, caracteriza-se como uma cláusula pétrea (artigo 64, §4°, IV). Também o Supremo Tribunal Federal(4) considera os direitos individuais como direitos humanos de primeira geração, modernamente denominados direitos "prima facie" e, portanto, intangíveis. Na frase de PONTES DE MIRANDA, os direitos humanos constituem o "Núcleo Imodificável da Constituição”.
               Acerca da eficácia das cláusulas pétreas, sustenta com propriedade UADI LAMMÊGO BULOS(5):
 
            "Cumpre investigar a produção de efeito das cláusulas pétreas, que servem de parâmetro para sabermos o alcance da atividade reformadora. Elas são aquelas que possuem uma supereficácia total, como é o caso dos incisos I a IV, infra. Daí não poderem usurpar os limites expresso e implícitos do poder constituinte secundário. Logram eficácia total, pois contêm uma força paralisante de toda a legislação que vier a contrariá-las, de modo direto ou indireto. Daí serem insuscetíveis de reforma, e.g., arts. 1°, 2°, 5°, I à LXXVII, 14, 18, 34, VII, a e b, 46, p. 1° etc. Ultrapassá-Ias significa ferir a Constituição. São, também, ab-rogantes, desempenhando efeito positivo e negativo. Tem efeito positivo, pois não podem ser alteradas através do processo de revisão ou emenda, sendo intangíveis, e logrando incidência imediata. Possuem, noutro prisma, efeito negativo pela sua força paralisante, absoluta e imediata, vedando qualquer lei que pretenda contrariá-Ias. Permanecem imodificáveis, exceto nas hipóteses de revolução, quando ocorre ruptura na ordem jurídica para se instaurar outra",


4   "Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) - que compreendem as liberdades
clássicas, negativas ou formais - realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) - que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas - acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados enquanto valores fundamentais e indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade" (STF - Pleno - MS n. 22.164jSP - ReI. Min Celso de Mello, Diário da Justiça, Secção I, 17 nov 1995, p. 39.206.
5   Bulos, Uadi Lammêgo. "Constituição Federal Anotada", 6B Edição, São Paulo, Saraiva, 849. 

 
            Sob outro enfoque, o Réu, por meio de instrumentos normativos coletivos, concedeu aos funcionários da ativa diversos benefícios de caráter não salarial como qüinqüênios, gratificações e abonos, os quais em face da natureza não salarial não são extensivos aos inativos.A situação dos jubilados restou extremamente prejudicada, vez que, durante anos, houve equiparação com o salário do pessoal da ativa.
 
            Já é fato incontroverso que os Autores não optaram pelo plano de complementação regido pela BRANESPREV, ao contrário de outros, poucos. Entretanto, o sistema deste último regime tem sido reajustado com índices mais benéficos que o plano escolhido pelos Autores, o que, de forma inequívoca, viola os princípios da isonomia e paridade, vez que os Autores não podem obter as mesmas vantagens dos ativos, em razão da natureza não salarial das parcelas que lhes foram concedidas e também não podem fazer jus aos índices do regime do BRANESPREV.
            Para os pensionistas que aderiam ao BANESPREV, a complementação tem sido paga com base na correção do índice IGP-DI, da mesma forma que são atualizados os títulos federais especialmente criados para garanti-los, enquanto para os que não aderiram ao referido plano, a correção da complementação de aposentadoria tem se dado, a partir de setembro de 2001 com índice, acentuadamente inferior.
 
            Cumpre ainda destacar que a pretensão dos Autores também encontra eco no princípio da vedação à discriminação (artigo 7°, XXX, da CF, da dignidade da pessoa humana, dos valores sociais do trabalho (artigo 1°, 111 e IV, da CF e também no princípio da justiça social (artigo 3°, da CF).
            Até mesmo sob outro enfoque, não se pode olvidar que, atualmente, a iniciativa particular vem tendo primazia na atividade econômica (arts. 170/ss da CF), cumprindo à empresa maior responsabilidade social, restando ao Estado apenas atividade complementar, o que significa dizer que cumpre à empresa não só zelar pelo presente do empregado, mas também pelo seu futuro. Por isso, a complementação de aposentadoria concedida ao autor é fruto dessa maior responsabilização social do banco-Réu e não pura e simplesmente, uma benesse que deverá ser concedida aos Autores.
 
