Há muitos anos, meus pais, minha mulher,
meu filho e eu jantamos num desses restaurantes onde o
cardápio está escrito num quadro-negro. Depois de uma ótima
refeição, o garçom colocou a conta no centro da mesa. Eis o
que aconteceu: meu pai não apanhou a nota.
A conversa continuou. Finalmente percebi. Era para
eu me encarregar da conta. Depois de ir à
centenas de restaurantes com meus pais, depois de pensar a
vida toda que meu pai é que era o dono do dinheiro, tudo tinha
mudado. Apanhei a nota e minha visão de mim mesmo mudou de
repente. Eu era um adulto.
Algumas pessoas demarcam a vida em anos. Eu meço a
minha por pequenos fatos, por ritos de passagem. Não me tornei
rapaz numa idade determinada - treze anos, por exemplo - , mas
quando um garoto entrou na loja em que eu trabalhava e me
chamou de "senhor". Ele repetiu "senhor" várias vezes, olhando
direto para mim. Aquilo foi como um soco: era comigo!
De repente passei a ser um senhor.
Houve outros fatos marcantes. Os policiais
da minha juventude sempre me pareceram grandes, enormes
até, e, naturalmente, eram mais velhos do que eu. Até que um
dia, num instante, percebi que eles não eram nada disso. Na
verdade, alguns eram garotos - e pequenos. Chegou o dia em que
me dei conta de que todos os jogadores de futebol da partida a
que estava assistindo, eram mais novos do que eu. Eram apenas
garotos altos. Com tal fato marcante, foi-se embora a fantasia
de que um dia, talvez, eu também pudesse me tornar um jogador
de futebol. Mesmo sem jamais ter alcançado a montanha, eu a
tinha transposto.
Nunca pensei que chegaria a cair no sono vendo
televisão, como meu pai fazia. Agora, sou ótimo nisso. Nunca
pensei que iria à praia sem nadar. E acabei de passar o verão
todo no litoral sem entrar na água uma só vez. Nunca pensei
que apreciaria ópera, mas agora a combinação de voz e
orquestra me atraem. Nunca imaginei que ia preferir ficar em
casa à noite, mas agora me vejo recusando convites para
festas. Considerava estranhas as pessoas que observavam
pássaros, mas nesse verão me peguei fazendo a mesma coisa.
Acho até que vou escrever um livro a respeito. Anseio por uma
convicção religiosa que jamais imaginei querer e sinto uma
proximidade com antepassados que já partiram há muito tempo. E
o mais incrível é que nas discussões com meu filho, repito os
argumentos de meu pai - e ainda saio perdendo.
Um dia comprei uma casa. Um dia - que dia! - tornei-me
pai e, não muito depois disso, paguei a conta no lugar do meu
pai. Imaginava que esse dia tinha sido um rito de passagem
para mim. Mas, depois, já um pouco mais velho, compreendi que
fora para ele também. Um outro fato
marcante.
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