            Nesse diapasão, adverte, com a propriedade que lhe é peculiar, MIGUEL REALE(6) "o que se impõe é a ruptura com atitudes intransigentes, reconhecendo-se que, tais sejam as conjunturas, será aconselhável optar-se aqui, pela iniciativa privada, acolhendo-se, acolá, de bom grado a participação do Estado em vários ramos da atividade social, numa adequação pragmática entre a ideologia política e a realidade cambiante e variegada a que nos couber dar atendimento. Assim sendo, o contraste entre Estado onipotente e Estado evanescente que esteve no centro dos debates nas épocas anteriores - perde todo sentido, passando-se a reconhecer a indispensabilidade do Estado, cujas funções, no entanto, cumpre objetivamente rever, tendo como centro de referência o primado da sociedade civil sobre as estruturas burocrática.
 
            Estabelecidos per suma capita esses pressupostos de ordem geral, já se compreende que a terceira fase do Direito Moderno se distingüirá cada vez mais por um entendimento amplo e flexível da vida jurídica em sentido de integralidade, para o que tem contribuído notavelmente a compreensão do Direito em termos axiológicos, a tal ponto que já se pode admitir uma passagem da Jurisprudência de Interesses para a Jurisprudência de Valores".

6   Reale, Miguel, "Nova Fase do Direito Moderno", 28 Edição, São Paulo, Saraiva, 2001, pág. 118.

 
            Então, conforme relatado pelo professor REALE, a interpretação do direito deve se pautar pela experiência concreta, na equidade, na jurisprudência de valores, buscando sempre a operabilidade. Na visão de RENATO RUA DE ALMEIDA(7) "a interpretação jurídica do Direito do Trabalho deve ser mais realista e menos racionalista, tendo em vista o contexto da empresa moderna, sobretudo da pequena empresa, por ser fonte privilegiada do pleno emprego".
            Prossegue o festejado professor ALMEIDA(8): "de fato, a função social da empresa na articulação da mão-de-obra pelo empresário, caracterizada pela atividade do empregador, como aquele que dirige a prestação pessoal de serviço (art. 2°, da CL T), significa exercer um direito-função, que passa pela participação dos trabalhadores na gestão da empresa, conforme doutrina Octávio Bueno Magano (Magano, 1982).
 
                Ademais, a função social da empresa na articulação participativa da mão-de-obra na gestão empresarial tornou-se princípio contido na Constituição Federal de 1988, em seu artigos 7°, XI e 11, na condição de direito social e, portanto, direito fundamental (Título 1/- Dos Direitos e Garantias Fundamentais e Capítulo /I - Dos Direitos Sociais), o que, na visão pós-positivista da interpretação constitucional, constituiu norma efetiva com força vinculante em razão da força normativa da constitucional (Barroso, 2004).
            É preciso, pois, essa filtragem constitucional na construção de uma nova dogmática jurídica, como preconiza Paulo Ricardo Schier (Schier, 1999), de modo que os direitos fundamentais constitucionais tenham maior eficácia nas relações privadas (Sarmento, 2004), o que significa dizer, na hipótese do presente estudo, que se encontra no princípio constitucional da participação dos trabalhadores na gestão da empresa a necessária orientação de que, com a adoção da teoria da empresa pelo Código Civil de 2002, a atividade econômica organizada da empresa deverá articular o fator da mão-de-obra de foram participativa na consecução dos objetivos de produção ou circulação de bens ou de serviços para o consumo da sociedade".


7   Almeida, Renato Rua. "A teoria da Empresa e a Regulação da Relação de Emprego no Contexto da Empresa". São Paulo, Revista do Advogado, AASP, Ano XXV, Junho de 2005, n. 82, pág. 110.
8   Almeida, Renato Rua. "A teoria da empresa e a regulação da relação de emprego no contexto da empresa", São Paulo, Revista do Advogado, AASP, ano XXV, Junho de 2005, n. 82, pág. 109.


 
            Para complementar esta modesta fundamentação, necessário colacionar acórdão da lavra do MM Juiz do Trabalho pertencente ao audro do TRT15a Região e Professor da USP, JORGE LUIZ SOUTO MAIOR:

            EMENTA: PRINCÍPIO DA PARIDADE. UM COMPROMISSO DE GERAÇÕES.

 
            "É comum a gente sonhar, eu sei, / Quando vem o entardecer / Pois eu também dei de sonhar / Um sonho lindo de morrer. / Vejo um berço e nele eu me debruçar / Com o pranto a me correr. / E assim, chorando, acalentar / O filho que eu quero ter. / Dorme, meu pequenininho, / Dorme que a noite já vem. / Teu pai está muito sozinho / De tanto amor que ele tem. / De repente o vejo se transformar / Num menino igual a mim / Que vem correndo me beijar / Quando eu chegar lá de onde eu vim. / Um menino sempre a me perguntar / Um por quê que não tem fim. / Um filho a quem só queira bem / E a quem só diga que sim. / Dorme, menino levado, / Dorme que a vida já vem. / Teu pai está muito cansado / De tanta dor que ele tem. / Quando a vida, enfim, me quiser levar / Pelo tanto que me deu, / Sentir-lhe a barba me roçar / No derradeiro beijo seu. / E ao sentir também sua mão vedar / Meu olhar dos olhos seus, / Ouvir-lhe a voz a me embalar / Num acalanto de adeus: / Dorme, meu pai, sem cuidado, / Dorme que ao entardecer / Teu filho sonha acordado / Com o filho que ele quer ter." (O filho que eu quero ter, Toquinho e Vinícius de Moraes) (Ac. TRT da 15a Região - Proc. 01236-2002-07415-00-8 RO- Relator Juiz Jorge Luiz Souto Maior - DOESP de 12/3/2004).
 
            Em razão dos sólidos fundamentos do presente acórdão, mesmo que de forma parcial, passo a transcrevê-Ias abaixo, inclusive adotando-os como razões para decidir:
            "Pode parecer, em princípio, que a paridade entre ativos e inativos não foi quebrada, pois aos trabalhadores da ativa também não foi concedido qualquer reajuste salarial. No entanto, em troca do reajuste lhes foi concedida uma garantia de emprego de 13 meses. Ora, o reclamante, sendo aposentado, não se beneficiou da garantia de emprego ofertada em troca da ausência de reajuste salarial e, assim, quebrou-se sim a paridade, pois nada lhe foi dado em troca pela não concessão do reajuste, que já teria direito por aplicação da convenção coletiva já em vigor quando da realização do acordo coletivo.
 
            Não se pode imaginar, de forma discrimina tória, que o reajuste salarial não teria importância para os aposentados. Os aposentados são cidadãos como quaisquer outros e possuem compromissos sociais que devem respeitar, sendo perfeitamente legítimo que almejassem receber uma majoração do seu ganho na data-base. Os trabalhadores da ativa, no entanto, desprezaram, de certa forma, os interesses dos inativos, negociando uma condição de trabalho que apenas lhes favoreceria. Estes, frutos da era da flexibilização, traíram, de certa forma, os seus antepassados, que conquistaram, legitimamente, o direito à complementação de aposentadoria. As gerações atuais não podem, simplesmente, desprezar os interesses das gerações passadas, pois correm o risco de que o mesmo ocorra com elas, futuramente. O progresso da humanidade firma-se, principalmente, no amor que as gerações transmitem uma às outras. O compromisso dos homens com suas gerações futuras nasce no respeito que têm pelas gerações passadas, dado o respeito com que foram tratados por estas. Reflete bem essa situação a música de Toquinho e Vinícius, "O filho que eu quero ter".
            Pode-se imaginar Que o reclamado ao criar o direito da complementação de aposentadoria conferiu aos trabalhadores um direito além do previsto em lei e, portanto, pode limitar este direito, já que normas benéficas interpretam-se restritivamente. Nada mais absurdo. O direito à complementação de aposentadoria foi conferido na época em que o reclamado era uma instituição pública e a concessão do benefício não foi um favor, mas uma forma de atrair mão-de-obra Qualificada e também para cumprir o Estado a sua obrigação de integrar, socialmente, o trabalhador. Além disso, não se pode desprezar o aspecto de que, em certa medida, um tal direito foi, igualmente, uma conquista dos trabalhadores da época. Não se trata, assim, de uma benevolência, mas de um direito e direitos não podem ser simplesmente desqualificados como se fossem dádivas de quem quer que seja. Integrado ao patrimônio jurídico de um cidadão, o direito há de ser respeitado por todos.
 
            E. o direito em questão, estimulou-se no sentido de que o aposentado mantenha o seu ganho no mesmo patamar que o pessoal da ativa e o reclamado, agora, privatizado, não pode, simplesmente, desprezar este direito, negociando com os trabalhadores da ativa, com a ameaça de desemprego, benefícios que não atinjam os aposentados, em troca de manutenção do nível salarial ou mesmo de redução salarial.
            Desse modo, conclui-se que os Autores fazem jus à atualização da complementação de sua aposentadoria pelo índice IGP-DI, da Fundação Getúlio Vargas, a partir de 01.09.2001, em razão do direito adquirido ao referido índice, pelos princípios centrados na não discriminação e paridade e em razão dos princípios da dignidade da pessoa humana do trabalhador, valores sociais do trabalho e também pelo princípio da função social da empresa.
 
            Assim, procede o pedido de fls. 13, item 07, compensando-se (a fim de evitar o enriquecimento sem causa dos Autores) os valores já recebidos pelos índices pagos pelo Réu a partir de 01.09.2001, parcelas vencidas e vincendas.
            Ofícios
            Os órgãos fiscalizadores que guardam relação com esta Especializada somente deverão ser acionados nos casos de inequívoca constatação de irregularidades por parte dos empregadores, sendo que nestes casos deverão ser punidos de maneira intimidativa. Nos autos, este Juízo não vislumbrou nenhuma prática de conduta à margem do ordenamento jurídico que pudesse ensejar a expedição de ofícios.
              Honorários Advocatícios
            Improcedem. Não presentes as hipóteses alinhavadas no artigo 14, da Lei n. 5584/70. Nesse sentido também os Enunciados ns. 219 e 329, ambos do C. TST.

  
            Diante do exposto, decide a JUSTICA DO TRABALHO/15ª REGIÃO, por esta VARA do TRABALHO, rejeitando as preliminares de ILEGITIMIDADE, INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA, CARÊNCIA, LITISPENDÊNCIA, afastando o pleito centrado na SUSPENSÃO bem como afastando, também, a aplicação do instituto da PRESCRIÇÃO e DECADÊNCIA, excluindo os Autores LUIS ANTÔNIO DA CRUZ CALDANO e SÔNIA APARECIDA SACCHI BORDIGNON, nos termos do artigo 267-IV do CPC, julgar PROCEDENTE EM PARTE o "petitum", para condenar o Réu BANCO DO ESTADO DE SÃO PAULO SA - BANESPA a pagar aos Autores ARILDO BACAN, EDSON GONÇALVES DOMINGOS, ISMAEL DOS SANTOS, JOÃO LUIZ BORDIGNON, LUIZ ANTÔNIO NOGUEIRA, MIGUEL CASSIARO NETO os valores referentes à correção das complementações das aposentadorias e ou pensões dos Autores, se for o caso, com base na variação do IGP-DI. com aplicação a partir da data supra requerida e fundamentada, tanto para parcelas vencidas como vincendas, com estrita observância à Fundamentação retro expendida, que desta etapa dispositiva é parte integrante. 
 
            O Réu fica absolvida dos demais pedidos como acima decidido.
            Como acima fundamentado, autoriza-se a dedução (e não compensação) de verbas já efetivamente pagas, sob mesmo título, evitando-se, com isso, a instalação da odiosa figura centrada no enriquecimento ilícito. Certo, porém, que o empregador quando destina o pagamento ao trabalhador não se torna credor deste.
 
            Sobre os valores a serem apurados em liquidação de sentença, mediante cálculos, incidirão juros e correção monetária na forma da lei (Súmula 200, do C. TST).
 
            A atualização monetária será feita pela aplicação do índice previsto para o mês da prestação do labor, conforme interpretação do artigo 459, § 1°/CL T, tendo em vista que o legislador concedeu prazo para o empregador se organizar e não se tornar inadimplente.
            Deverá a Ré comprovar nos autos os recolhimentos fiscais, acaso incidentes, nos termos do artigo 46, da Lei na 8.541/92, e do Provimento 01/96, da CGJT e a título de contribuição previdenciária, incidentes sobre as verbas de natureza salarial, nos termos dos artigos 43 e 44 da Lei na 8.212/91, com a redação que leis foi atribuída pela Lei na 8.620/93, no prazo estabelecido no Provimento 02/93, da lhes, em conjunto com a Lei 10.035.
 
            Faculta-se à Ré reter do crédito do(a) Autor(a) as importâncias relativas aos mencionados recolhimentos, tendo em vista a CRFB/88 que os qualifica como contribuintes obrigatórios.
 
            Custas pelo Réu, no importe de R$2.000,00, calculadas sobre o valor da condenação, ora arbitrado em R$100.000,00.
            Intimem-se.
            Encerrou-se a audiência.
 
                                        RENATO CÉSAR TREVISANI
                                                    Juiz do Trabalho

                                            Diretor de Secretaria

VOLTAR

12/05/2006
José Milton